domingo, julho 31, 2005

Culto da juventude

Helena Matos, num excelente artigo no Público de ontem (aliás, ao sábado de manhã, ao dirigir-me para a tabacaria, a probabilidade de sair um bom artigo de Helena Matos é altíssima, penso), discorre acerca dos vícios da sociedade contemporânea, «vícios» do culto dos mais novos, da reverência e submissão a eles. Afirma Helena Matos, com a minha completa concordância desde sempre, sobre uma curiosa situação que nem todos enxergam: «Assim todos os anos somos confrontados com legiões de autores jovens, bandas jovens, jovens talentos, jovens realizadores, que em muitos casos, não fosse o serem jovens, nunca seriam mencionados». É um facto.

Mas um das razões do artigo também é abordada: Mário Soares. Isto é, a sua recandidatura «senatorial» às presidenciais de 2006. Diz Helena Matos: «O problema não é a idade de Mário Soares. Tal como, em situações semelhantes do nosso passado, o problema não foi a idade de Bernardino Machado ou Américo Thomaz. O problema é a idade das ideias que defendem». Aliás, «a recandidatura de Mário Soares e o entusiasmo que ela suscita no BE, a par do apoio que pode vir a ter por parte do PCP, remetem-nos para o tempo das frentes populares de má memória». Na verdade, Soares é a figura a que normalmente se chama o «Papa» de qualquer coisa. Há-os em diversos locais, os homens e mulheres intocáveis, seja na filosofia, literatura, cultura (os famosos «inquisidores» dos jornais portugueses), política, entre tantas áreas. Mário Soares pode fazer e dizer o que bem lhe apetecer, sem por isso haver alguém que ouse dar a cara numa crítica solitária. Aliás, assusta-me, no caso de Soares, a coincidência lexical entre candidatura e cândido - significando este algo muito puro ou inocente.

Para além da juventude, são estes «Papas» ou figuras românticas que fazem a diferença. Não sendo, por isso, positivo. Remata Helena Matos no final do seu artigo, numa opinião particularmente certeira: «E é tudo isso, esse sentimento de impunidade, essa espécie de renascimento do espírito da casa civil do dr. Afonso Costa, essa convicção de que existe uma aristocracia da República, que ressurge nesta candidatura. No início do século XXI, Portugal torna-se de novo no anacrónico palco da consagração do percurso excepcional daqueles, poucos, muito poucos, que sabendo de antemão que vão ficar para a História não resistem à tentação de acrescentar mais um capítulo. Certamente importantíssimo do ponto de vista pessoal mas política e nacionalmente grotesco. Isso sim é que é uma velha tragédia».

Aliás, a idade de Soares até é uma «lufada de ar fresco» (choquem-se), exceptuando a contrariedade de Mário Soares ser ainda Mário Soares. No entanto, para além deste caso, é curioso que um conjunto de sociedades que se advogaram combatentes dos totalitarismos (fascismo, nacional-socialismo, socialismo real,...) do século passado, tenham herdado este amor cego pelos «filhos do regime», com a única diferença visível na diferença desses mesmos regimes: enquanto Himmler tinha esperança num «jovem alemão» já nascido sob a sociedade e a educação ultra-arianas, as democracias derramam banhos de leite e mel sobre as crianças que nasceram, cheias de oportunidades e potencial, numa sociedade livre e democrática. Velhice, nos dias que correm, significa «amarras à mentalidade antiga» - e isso, para o «homem moderno», é doença.

[João Silva]