sábado, julho 23, 2005

Teatro «Vives e Calas?»

Ensaio Sobre a Cegueira, livro de José Saramago, vai ser transposto para o teatro (Teatro da Trindade). Adivinha-se que a peça, à semelhança da maioria das peças que vão surgindo ocasionalmente no panorama teatral português, pertença a um daqueles géneros a que se dá o nome de «Vives e calas?». Embora a expressão «Vives e calas?» possa ser adaptada a qualquer situação da vivência humana, é no meio teatral que essa mesma expressão encontra um maior protagonismo. Calcula-se, então, que Ensaio Sobre a Cegueira pertença ao género «Vives e calas?». É sempre bom repeti-lo, já que é através desta expressão e, como não poderia deixar de ser, através deste tipo de peças que se consegue perceber o teatro português e, de certo modo, o teatro em geral.

Não erraria muito se afirmasse que «Vives e calas?» é dos movimentos de lavor primoroso que mais se aproximam do chamado movimento neo-realista (português). Assim, à semelhança do neo-realismo (português), o «Vives e calas?» é rico em descrições da tragédia humana, da opressão e da loucura provocada por regimes sanguinários (de direita). A corrente «Vives e calas?» foca ainda, de modo quase sobrenatural, a dor pela dor. É como se o sofrimento de um actor fosse a única metáfora possível para todo o sofrimento do mundo. O certo é que a corrente «Vives e calas?», com o avanço de algumas teses progressistas, ameaça tornar-se numa corrente preponderante no meio português, embora o termo «preponderante» seja bastante discutível, pelo menos se se tiver em conta que o teatro português sem o complexo mundo do «Vives e calas?» não existiria. Dir-se-ia, assim, que o teatro português, afastado do movimento «Vives e calas?», seria como um barco a naufragar. Ou seja, seria uma inexistência, embora o termo «inexistência» também seja discutível.

[Paulo Ferreira]