domingo, setembro 25, 2005

Núcleo duro masculino – definição

Um núcleo duro masculino é, para quem não esteja habituado a conviver com diferentes classes da espécie, um núcleo extremamente vocacionado para falar mal de tudo o que não seja deveras masculino. É do senso comum que, para se ser deveras masculino, basta que um indivíduo exclame um palavrão por frase, que use a camisa abotoada apenas até ao início do peito, que não lave os dentes regularmente, que não use desodorizante e, principalmente, que seja contra tudo o que cheire a mariquice (cheiro a cavalo não se confunde com homossexualidade). Ora, para alguns indivíduos que não sejam homossexuais e que não gostem de andar com cheiro a enxofre debaixo do braço, a confiança com um membro de um núcleo duro masculino é limitadíssima. Se o indivíduo, que não é homossexual mas que não cheira a transpiração, ler poesia, então, a confiança é nula. Poder-se-á imaginar a reacção de um sujeito elitista, cujo principal passatempo seja palitar os dentes, ao ver o título do livro que um hipotético heterossexual asseado esteja a ler: «O úl-ti-mo românti-co...Ai que é desta que o Malaquias morre de desgosto por ter um filho paneleiro! ». Se o membro do núcleo duro masculino for uma pessoa com idade suficiente para fazer chalaça, a reacção será, com certeza, diferente: «Queres ver que ainda te crescem mamas!».

É engraçado pensar-se nos boatos que, por vezes, correm pelas avenidas do «bairro» acerca do filho do vizinho, quando, no fundo, se sabe que o único pecado do filho do vizinho é ler poesia e, talvez, ser um pouco pretensioso (daqueles a puxar para o francês). Claro que nem sempre os boatos que correm são infundados, até porque, como se sabe, os núcleos duros masculinos são núcleos intimamente relacionados com a certeza positivista. Aliás, nesses núcleos, é regra aceite o facto de um homem só falar quando sabe aquilo que diz. A frase «Deus que suba um pinheiro se o brasileiro não for o melhor jogador do Sporting!» é frequente na afirmação de uma certeza absoluta. Diga-se, porém, que, se esse tipo de frases inexpugnáveis vier da boca de um heterossexual asseado, as coisas mudam de figura. Repare-se no seguinte exemplo: se dois membros do núcleo duro estiverem a conversar um com o outro, as possibilidades de discórdia são limitadas, já que os pensamentos são poucos e a virilidade flui no ar. Todavia, se a conversa se der entre um «barba rija» e um heterossexual normal, as possibilidades de o primeiro dizer «o brasileiro é bom mas o preto é melhor!» são elevadas. Isto porque um homem à séria desconfia de tudo aquilo que saia da boca de um homem que cheire a perfume, que leia livros e que pronuncie o lexema «heterossexual» (um «barba rija» do núcleo duro nunca diria palavras como heterossexual, visto que, só o pronunciar da palavra, já levanta dúvidas).

[Paulo Ferreira]