segunda-feira, outubro 31, 2005

Vidas no Café VIII

Passar uma vida num café será muito tempo, até porque a vida é demasiadamente comprida e aborrecida para que possa ser gasta num café, a pensar ou a contemplar a beleza existente neste planeta. No entanto, não raras são as vezes em que dou comigo cheio de vontade de dar um empurrão no quotidiano só para ficar sentado em frente a um cinzeiro acolhedor, que me possa dizer que as obrigações não existem. Também não raras são as vezes em que chego mesmo a passar uma pequena rasteira em tudo o que seja capaz de me fazer levantar de uma cadeira confortável, como são normalmente as cadeiras de café que frequento. Por outro lado, isto de ficar horas, dias, semanas, meses e anos a olhar para a vida sem nada fazer pode tornar-se cansativo. E chato. O melhor será, então, uma pessoa deixar-se levar pelo momento exacto em que se encontra sentada no banquinho a beber o seu café ou a fumar o seu cigarro (não confundir com carpe diem ) e esquecer as obrigações e os problemas que se seguirão depois. Afinal de contas, viver a vida como se fosse efémera e vazia de problemas não tem piada nenhuma. As infames secretárias de escritório, que bebem o seu café como se estivessem num jogo de sedução em que o cruzar e o descruzar das pernas pode significar morrer ou viver, que o digam.

[Paulo Ferreira]

Vidas no Café VII

Mariana era uma prostituta com gostos de mulher refinada. Mariana passava os seus dias sentada num banco de café a beber chá e a comer torradas. Mariana gostava de pensar. Mariana gostava de pensar naquilo que a fazia feliz: Mariana evitava pensar nas horas em que vendia o corpo. Mariana era prostituta e ninguém o sabia. Ninguém excepto os seus clientes. Mariana tinha medo das pessoas. «Num café ninguém compra corpos!», pensava frequentemente a pobre mulher.

[Paulo Ferreira]

Duas namoradas

F. namorava com duas mulheres. Melhor: F. acasalava com duas mulheres. F. dizia aos seus amigos que não tinha sentimentos. Mas F. tinha sentimentos. Milhões de sentimentos. F. acasalava com duas mulheres. F. era apaixonado por uma dessas mulheres com que acasalava. As duas mulheres eram apaixonadas por F., o que deixava o pobre homem confuso. Não era para menos: F. tinha duas namoradas. F. namorava com duas mulheres. Duas mulheres que um dia o deixariam para nunca mais o ver, porque elas amavam muito e ele era um só.

[Paulo Ferreira]

domingo, outubro 30, 2005

Vidas no Café VI

O Café é um ser. Tudo indica que sim. Tem personalidades diferentes, comporta «sentimentos» específicos, tem preferência por certos ambientes, etc. Sobretudo, os frequentadores típicos de um género de café não irão a outros que se encontrem num extremo oposto. Há muita evidência de que a frase-tipo «diz-me com quem andas...» funcione quando nos referimos a cafés. É verdade que personalidades não se misturam.
Por exemplo, caso um rapaz (aliás, real) que aprecie bigodes artísticos e minimalistas resolva inovar, terá alguns problemas de aceitação no snack-bar de um bairro com nome de cigana velha. Ao entrar no café, a meio de um jogo de campeonato, o dono e animador local, arreliado pelo resultado, certamente terá um choque ao dar de caras com um bigode que não tenha a metade esquerda. A unha do dedo pequeno penetrará o ouvido e tentará desvendar, pelo canal auricular, a identidade da personagem que ameaça a sua hegemonia no bairro.
Já o contrário também acontece, isto é, também o grupo de bigodes minimalistas sente a sua privacidade invadida quando um homem, numa idade já avançada e plena de experiência de vida, se senta numa das mesas a meia-luz do café nocturno e reafirma, a plenos pulmões, como se se libertasse de uma mordaça, que «a URSS se esfarelou». Após uma lista de opiniões políticas tocadas por alguma amargura colonialista, bate com o punho fechado no ombro do rapaz do bigode minimalista e grita, de olhos lacrimosos: «Sócio, isto o que Portugal fez com África foi: dobrámo-nos para a frente... e até levámos a vaselina». O rapaz do bigode desmaiou.

[João Silva]

Aux armes, citoyens

Diz o Bruno que as piadas sobre franceses não têm piada. Dou-me ao luxo de objectar. Em Our Oldest Enemy, há um páragrafo que é apenas um pequeno exemplo do material humorístico que são os franceses. Cito:

«Although millions of Americans found the behavior of the French exasperating, many initially responded in a characteristically American way: with humor. "You know why the French don't want to bomb Saddam Hussein?" asked television comedian Conan O'Brien. "Because he hates America, loves mistresses, and wears a beret. He is French, people." Every evening seemed to bring a new late-night laugh. "I don't know why people are surprised that France won't help us get Saddam out of Iraq," joked Jay Leno. "After all, France wouldn't help us get the Germans out of France." Even politicians joined in: "Do you know hou many Frenchmen it takes to defend Paris?" quipped Congressman Roy Blunt of Missouri. "It's not known. It's never been tried."»

Humor fácil? Correcto. No entanto, os Estados Unidos têm a tradição de tornar tudo fácil. Fácil e eficiente. Piadas sobre franceses não são excepção.

[João Silva]

Exilada política

«Achar que o facto de ganhar é a prova de que Mourinho não é arrogante é como achar que o voto popular faz de Fátima Felgueiras uma mulher honesta - cresçamos, caramba.»

Joel Neto, Grande Reportagem 29/10/2005

[João Silva]

Batucada

«GR - Como serão os [seus] concertos em Portugal?
SJ - As pessoas querem é ouvir música, então, não vou fazer um circo. Há a ideia da camisa do Ronaldinho e da batucada engraçada, mas isso não é brasileiro. Vou tocar música mesmo, talvez o público se surpreenda com isso.
»

Seu Jorge, Grande Reportagem 29/10/2005

[João Silva]

Mundo maniqueísta

Sendo eu um perigoso observador da beleza feminina, não me recuso a aqui partilhar uma dúvida que me tem tirado o sono todas as noites: será mais sensual a pele de uma mulher bronzeada e descoberta do que a pele de uma mulher na sua cor original e não necessariamente descoberta? Tenho para mim a opinião de que esta é uma questão de difícil resolução. No entanto, aqui deixo dois exemplos de um só ser exemplar de divindade dúplice:





[Paulo Ferreira]

Vidas no Café V

Passei o meu Verão esparramado numa cadeira de café, a alternar entre a garrafa de água e o refrigerante com gelo. Passei dois meses ou três a esconder-me do calor, ao mesmo tempo que tapava, de tempos a tempos, a baba provocada pelas vertigens estivais debaixo da roupa. Agora, os tempos de agonia parecem ter terminado: voltou a chuva, voltou o Inverno, voltou a saúde mental, voltou o frio, voltaram as mulheres.

