domingo, agosto 21, 2005

A culpa

Fazendo um prolongamento do meu post de ontem, o meu amigo Bruno acrescentou alguma informação essencial para a compreensão da polémica em torno de Ian Blair. Porém, e não querendo menosprezar um texto, sem dúvida alguma, mais esclarecedor que o meu, a certa altura o Bruno refere algo que me parece ser susceptível de levantar alguma discórdia :«Não querendo formar uma opinião definitiva, visto que muito do que se sabe decorre apenas de fugas de informação, excertos de um inquérito que mais tarde será divulgado, parece-me, no entanto, que há razões para, no mínimo, se colocar a hipótese de Ian Blair se demitir, sem que isso seja descabido de senso ou sinal de simpatias pouco abonatórias para quem as tem

Bem sei que, quem comete erros catastróficos como os que Ian Blair parece ter cometido, merece ser penalizado. No entanto, não posso deixar de afirmar que, na minha opinião, a demissão de Ian Blair serviria apenas para apaziguar os sofredores corações da opinião pública em geral e da família de Jean Charles de Menezes em particular. É óbvio que não se pode fingir que nada de grave aconteceu, já que morreu um inocente. Mas, parafraseando Ian Blair, a morte de Menezes foi uma em cinquenta e sete. Ou seja, passados alguns dias depois da morte de cinquenta e seis pessoas inocentes num funesto atentado bombista, morreu um outro inocente, ao que parece, vitima de negligência policial. Porém, mesmo que se prove que tenha havido negligência, é necessário que se compreenda que polícias também são homens e que, por conseguinte, também têm sangue, sentimentos, impulsos, entre outras coisas. Como já referi, Ian Blair não deve sair incólume da morte de Jean Charles Menezes, no entanto, não sei se será a demissão a punição ideal para um homem que, depois de tudo o que se passou, se mantém sereno e consciente do seu papel e do papel da polícia que orienta na sociedade britânica.

A hipotética demissão de Ian Blair, se não estivesse relacionada com a morte de um inocente, far-me-ia lembrar todas as hipotéticas demissões no nosso país, motivadas por rivalidades partidárias ou sentimentais. Ian Blair pode ser responsabilizado pela morte de Menezes, já que parece ter culpas no cartório. Todavia, mesmo que não houvesse culpa alguma atribuível a Ian Blair, exigir-se-ia, do mesmo modo, a demissão do chefe da Metropolitan Police. Isto é, a putativa responsabilidade de Ian Blair em todo este caso não parece ser o factor mais relevante em todo este caso. O factor mais relevante parece ser a morte de um imigrante inocente, que trabalhava para manter a sua família. É verdade que Menezes era um imigrante inocente, mas também é verdade que, à partida, todos os imigrantes são inocentes. Além disso, a polícia não pode adivinhar que um suspeito, mesmo que um falso suspeito, não se apercebeu de que está a ser seguido. Ora, a culpa de Ian Blair não é tida em conta pela maioria da opinião pública, nem pela maioria de outros estratos sociais com responsabilidades informativas ou governativas. O que parece contar nestes casos é a morte de um inocente e pouco mais. Ian Blair, embora pareça ter muitas responsabilidades na morte do cidadão brasileiro, está prestes a tornar-se vitima do sistema demissionário criado pelo mundo pacifista.

[Paulo Ferreira]