segunda-feira, dezembro 26, 2005

Cavaleiro rusticano

Confesso que não tenho o costume de ver programas de stand up comedy. E em especial em Portugal. Excepção feita ao que vem dos Estados Unidos, único país com tradição nesse género de comédia. Nem aqueles cujo formato tem o objectivo de «ser» stand up comedy, nem quando Herman quer fazer incursões nesse domínio, que não é o dele. E, especialmente, não sou nem de perto apaixonado admirador desse rapaz que, nos tempos últimos, deu o grande salto de amador da construção civil para comediante de topo: Fernando Rocha. Dizem que este rapaz fez a revolução na comédia portuguesa. Felizmente, também dizem, essas mesmas pessoas, que Paulo Coelho revolucionou a literatura portuguesa, que Dan Brown revolucionou o conhecimento da Igreja Católica Romana e que Michael Moore revolucionou o cinema.

Por outro lado, admito que já assisti (acendendo a televisão) às famosas prestações desse charlatão Sr. Rocha. Não porque tenha o costume de ver o seu programa. Por nenhuma razão em especial, apenas porque não coincide com as minhas horas de zapping e nunca consegui ver o programa por mais de cinco minutos. Porém, o estilo do rapaz exige muito trabalho. Eu diria mesmo que roça a genialidade. Se Rachmaninov sempre teve aura de «génio», Fernando Rocha, no outro extremo, consegue a mesma proeza. Se ele, de facto, consegue assinar o seu nome no arquivo de identificação ou na esquadra, a sua cara, ao entrar no quadrado mágico da televisão, destrói qualquer possibilidade de pensarmos que a sua mão poderia corresponder aos comandos do cérebro e assinar o seu infame nome num papel.

Mas a crítica não é de ódio. Pelo contrário, admiro o modus operandi do Sr. Rocha. Se me dissessem que passou a sua vida agrilhoado e só agora conheceu o Mundo, ao melhor estilo de Platão, não me surpreenderia. Na verdade, a forma boçal como o comediante tenta construir frases, sem sucesso, mostra um perfeito alheamento das mais velhas e básicas regras de gramática («marco no malho, mais o car#lho») que os pobres portugueses, muito a custo, lá foram construindo e preservando, como as últimas poupanças debaixo do colchão. Goza com a velha, goza com o preto e goza com ele mesmo (sem o saber, pois se o soubesse tentaria o murro no ar). Pelo menos por isto, devemos respeitar a sua simplicidade. Será possível ridicularizar e minimizar tanto as capacidades de um homem ao ponto de criar empatia com o seu trabalho? Penso que sim, o meu sincero respeito pela triste figura de Fernando Rocha é exemplo disso.

[João Silva]