[Paulo Ferreira]

sábado, outubro 29, 2005

Mitos

No Mil Folhas desta semana, destaque para a saída de dois livros vindos dos obscuros meandros da Faculdade de Letras de Lisboa: Mitos e Lendas do Antigo Egipto de Luís Manuel de Araújo e Mitos e Lendas da Roma Antiga de Nuno Simões Rodrigues.

[Paulo Ferreira]

Pathos


Winona Ryder (n. 29.10.1971)

[João Silva]

Escrevias pela noite fora

Escrevias pela noite fora. Olhava-te, olhava
o que ia ficando nas pausas entre cada
sorriso. Por ti mudei a razão das coisas,
faz de conta que não sei as coisas que não queres
que saiba, acabei por te pensar com crianças
à volta. Agora há prédios onde havia
laranjeiras e romãs no chão e as palavras
nem o sabem dizer, apenas apontam a rua
que foi comum, o quarto estreito. Um livro
é suficiente neste passeio. Quando não escreves
estás a ler e ao lado das árvores o silêncio
é maior. Decerto te digo o que penso
baixando a cabeça e tu respondes sempre
com a cabeça inclinada e o fumo suspenso
no ar. As verdades nunca se disseram. Queria
prender-te, tornar a perder-te, achar-te
assim por acaso no meu dia livre a meio
da semana. Mantêm-se as causas iguais
das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina
dos sorrisos vem de nenhum vício. Este abandono
custa. Porque estou contigo e me deixas
a tua imagem passa pelas noites sem sono,
está aqui a cadeira em que te sentaste
a escrever lendo. Pudesse eu propor-te
vida menos igual, outras iguais obrigações.
Havias de rir, sair à rua, comprar o jornal.

- Helder Moura Pereira, De Novo As Sombras e As Calmas

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, outubro 28, 2005

As aves


As aves estão prestes a dominar o Mundo. A acreditar nos canais de televisão portugueses, parece ser isso que se está a passar no Mundo, desde Ásia até Portugal. As aves, supostamente doentes, de um cantinho de um país com menos condições, emigraram e passaram a vez a outras aves, e assim sucessivamente. Este parece ser o argumento simples que tanto pode dar origem a um sofrível filme de terror psicológico de «culto» (que não do mesmo nível de Hitchcock), como encher um telejornal de uma ponta à outra. E, assim, se impregna de um mediatismo sem igual a televisão e a população (passadores de palavra) portuguesas.

Num momento estamos descansados, num restaurante, num combate agradavelmente desigual com um frango assado, no outro já se vendeu a ideia de que os frangos dos melhores aviários ou criadores não são mais higiénicos e saudáveis que os pombos das principais praças urbanas do país. Tal como antes nos tiraram dos pratos qualquer coisa que tivesse a ver com gado bovino - lembro-me de uma senhora que deixou de dar gelatina aos netos porque «era o tutano da vaca». Tudo isto graças ao espectáculo proporcionado pelos telejornais com mais audiência do país, em especial «o da senhora que é casada com o outro». Telejornal em que um bando de gaivotas com problemas de orientação são notícia de abertura.

O alarmismo das epidemias não é novo, há muito que veio para ficar. Seja um ataque químico em massa através do correio, sejam doenças bovinas, sejam doenças que aos pombos dizem respeito. Deixem os diagnósticos e os alertas para os médicos e especializados no assunto. Ainda assim, aproveitem a televisão que temos - se o vosso animal de estimação morrer subitamente, telefonem-lhes. É bem possível que dê início a outra efeméride.

[João Silva]

Vidas no Café IV

A perda do romantismo (com minúscula) é, frente ao quotidiano urbano, algo praticamente inevitável. No entanto, ainda existem sítios que nos fazem sonhar com um futuro, quiçá, diferente, mais ilusório, menos real. Os cafés pertencem a esse conjunto de sítios. É certo que nem todos os cafés são influenciados pela aura do amor ou da sedução, mas esses, os que não acolhem a chama dos apaixonados, não nos interessam, já que só servem mesmo para beber um café ou para acender ocasionalmente um cigarro. Os cafés são, com efeito, locais onde um indivíduo normal e pacato pensa em apaixonar-se ou, na melhor das hipóteses, arranjar tardes de tórridas paixões com qualquer uma ingénua funcionária empresarial. Assim, não raros são os dias em que me sento num banco de café para me perder de paixão por alguém. O problema é que os meus olhares nem sempre se cruzam com os olhares das belas representantes do sexo fraco (não por falta de empenho meu, diga-se).

É nos dias de chuva, como o de hoje, que os namorados se sentam nos cafés para conversarem sobre temas na maior parte das vezes aborrecidos ou enfadonhos. Aliás, os namorados, quando se sentam nos cafés, dizem, não se sabe bem por que razão, as piores alarvidades deste mundo. As mãos colam-se umas às outras e as línguas fazem um esforço para permanecerem circundadas pelos dentes. É também nos dias de chuva que os grandes cérebros da literatura portuguesa decidem sair dos seus cubículos para escrever. É óbvio que os escritores que saem de casa para escrever sobre a chuva e sobre o sofrimento que ela provoca na alma humana não podem ser grandes escritores, mas isso é outra história. A verdade é que, com a chuva, os cafés enchem-se de gente, as pernas femininas cobrem-se de roupas e os sentimentos têm menos vontade de se dar a descobrir. Definitivamente, a chuva, ao trazer muita gente para os cafés, acaba com o romantismo. Afinal, não é possível que uma pessoa se apaixone por outra a ouvir o sr. Martins a falar de Wall Street ou de negócios «para milhões e milhões de dólares».

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, outubro 27, 2005

O estado das coisas


À espera do fim-de-semana...

[Paulo Ferreira]
[João Silva]

Vidas no Café III

Gosto de um café que seja gerido por indivíduos que leiam livros como «O teu cavalo sou eu», «Em cima de ti nunca me canso» ou «Regina volta a atacar». E mais não escrevo.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, outubro 26, 2005

Vidas no Café II

Passar uma vida num qualquer café de cidade não é, para quem faz questão de resguardar certos hábitos animalescos,um sacrifício por aí além. Passar uma vida num café é, aliás, um hábito bastante saudável. Pelo menos, para seres sedentários de espírito. Ora, sendo eu um ser sedentário de espírito (seja lá o que isso for) e um animal que faz questão de demonstrar que o é, nada mais natural do que passar muitas das tardes da minha vida esparramado num café, a ler ou mais simplesmente a tentar perceber a forma como as pernas femininas se cruzam umas com as outras.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, outubro 25, 2005

