sexta-feira, novembro 25, 2005

melencholia

tardará muito a noite atrás das pedras
pardas, ou quase nada, mas
não se sabe ao certo. tardará

muito alguma coisa
a chegar de viés, imperceptível, ave-
ludada. o anjo espera sentado

e apoia
a cabeça na mão, entre
surdas geometrias

e usadas metáforas, como a prata
delida da tarde pelos olhos
do mastim agonizante.

o anjo aguarda e faz as contas
enquanto entras, nua e neutra,
de cabelos molhados, uma das mãos

cruzando o peito, a outra
a cobrir o púbis, o olhar
semicerrado e tenso,

convidando a foder. lá fora
as estações sucedem-se
impelidas pelos ventos, as marés

regressam sem espuma ao seu encaixe
no silêncio das luas. também os homens
passam e flectem

a coluna, abrigando-se. noite, ó noite
insuportável, rasgada
pelo brilho

dos livros a
aquecerem
os banhos da cidade.


- Vasco Graça Moura, o concerto campestre

[João Silva]