quarta-feira, dezembro 21, 2005

Emigrantes



Bem sei que o senhor da foto acima exposta não é francês. Pois não. Mas podia. Bono Vox, independentemente das suas qualidades musicais, consegue ser um artista como poucos. Com efeito, se se entender que o artista é um indivíduo astuto e manhoso, Bono Vox, na minha modesta e limitada opinião, tem talento para ser o artista do decénio. Porém, e apesar de o assunto ter muito por onde explorar, não é sobre Bono Vox que me interessa escrever agora. Não. Interessa-me mais fazer um breve comentário sobre uma reportagem «especial» da TVI, que fazia uma espécie de relato da vida diária dos portugueses emigrantes em França.

Nessa reportagem da TVI, os emigrantes faziam uma lógica comparação entre Portugal e França. Para eles, então, Portugal é um país mau para se viver porque não há dinheiro. Por outro lado, na França paga-se (e bem) até para se ficar em casa a tomar conta dos filhos. Então, se em Portugal não há dinheiro, em França ele cai das fontes, como se fosse água. Toda a reportagem andou, como não poderia deixar de ser, à volta desta ideia. Dir-se-ia, até, que se não fossem as pérolas linguísticas dos nobres emigrantes portugueses, a entrevista teria sido uma seca tremenda. Porém, e pensando um pouco melhor sobre o assunto, a verdade é que a reportagem, para além de ter sido de um vazio quase total, foi mesmo uma grande maçada. Em primeiro lugar, esperava-se mais dos jornalistas que intervieram em tão desafiante missão. Não se ouviu, por exemplo, nenhum desses nobres senhores da comunicação social dizer que o Estado em França gasta mais do que deveria e que isso, no futuro, terá as suas consequências. Também não se ouviu ninguém dizer que o Estado português só não dá mais dinheiro porque já deu muito. Não. Ouviu-se, no máximo, um nobre representante dessa emérita classe profissional a afirmar, a pés juntos, que aquilo na França é mesmo bom. Do melhor. Em segundo lugar, houve uma grande desilusão, pelo menos da minha parte, em relação aos actores sociais, em relação aos emigrantes ultrajados por um país que os pariu e que agora não lhes quer dar mama. Com efeito, os emigrantes deixaram muito a desejar. Nem um estalo na boca da criança que não se cala se viu. Nem um fã desse grande Graciano Saga se deu a conhecer. Nem um brinco de ouro a la Ruth Marlene. Nada. Em frente às câmaras só apareceu um modesto e trabalhador trolha, com um dente a menos e o cabelo cravejado de gel e de cimento. Muito pouco para uma televisão de tão grande calibre. Em terceiro e último lugar, não se ouviram todas aquelas louváveis considerações morais, que se costumam fazer quando se sofre. Não. Nada disso. Desta vez foi miséria à séria, rodeada, é claro, pelos copos de branco do Zé Quintino (dono do estabelecimente comercial, que, não se sabe bem por que razão, dá pelo nome de «O benfiquista»).

Em suma, toda aquela reportagem da TVI me cheirou a fiasco. Talvez se, numa próxima aventura por essa pátria além fronteiras, se convidarem as pessoas certas e se forem escolhidos os locais certos, se consiga alcançar algo de nível aceitável. Por exemplo, um Bono Vox não recusaria o papel de jornalista. Um Bob Geldof também não. E se fosse na América...?

[Paulo Ferreira]