Vidas no Café I

Num café, pode-se nascer e morrer. Pode passar-nos uma vida à frente. Podem passar até muitas. Incluindo a nossa. Nesse caso, há uma ténue linha entre a debilidade e a dignidade. Tudo depende da escolha do café e da escolha do que fazer com o tempo que lá se passa. Em muitos casos, essa linha ténue é voluntariamente suprimida. Em vidas perdidas no café, dir-se-ia um imperativo esquecer que essa linha existe.
Na verdade, o ponto fulcral de qualquer passagem pelo café da zona (normalmente o «estabelecimento» castiço), ou pelo café longínquo, baseia-se muito numa coisa bastante simples: pessoas. De facto, mesmo o bicho mais fechado sentir-se-á enclausurado num mundo diferente se não sair para ver membros do sexo oposto (sublinhando, aqui, sexo oposto). Por muito que se afaste o espectro do «outrém», essa presença abstracta e sem cara da curta multidão de café é um elemento fulcral de qualquer ávido leitor de perna traçada. Não há conversa, por mais cosmopolita que seja, que consiga chegar aos calcanhares de uma combinação «livro-mulher». Quando houver, é possível que a razão de ser do meu quotidiano e deste blogue perca todo o seu significado.

[João Silva]

segunda-feira, outubro 24, 2005

Pensamento do dia

Não gostar de animais. Quando os chamas na rua, eles assustam-se e, por vezes, morrem atropelados, como o gato que alimentei há cinco minutos.

[Paulo Ferreira]

O primeiro homem

Adão deu origem aos homens. Mas foi Caim o primeiro homem.

[João Silva]

Nota de lembrança

Não esquecer, de manhã, o primeiro pensamento. Não faltar ao emprego. Antes de deitar, resistir ao erotismo do suicídio.

[João Silva]

domingo, outubro 23, 2005

O estado das coisas



[João Silva]

sábado, outubro 22, 2005

Um problema na vida

«Mas há um problema na vida: não se enxota a tragédia como se faz às moscas. A tragédia não é um insecto minúsculo com apetite para alimentos solitários. Se é insecto então aproxima-se dos banquetes enquanto os homens comem, bebem e são felizes. Aos infelizes não acontecem tragédias, nunca te esqueças.»

- Gonçalo M. Tavares, A Perna Esquerda de Paris, seguido de Roland Barthes e Robert Musil

[Paulo Ferreira]

Ter piada

«MF - Que livro gostaria de ver traduzido em Portugal?
JJ - "A people's Tragedy", de Orlando Figes, o livro mais absorvente, dramático, trágico e dilacerante que alguma vez se escreveu sobre a natureza e a perversidade humana. Na ficção, a obra completa de Margarida Rebelo Pinto.»

José Júdice, Mil Folhas 22/10/2005

[Paulo Ferreira]

Cavaco, a boa moeda

«Não gostar de Cavaco» é uma das posições menos convictas dos portugueses, apesar de ser uma das mais comuns. Aliás, Cavaco foi, ao mesmo tempo, razão para os indecisos sem «poiso ideológico» votarem no Partido Social Democrata (sempre identificado com o abstracto «centro-direita»), e razão para os eleitores mais liberais decidirem não votar nos grandes partidos (ou seja, ausência do chamado «voto útil»). No entanto, como eu dizia acima, é difícil anular Aníbal Cavaco Silva da política portuguesa. Cavaco está, de alguma forma, metido em tudo o que foi feito desde o atenuar dos consensos do Bloco Central e da longa década de habituação a um regime democrático. Está nas estruturas do país, quer queiramos quer não. Quase tudo o que está para além da gélida Constituição tem mão de Cavaco, sejam as coisas positivas, sejam as negativas. É a partir daqui que se faz a quase «automática» avaliação do percurso de Cavaco. Por muito que o possamos preterir ideologicamente, visto dos mais liberais ou dos mais nostálgicos do pré-cavaquismo, há sempre algo a favor de Cavaco. Quer queiramos quer não, aí está, de novo, Cavaco Silva, como candidato à Presidência da República de um país que ajudou a moldar, e uma grande maioria, parece-me, vai votar, sempre reticente (mas com consciência limpa) no professor.

No entanto, o juízo acerca de Cavaco não pode partir da sua «obra» como primeiro-ministro. Até porque o perfil nada tem a ver com «obra». E, em Cavaco, o que faz falta é a sua postura, algo mais humano do que essa espinhosa abstracção a que se costuma chamar «sentido de Estado». O perfil de Cavaco é o de um homem firme, organizado, com uma grande apetência para a contenção do risco - aliás, é esta necessidade metódica de planeamento dos «destinos» do país que, normalmente, dá origem ao planeamento da própria economia, coisa que limitou e limita o eleitorado de Cavaco Silva à «direita». Mas essa firmeza, a roçar a teimosia, longe agora dos tempos em que tudo valia para ser um «bom aluno» da UE, é precisamente o que faz falta a um país que atravessa um período de evoluções. O governo do PS, de José Sócrates, num esforço razoavelmente honesto, parece ter percebido isso. Cavaco também. Aliás, mais do que de mudança, o país precisa de solidificar certas estruturas benéficas ao crescimento. No discurso de apresentação da candidatura, na quinta-feira passada, Cavaco confirmou: «Sei bem as dificuldades que se colocam a qualquer Governo em tempos de mudança como aqueles que vivemos (...) Portugal não conseguirá ultrapassar a situação em que se encontra sem estabilidade».

Cavaco é estatista. As provas foram dadas ao longo de uma evolução de uma década. Mas isso não significa que traga o estigma de Salazar, ou seja, a convicção de que as coisas só funcionam quando se tem uma palavra a dizer em tudo o que se processa em Portugal. Cavaco, até pela experiência que teve com Mário Soares, sabe que os poderes presidenciais, apesar da sua extensão, são uma enorme responsabilidade, para além de serem dispositivos ao serviço da estabilidade do país, e não ao serviço da opinião pública. O Presidente deve ser um líder, uma referência de respeito, e não um justiceiro. Ora, tudo isto, parece-me, está incluído na experiência política de Cavaco Silva. Para além de saber manter à distância, e «em sentido», o PSD - o que, ironicamente, poderá ser um dos grandes trunfos de Marques Mendes nas eleições que se seguem para o partido.

Até mesmo em relação a Sócrates, Cavaco é uma das melhores coisas que podem acontecer. O PS terá, involuntariamente, no Presidente da República, um travão às obras visionárias e «modernizadoras» que os socialistas tanto gostam de planear para meio do mandato. Cavaco sabe o que são reformas. Sabe, sobretudo, a falta que fazem. E são essas reformas o ponto de partida para a harmonia do regime. Muito longe da liberalização dos sectores públicos, mas sem a deriva despesista de outros tempos e outros mandatos. Aliás, a própria forma da apresentação da candidatura de Cavaco (que achei muito satisfatória e muito «cavaquista») diz muito sobre a personalidade do candidato: directa, organizada e solitária. E, por solitária, também me refiro à ausência da influência pessoal dos líderes do PSD.

Apenas uma nota negativa em relação à noite do discurso: o final. Para além da caminhada prolongada e desnecessária, foram ridículas as vozes imberbes que, talvez equivocadas, gritavam por Cavaco ou por um clube de futebol - não percebi bem -, torcendo bem alto com os seus cânticos de relvado. São estes momentos que fazem desesperar Cavaco Silva. E, precisamente porque o fazem desesperar, fazem-no também, até mais ver, o candidato que apoio. Como Presidente da República, terá tudo para ser, finalmente, a «moeda boa» que faz falta a Portugal.

[João Silva]

Fraude

Quando Quina teve notícias de que o bando do Morte fora culpado do assassínio dum usurário receptador, criatura viciosa e sórdida que iniciava certa casta de adolescentes em todos os crimes, ela sentiu-se defraudada na sua confiança, e atribuiu ao mundo a perversão daquele rapaz que lhe dissera: «A senhora faz-me lembrar minha mãe», com um modo saudoso e cheio dum timbre de abstracta reprovação. Ele não conhecera a mãe, essa era a fraude.

- Agustina Bessa Luís, A Sibila

[João Silva]

Esmero

- J., como hei-de chamar ao meu novo livro?
- Sei lá...
- Obrigado.

[João Silva]

sexta-feira, outubro 21, 2005

Trafalgar


Turner, The Battle of Trafalgar (1806)

[João Silva]

quarta-feira, outubro 19, 2005

Um modelo de Presidente

Leio num jornal insuspeito que George Weah, ex-jogador de futebol e candidato à presidência da Libéria, vê em Ronald Reagan um modelo de presidente (e de ideologia) caso venha a ser eleito. Já não lhe restava ter sido um dos melhores avançados do Mundo, agora também ameaça tornar-se um novo ícone liberal. Pena é que, como o meu caro amigo Bruno concordou, a política doméstica liberiana não seja o nosso forte...

[João Silva]

terça-feira, outubro 18, 2005

Crescer

O filho da vila passava estrume nas faces rosadinhas, esperando que a barba lhe crescesse mais depressa. Já as raparigas cochichavam que devia haver algo de estranho num rapaz que cheirasse a estrume.
O tempo passou e fez-se homem. O estrume caiu. A barba não cresceu. Em seu lugar, o estrume adubou um monstro.

[João Silva]

Vislumbrar a vida

Quando um homem e uma mulher se cruzam na rua, o seu desejo é tocarem-se, nunca cruzar.

[João Silva]

11 Angry Men

A ler o post de Luís Silva no Bonfim acerca dos esforços miríficos dos jogadores do Vitória.

[João Silva]

segunda-feira, outubro 17, 2005

1958

D. Amélia sempre foi uma senhora tímida. No entanto, ao despir-se no consultório muito lentamente, enquanto o médico a examinava, sentiu-se como se a timidez fosse uma pequena virtude de menina, nesta sua breve viagem à adolescência. Mas dentro dela, como em 1958, quem sorria era a mulher.

[João Silva]

Dois irmãos

Dois homens partilharam a infância. Com o tempo, partilharam sonhos. Uns anos depois, passaram a partilhar a mesma mulher. Hoje, ambos sozinhos, cortam-se a fazer a barba, enquanto partilham a mesma interrogação: quem foi o traído por essa mulher, entretanto escapulida com o patrão?

[João Silva]

Segundo um vetusto senhor...

A educação é uma violência.

[Paulo Ferreira]

Verdades milenares

«MF - Consegue escolher o livro da sua vida?
VPV - Não. Só um iletrado é que consegue.
»

Vasco Pulido Valente, Mil Folhas 15/10/2005

[João Silva]

25 minutos

«Há um episódio de Seinfeld que consiste em 25 minutos de espera por uma mesa e apenas nisso. Eu acho que esperar 25 minutos por uma mesa é sempre uma comédia (e sei que 25 nem é muito nalguns sítios). Sou da opinião de que devemos esperar o tempo que seja necessário por uma mulher bonita ou por um presidente francês decente. Mas não por um bife tártaro

Pedro Mexia, Grande Reportagem, 15/10/2005

[João Silva]

O estado das coisas



[João Silva]

domingo, outubro 16, 2005

Zelo

Ele amava-a profundamente. Ela não o amava. No final, foi ele quem terminou tudo. Excesso de zelo.

[Paulo Ferreira]

Harmonia

Tiravas fotografias sucessivas até ficares perfeita. Pelo menos através da lente da câmara, amarias tanto quanto te amavam a ti.

[João Silva]

Dor

K. andava tão desolado que, ao ver um pombo morto, chorou pelos males do Mundo.

[João Silva]

Mudar de vida

Há uma semana atrás, escrevi aqui que o CDS sofre de falta de liderança. Devo acrescentar que, enquanto escrevia esse «post», uma espécie de rescaldo aos catastróficos resultados obtidos pelo partido de Ribeiro e Castro, não sonhava com qualquer tipo de regresso de personalidades que fazem política apenas para massajar o ego, como Paulo Portas. Queria apenas dizer o que para mim parecia óbvio; dizer que, por muito honesto que seja Ribeiro e Castro, não é com o seu tipo de liderança, escondida e recatada, que o CDS se afirmará como partido de direita elegível. Ora, passada uma semana, continuo a afirmar o mesmo: Ribeiro e Castro não é um líder que consiga recuperar o CDS, digamos, para a vida eleitoral.

O CDS não é, ao contrário do que defende o defunto director do Expresso, um partido com tendência para desaparecer. Pelos menos, se tivermos em conta os últimos anos, a verdade é que o CDS tem conseguido manter uma certa regularidade eleitoral. É certo que nunca atingiu os dez por cento de votos pretendidos por Paulo Portas nas últimas eleições legislativas, mas também nunca desceu a níveis realmente alarmantes. Porém, esta regularidade por baixo faz pensar que o CDS e a maioria dos seus membros se acomodaram a uma certa apatia eleitoral, que relega tudo o que venha da sua zona política para um patamar inferior. Julgo que os resultados conseguidos por Maria José Nogueira Pinto, uma excelente candidata (talvez a melhor), em Lisboa são ilustradores dessa apatia geral a que me refiro.

Se seguirmos uma linha de raciocínio bem portuguesa, que tende para facilitar aquilo que não é de fácil resolução, a reacção do CDS às eleições autárquicas foi excelente. Como partido de tendências conservadoras que é, o CDS reduziu-se ao silêncio, não se importando, por conseguinte, com pensamentos alheios à sua realidade partidária que é, como já referi, uma realidade predisposta ao conservadorismo e, como não poderia deixar de ser, ao silêncio. No entanto, julgo que essa linha de raciocínio não chega para explicar os desaires de um partido que, até há quatro meses atrás, desejava implantar-se em Portugal como partido de poder. Portanto, o silêncio que trespassa do CDS para o exterior só pode ser significado de falhanço por incapacidade absoluta dos seus agentes políticos e, principalmente, de Ribeiro e Castro, que nunca se conseguiu impor enquanto líder viável para certas reformas estruturais de que o seu partido necessita.

[Paulo Ferreira]

sábado, outubro 15, 2005

Uma vitória

No dia 21 de Outubro de 1805 teve início a batalha de Trafalgar, batalha essa que, devido ao seu profundo sentido heróico, seria, posteriormente, transformada numa das mais brilhantes vitórias inglesas sobre os megalómanos franceses, liderados por Napoleão Bonaparte e sobre os, então, seus aliados espanhóis. Para quem conhece as tensões políticas que rodearam Trafalgar e o cerco de Cadiz, saberá, com certeza, que a vitória inglesa, não ditando a definitiva queda de Napoleão, serviu, pelo menos, para que os ingleses conseguissem afastar o fantasma de uma mais que provável invasão francesa. Em certo sentido, poder-se-á considerar que o afastamento de qualquer hipótese de invasão francesa constitua o principal motivo das celebrações inglesas sobre os duzentos anos de Trafalgar. Porém, sendo a batalha de Trafalgar uma batalha épica, não poderão deixar de ser celebradas as mortes dos mais nobres heróis, que travaram, contra todas as adversidades, uma luta deveras sangrenta. Com efeito, nomes como os de Nelson (que montou a estratégia da batalha já cego de um olho e desprovido do braço direito), Colingwood, Gravina (espanhol) e Villeneuve (francês) não podem deixar de ser mencionados. O mesmo se passa com barcos lendários como o Victory, o Temeraire, o Bellerophon, entre outros.

Apesar de a batalha que se deu em Trafalgar ser considerada, devido à importância dos seus heróis e dos seus vilões, como uma batalha épica, não se pode afirmar que a mesma batalha tenha sido resolvida apenas através dos golpes de génio de Lord Nelson ou através das contradições de Napoleão e do infiel Villeneuve. Afinal de contas, a batalha só foi resolvida semanas depois de Lord Nelson ter morrido em campanha e Villeneuve, apesar de todas as contradições, foi corajoso ao não cumprir as ordens de Napoleão, que ditavam o seu afastamento de Trafalgar. Portanto, na minha opinião, o que se comemorará a 21 de Outubro deste ano será não apenas o bicentenário da morte de um herói, mas também o bicentenário da vitória de uma nação corajosa. Afinal, o que é a guerra sem homens?

[Paulo Ferreira]

Não vai haver sequer*

Não vai haver sequer
numa moldura o seu rosto.
Cada um olhando
para trás irá ver
o que de si ficou
na recordação de um gesto
ou silêncio de amizade. E
tudo apagaremos, cruel
salvação de se viver.

-Helder Moura Pereira, Esta Passagem


*Aproveito para agradecer à Ana Gomes Ferreira pelo empréstimo do livro.

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas



[Paulo Ferreira]

sexta-feira, outubro 14, 2005

Não dá moeda?

Como é que uma menina da amnistia internacional (escrevo com minúsculas) se irrita por alguém não ter moedas no bolso para lhe dar? Mais: como é que uma menina da amnistia internacional diz a um sujeito pobre e desgraçado, que habitualmente mendiga por pão e água, que este se recusa a contribuir para os direitos humanos?


[Paulo Ferreira]

Cosmopolita

Ocasionalmente, frente à televisão, J. costumava pedir: «Agora põe o preto que é bom jogador». Estranhamente tranquilizadora, esta frase fazia-o sentir-se, em plena taberna, um cosmopolita como qualquer outro.

[João Silva]

Pose

Ele era tão superficial que, a determinada altura, o Sol lhe secou a pose.

[João Silva]

da literatura

Às vezes, pergunto-me se será mesmo da literatura.

[Paulo Ferreira]

Alice



A tendência involuntária para inflacionar os elogios a um bom filme português, embora compreensível, devido à raridade que é encontrar um filme nacional que combine simplicidade e excelência, é realmente irritante. Com Alice (2005), parece surgir um sinal de mudança das tendências do cinema em Portugal, para fora das viagens culturais ou de filmes surrealistas, em direcção a uma enorme segurança de realização e de motivos. A primeira longa-metragem de Marco Martins (e sublinhe-se primeira) é notável em diversos aspectos.
A extraordinária interpretação de Nuno Lopes (um trabalho de veterano num actor jovem) é louvável, mas, sinceramente, não me parece um acaso que a personagem de «Mário» esteja tão bem no filme - Marco Martins conduz o filme de forma seguríssima, revelando uma enorme contenção a nível emocional e transmitindo-o aos seus actores, deixando a maior dinâmica para os excelentes trabalhos de Carlos Lopes (numa fotografia sempre escura, coleccionando pessoas e pessoas e sem rosto) e de Bernardo Sassetti (uma banda sonora genialmente assombrosa).

Alice é a personagem central do filme. Uma presença ausente que faz o filme existir, ou, como dizia Eduardo Prado Coelho há uma semana: «vemos o que não está lá, a criança desaparecida, mas que organiza emocionalmente todo o espaço». Alice é também a filha desaparecida de Mário e Luísa (Nuno Lopes e Beatriz Batarda), dois pais vivendo uma intensa dor pela perda de uma filha, uma dor comum e, no entanto, expressa de formas tão diferentes: Luísa é uma mulher envelhecida, que perde rapidamente toda a esperança de voltar a contactar e encontrar a filha; Mário é um homem sem expressão, de olhos vazios durante grande parte do filme, que apenas ganham vida à mínima pista do paradeiro de Alice. A procura incessante e rotineira de Mário por Lisboa, durante 193 dias, em busca da filha, repetindo todos os dias o mesmo percurso que fez no dia em que a perdeu (diz que «se quebrar a rotina, tem medo de nunca mais a ver»), e perdendo, pouco a pouco, o rasto também das outras pessoas, incluindo a sua mulher, embrenhando-se num universo paralelo em que só existem ele, o seu caminho diário, as suas câmaras (que espalhou pela cidade, vigiando todas as pessoas que passam), os sítios onde espera encontrar Alice, o seu quarto onde visiona todas as cassetes de vigilância ao mesmo tempo e, é claro, a sua filha Alice.

Muito poderia ser dito acerca de Alice, pois, surpreendentemente, é um filme completíssimo. Um filme de uma enorma força emocional, chocante, mas sem a comoção melodramática a que outros realizadores já deram largas com um tema tão delicado como este. A forma «gratuita» como se perde uma filha numa cidade já de si labiríntica é assustadora, sendo propositada a analogia de Alice do filme com a Alice de Lewis Carroll, caíndo interminavelmente na toca do coelho, o coelho que tinha todo o tempo. É este «pairar interminavelmente sobre o tempo» o drama e a obsessão de Mário, cujos esforços muitas vezes vãos e outras vezes com resultados cruéis se tornaram o seu único motor de vida.

Alice, despretensioso, contido, forte e elegante, é um dos melhores filmes portugueses que já vi e, seguramente, um dos meus favoritos durante os tempos que se seguem.

[João Silva]

quinta-feira, outubro 13, 2005

A China de Mao

Para alguns, é sabida a minha recusa do revisionismo histórico, seja de que tipo for. Na verdade, qualquer tipo de tentativa de «esquecimento voluntário» (tão típico dos paraísos da utopia do Sudeste Asiático) normalmente não é mais que um indício de desgraça iminente. O constante diálogo entre os objectivos do presente e os falhanços do passado é apanágio das sociedades, e mentalidades, mais sensatas. Os alemães, na sua imensa vergonha enquanto descendentes de um povo que fechou os olhos às piores acções de Hitler, construíram um espectro político confuso e «centrista» que, por sua vez, se prendeu, quase como «estatuto», à imagem que temos da UE. Os russos, com Estaline, rapidamente entraram em progressivos processos de revisionismo oportunista, sem grande convicção, sempre, no entanto, comandados pelo jugo de um partido cujos tentáculos não se limitam ao reduto soviético. Os chineses, com Mao, parecem, no entanto, não ter conseguido encontrar uma saída mais convicta para um legado tão omnipresente que, não obstante a vontade das pessoas, se foi conservando negligentemente.

Na China, não é uma questão de «necessidade excepcional de revisionismo», mas sim de encarar o passado com realismo e interrogação. O «Grande Timoneiro» está sempre presente, seja naquilo que «fez», a que deu origem - como o Estado socialista que baseia a actual China -, seja naquilo que destruiu - o que, contando com o onanista imperialismo de Mao Tsé-tung, é bastante.
O professor Sin-ming Shaw, professor convidado em Columbia, diz (num artigo do último sábado no DN), acerca da presença de Mao na China contemporânea: «A manutenção do falso rótulo do comunismo enquanto se ressuscita o capitalismo e a insistência em que Mao, apesar de todos os seus erros e crimes, estava 70% "correcto" é a pedra basilar da corrupção moral que afecta a China actual. É como se os nazis estivessem ainda no poder, com os líderes actuais a afirmarem que Hitler estava apenas 30% errado. A China merece melhor; exige melhor, de forma a poder reafirmar a glória que já teve».

Ora, no caso da China, e com a presença sombria de Mao em todos os recantos políticos, jurídicos, sociais ou mesmo comerciais ou religiosos (ou melhor, «não-religiosos», atendendo ao enorme silêncio que ficou aquando da destruição de todos os templos e resquícios de religião), é preciso um processo diferente do de revisionismo para melhor compreender o que ficou para trás ao mesmo tempo que se respeita, isto para não chocar os ainda devotos, tudo o que sustentou Mao e os devaneios utópicos do seu Partido: ou seja, o povo chinês. Quando se compreender o que Mao fez, tal como se compreendeu (e interpretou humanamente, não politicamente) o que Estaline e Hitler fizeram na Europa e na União Soviética, a China torna-se, na sua totalidade, um aliado de grande respeito e confiança. Enquanto se pesar Mao na balança do «caminho para o Éden» (ou do «caminho para a servidão», como Hayek interpretaria), a China continua, sem dúvida, a ser «a China do Grande Timoneiro».



[João Silva]

Coisas desnecessárias

Pauleta bateu o recorde de golos de Eusébio. Já pode deixar de ser convocado.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, outubro 12, 2005

Reentrância

Reencontro-te, uma vida depois, no sítio onde te deixei, ou onde te vi correr pela primeira vez. Voltamos a falar sobre as possibilidades do amor e, no fim, beijamo-nos. Depois, o ciclo recomeça.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, outubro 11, 2005

Sacralização


Emmanuelle Béart

[João Silva]

segunda-feira, outubro 10, 2005

(Quero acreditar que)

Valentim Loureiro, em todo o seu esplendor mímico e vocabular, não existe.

[João Silva]

Falta de liderança

Neste momento, o CDS/PP é um partido com uma falta de liderança tremenda. Embora se possa argumentar que Ribeiro e Castro seja um político competente, sério e honesto, não vejo como é que uma personalidade da sua dimensão conseguirá alterar a trajectória descendente de um partido com longa tradição na nossa ainda jovem democracia. Nesse sentido, os resultados das eleições autárquicas são evidentes: exceptuando Ponte de Lima, em que ganhou o famoso Daniel Campelo, o CDS só conseguiu chegar ao poder através de coligações com o PSD. Alter do Chão, Cascais, Nelas e Coimbra são exemplos disso. Ora, para um partido que tem (eternas) pretensões de ser uma alternativa viável a qualquer outro partido, uma vitória aliada a meias vitórias é muito pouco.

O CDS/PP, não sendo um partido, digamos, de poder, é um partido que tem obrigação de lutar pela sua estabilidade. E a estabilidade não será atingida, com certeza, com resultados tão infelizes quanto os resultados das últimas eleições legislativas. Mesmo em sítios como Lisboa, em que o candidato do partido liderado por Ribeiro e castro era muito forte (Maria José Nogueira Pinto), os resultados finais foram uma grande desilusão. O que leva a crer que a estrutura partidária do CDS não tem capacidade suficiente para fazer campanhas apelativas ao voto popular, mesmo quando os seus candidatos são os mais fortes e os que possuem as melhores ideias. Por outro lado, a ausência presencial de Ribeiro e Castro do plano político nacional acaba por fragilizar o poder do CDS. Julgo que não fará muito sentido o facto de o líder de um partido querer conciliar o seu lugar de eurodeputado com o papel de líder partidário. Fica a ideia de que o CDS é um partido sem líder.

[Paulo Ferreira]

A piada

diz que em caso de catástrofe nuclear só vão sobreviver as baratas e a Cher. Eu acrescentaria à lista uma série de autarcas e dirigentes partidários portugueses, com Jorge Coelho à cabeça.

[Bernardo Sousa de Macedo]

domingo, outubro 09, 2005

Jorge Coelho e a voz insubmersível

O Paulo considera Jorge Coelho como sendo o grande derrotado destas eleições. De certa forma, e porque entendo o que o Paulo quer dizer com o seu post, tem razão. Mas há dois pontos curiosos acerca de Jorge Coelho que não me parecem tão consensuais.

Primeiro, Jorge Coelho não me parece ter assim tanta influência sobre José Sócrates. Jorge Coelho é daqueles homens de partido de quem se pode dizer que tem uma acção mais «centrífuga», ou seja, uma influência sobre as bases do partido e sobre a população em geral, muito através da televisão, dos jornais e de outros meios de comunicação (a sua arma mais bem aproveitada). A partir daí, depende da noção que cada um tem de influência. Se se pode considerar como «influência» directa e imediata sobre o primeiro-ministro a possibilidade de se candidatar isoladamente e com sucesso ou de «manipular» (termo sem malícia, confesso) certos núcleos locais ou nacionais, então a asserção do Paulo está correcta.

Segundo, o Paulo refere Jorge Coelho como um grande derrotado. Concordo. Ou, pelo menos, concordei. Mas isso antes de pensar: Jorge Coelho já dá a cara por derrotas há algum tempo. Como coordenador desta campanha autárquica do PS, deu a cara por mais uma. Aliás, uma derrota global que todos sabiam muito provável. E Jorge Coelho também. Mas a sua tarefa não era ter fé em recuperar certas câmaras. Tudo na sua pose, e na sua personalidade, indicava que não estava ali à espera de ganhar. Jorge Coelho é um eterno «sacrificável», mas, curiosamente, é o que sai sempre quase ileso destes «pequenas batalhas» políticas. Coelho sabe dar a volta às derrotas, em comebacks épicos pessoais. Como «cara» do PS, isso poderá ser hoje, subtilmente, o único ponto a favor do seu partido.

[João Silva]

A nata da política nacional

Ao que parece, Mário Soares aproveitou os dias em que, por lei, o «apelo» expresso ao voto de outros está proibido, para exortar os habitantes de Sintra e arredores ao voto e elogio nas e das insuperáveis qualidades do seu filho João Soares para a respectiva Câmara Municipal. O futuro (ou já oficializado a nível partidário, dependendo da perspectiva) candidato à Presidência da República e eterno guardião da democracia portuguesa deu, portanto, positivos sinais de que não está senil e de que continua, basicamente, o mesmo Mário Soares de outras décadas e de outras batalhas. Deu assim, sobretudo, uma ideia do que poderá ser o seu estilo de Presidência: à margem de tudo o resto e de todos os outros.


[João Silva]

Um grande derrotado

Um dos grandes derrotados destas eleições autárquicas acaba por ser um senhor que nem se candidatava a nada. Refiro-me a Jorge Coelho, actual manda-chuva do Partido Socialista. À primeira vista, Jorge Coelho não parece exercer muito poder dentro do executivo de José Sócrates, o primeiro-ministro. No entanto, na minha modesta opinião, e pelo que se viu ao longo de toda a campanha que teve o seu término na sexta-feira passada, Jorge Coelho deve ser o homem que mais poder exerce, neste momento, dentro do Partido Socialista e, quiçá, dentro do próprio Governo. Quem esteve mais atento aos noticiários nacionais, saberá, com toda a certeza,que Jorge Coelho foi das figuras mais omnipresentes de toda a campanha. Mesmo em locais como Lisboa, Jorge Coelho não deixou de dar a sua entrega total aos candidatos socialistas.

As aparições de Jorge Coelho fizeram-se mais notar, como não poderia deixar de ser, na capital do país, onde existia um candidato que estava condenado à derrota muito antes de ser candidato. Com efeito, e apesar de Manuel Maria Carrilho não ter logrado muito com os preciosos conselhos e apelos de Jorge Coelho, a derrota do PS poderia ter sido muito mais abismal do que foi em Lisboa, se não tivesse havido uma omnipresença de Coelho.Para quem não se lembra, foi Jorge Coelho quem teve a, na altura, genial ideia de apelar aos bons sentimentos da apresentadora de televisão mais famosa do país, Bárbara Guimarães. Foi Jorge Coelho quem subscreveu a maior parte das iniciativas populistas tomadas por Carrilho. Foi Jorge Coelho quem disse a pulmões abertos que, por mais que chovesse, o PS amaria Bárbara Guimarães. E é por ter sido tão populista e tão omnipresente que Jorge Coelho sai muito mal destas eleições.

[Paulo Ferreira]

Votar

Depois das vitórias de Isaltino, Fátima e Valentim, espera-se que a velha máxima «eles são todos uns ladrões» desapareça do léxico popular português.

[Paulo Ferreira]

Primeiras páginas

Em Lisboa, em Setúbal e no Porto (não tão agravada) a derrota do Partido Socialista é clara, ainda que não surpreendente. O PS, apesar de ser partido de governo - e de um governo bem fraco, contestado pelos partidos mais à «direita» e pelo eleitorado e partidos à esquerda -, não teve exactamente o leque de pessoas ideais para encabeçar uma tentativa de consolidar a sua influência a nível local. Na verdade, muitas leituras podem ser feitas, mas uma delas parece-me a mais forte: a direcção do PS sabia que eram eleições um pouco vagas, tudo indicando uma enorme quebra. Daí personalidades tão fracas como Manuel Maria Carrilho, Francisco Assis, João Soares, Catarino Costa, entre outras, terem avançado como representantes locais de um partido, a nível nacional, já de si debilitado e dividido.
A primeira conclusão que se tira é, portanto, uma sem grandes surpresas. Adivinhava-se a queda vertiginosa (ainda que já não tenha há, pelo menos, um mandato nenhuma das câmaras) do PS nos concelhos mais importantes do país. Foi o que aconteceu.

[João Silva]

A vitória do possível

Não sendo o vencedor das eleições autárquicas em Lisboa o mais desejável, Carmona Rodrigues tem, nos próximos quatro anos, uma nova oportunidade para mostrar aos lisboetas que tem capacidade para chefiar a capital do país, de forma mais eficiente que o seu antecessor, Pedro Santana Lopes. Carmona Rodrigues não era, a meu ver, a opção mais desejável para ganhar estas eleições, já que existia uma (grande) senhora chamada Maria José Nogueira Pinto nas listas do CDS/PP. No entanto, e não sendo possível que um candidato pelo CDS ganhe umas eleições à dimensão de Lisboa, Carmona Rodrigues não me parece, de todo, a pior opção (nunca nos esqueçamos de Manuel Maria Carrilho). A vitória de Carmona Rodrigues foi, então, aquilo a que se pode chamar de «a vitória do possível».

[Paulo Ferreira]

Noites brancas

Quando o corpo parece prestes a desintegrar-se, não há muitas opções a tomar senão ficar isolado. O blog sofre as consequências (boas ou más?) dessa ausência. Ausência que, por agora, está sanada.

[João Silva]

quinta-feira, outubro 06, 2005

Poema

«Parte: como se tivesses de ser esquecida,
deixando atrás uma imagem de sombra. Não
leves contigo as palavras que trocámos,
como cartas, num instante de despedida; mas
não te esqueças da luz da tarde que os teus
olhos abrigaram. Por vezes, lembrar-me-ei
de ti. É como se, ao voltar-me, ainda me
esperasses, sem um sorriso, para me dizeres
que o tempo tudo resolve. Não te ouço; e
ao aproximar-me dos teus braços, vejo-te
desaparecer. Mais tarde, penso, isto fará
parte de um poema; mas tu insistes. O amor
chama-nos, de dentro da vida; obriga-nos a
renunciar à imobilidade da alma, a sacri-
ficar o corpo a um desejo de memória.»

-Nuno Júdice, Meditação Sobre Ruínas

[Paulo Ferreira]

A serenidade perturbada

Para quem tem o hábito de ler em cafés, como eu, não existem muitas coisas que possam perturbar a concentração que o hábito da leitura requer. No entanto, existe uma coisa que é capaz de fazer com que a leitura de uma simples página se pareça com a leitura integral do Antigo Testamento (falo por mim). Exceptuando essa coisa que é coisa porque, na altura em que se lê, as pessoas tomam o aspecto de coisas inanimadas, nada há que incomode o leitor de café. Nem as risadas estridentes dos senhores bancários que se deleitam com a abstracção dos índices de mercado incomodam. Porém, como já referi, existe uma coisa: as mulheres. Com isto, não quero dizer que o indivíduo, que se senta num banco de café para ler, se sinta constrangido ou fascinado de cada vez que pressente a presença de um nobre membro do sexo feminino à sua frente. Pelo contrário, a serenidade da leitura só é perturbada em raríssimos casos. Por exemplo, nos casos em que, a um levíssimo cheiro a maquilhagem, se aliem dois pés bonitos (o leitor de café não ergue totalmente a cabeça do livro que anda a ler,por conseguinte, os pés são, na maior parte das vezes, a primeira e a última coisa do corpo humano que se vê).

A serenidade não é algo que se obtenha facilmente. Não. É uma coisa que se alcança ao longo de vários anos de persistência. No caso do leitor de café, a serenidade é alcançada depois de várias dezenas de páginas lidas. Por isso é que é difícil que quem lê nos cafés caia no pecado da desconcentração. Porém, existem sempre coisas que são impossíveis de evitar. Eu, pessoalmente, não consigo evitar pés de mulher enfiados em sapatos de secretária. Outros terão diferentes taras, que podem sair dos livros ou não.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, outubro 05, 2005

Uma mulher encantadora

Carla Sofia, secretária de profissão, vaidosa nos tempos livres, vê o mundo através do seu inexorável clitóris.

[Paulo Ferreira]

Assis e Carrilho

Sendo Manuel Maria Carrilho e Francisco Assis formados em filosofia, é caso para perguntar: o que se passa com a filosofia no nosso país?

[Paulo Ferreira]

A frase que me salvou a tarde

«A vídeo vigilância é uma demagogia usual em pessoas com um penteado idêntico ao de Carrilho.»

[Paulo Ferreira]

Dia de graça

Estava para escrever qualquer coisa bonita sobre a implantação da República mas, depois de ver Manuel Maria Carrilho apertar a mão a Carmona Rodrigues, perdi a vontade.

[Paulo Ferreira]

Luxos

Pelos vistos, não sou o único a admirar os encantos da bela Malena.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, outubro 04, 2005

Divórcio

Na revista que toda a gente sabe qual é mas que eu não digo o nome porque tenho muita, mas muita vergonha, João Pereira Coutinho diz uma coisa com a qual concordo inteiramente: O problema do divórcio é que a ex-mulher é para sempre.

[Paulo Ferreira]

Uma manhã no café

Existe um café, num bem afamado bairro de Lisboa, que tem a infelicidade de me ter como cliente assíduo. A infelicidade do café, ou do seu gerente, deve-se ao facto de eu passar horas e horas sentado numa cadeira a ler,sem nada consumir para além de um bolinho e de um café. Acontece que, num destes dias em que me distraía suavemente com a escrita de Fernando Namora, ao mesmo tempo que o dono do café parecia ameaçar-me com uma bandeja de cafés, vejo uma senhora devidamente acompanhada pelo seu marido a olhar para mim. Eu, como indivíduo de fina educação que sou, tratei logo de olhar para a senhora com uma fixidez avassaladora. Mas a senhora, vendo que o meu interesse por ela parecia ainda maior do que o seu interesse por mim, tratou de mostrar rapidamente toda a sua classe. Deu uma dentada no pastel de nata e descalçou subtilmente um dos seus sapatos de secretária. Depois aconteceu o óbvio: a bendita senhora enfiou o seu delicado pé na imaginação do seu admirador, ou seja, entre as pernas do seu marido. Mal vi aquilo, senti a minha face corar. Mesmo assim, não deixei de olhar para o pé da senhora, nem a senhora deixou de olhar para mim. A certa altura, o jovem esposo da ditosa mulher desaparece de cena, deixando-me antever um futuro de delicadas escapadelas matrimoniais. O espaço ficou vazio entre mim e o pé daquela mulher. mas eu não aproveitei o espaço e deixei-a fugir com aquele sorriso típico de mulher francesa. «Afinal, um café serve para ler livros e, além disso, o Margaça não gostaria de assistir a poucas vergonhas no seu estabelecimento!», pensei.

[Paulo Ferreira]

Visitação


Monica Bellucci

[Paulo Ferreira]

Provar no vivo a existência do morto

Não basta beijar a boca, isso é fácil,
é preciso beijar os ossos,
provar que eles existem.

- Gonçalo M. Tavares, A Colher de Samuel Beckett e Outros Textos

[Paulo Ferreira]

Acrescento eu

que os D'zrt representam o que o ser humano tem de piorzinho: as músicas originais são poluição sonora, os arranjos não superam os de uma banda de feira, os senhores cantam pessimamente e é "unânime entre a doutrina" que são feios e se vestem mal. Isto, claro, sem desprimor para com o talento representativo que estes senhores têm (neste aspecto, e na série que protagonizam, estão muítissimo bem acompanhados).

Custa-me a acreditar que algo tão mau, e que o é em todos os sentidos, tenha vingado como vingou. Mas a lavagem ao cérebro dos "Morangos com Açúcar" é tal que que há uma geração inteira que quer ser como eles.

D'zrt, e para quando uma overdose? Ou será que estrelas como vocês agora só usam esteróides?

[Bernardo Sousa de Macedo]

domingo, outubro 02, 2005

Reincidência

Mais um estado civil resistente é sempre uma boa notícia.

[João Silva]

Melancolia

Veio-me à memória o trabalho de Kristin Scott Thomas. Trabalho esse que, confesso, já guiou alguns dos meus dias.

Kristin Scott Thomas

[João Silva]

sábado, outubro 01, 2005

O amigo Sorel

Tenho um amigo que diz ser o Georges Sorel. O meu amigo é maluco. O Sorel morreu em 1922 e, além disso, era francês. O meu amigo é ignorante, mas fala muito para impressionar as pessoas que o ouvem. O meu amigo, quando ouve a palavra «liberdade», dá um murro em alguém. Era assim que pensava o Sorel, diz ele.

[Paulo Ferreira]