terça-feira, maio 31, 2005

Noites de Verão

Era nas noites de Verão que os amigos se juntavam. Era nessas noites que os rapazes perdiam os medos e os anseios. Eram adolescentes e, quando se juntavam, o tempo não existia. Entretanto, os rapazes cresceram e nunca mais se viram.

[Paulo Ferreira]

Infância

«O árbitro, a princípio bastante caseiro, cedo se rendeu à evidência, mas de tanso que era não fugia a tempo e lá tínhamos nós que driblá-lo também e empurrá-lo para fora do passeio. Às tantas, perdida toda a vergonha, houve um friquique apontado pelo craque a castigar adversa mão, e quem vejo eu na barreira? O árbitro! Fiz que não era nada comigo e acertei-lhe impiedosamente uma bolada no folhelho das tripas.»

-Fernando Assis Pacheco, Memórias de um Craque

[João Silva]

segunda-feira, maio 30, 2005

A ler

A ler este, este e este:

«(...) O que se pretende é a criação de uma entidade política sem precedentes históricos. A Europa nunca foi uma entidade política una e indivisível. Sempre se relacionou com o mundo através das relações que cada país europeu estabeleceu de forma independente.

Ora, é esta diversidade de relações que permite à Europa como um todo uma relação flexível com o mundo que, em vez de ser destruida por uma política externa centralista, deve ser aproveitada e valorizada.»


-João Miranda, no Blasfémias

[João Silva]

Usucapião

Se a memória, como os livros
emprestados, ficasse esquecida
anos a fio e se tornasse, por
usucapião, pertença de outro.


-Pedro Mexia, Em Memória

[João Silva]

domingo, maio 29, 2005

Terapia de sono


Eva Green

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas

Acabo de jantar e, para grande surpresa minha, ouço cânticos futebolísticos. Procuro. Não vêm da rua. «Não é possível, as ruas nunca estiveram mais vazias!», desabafo. Talvez venham da televisão. «Será que estão a repetir o jogo desta tarde?», pergunto-me. Decido acabar com a curiosidade. Quando dou de caras com o pequeno ecrã, não vejo jogo de futebol algum. Não, vejo Herman José a dançar lambada com meia dúzia de parolos, que, por sua vez, cantavam desalmadamente pelo clube das suas afeições. Depois de assistir a tão decadente espectáculo, lembro-me de que sofro de insónias.

[Paulo Ferreira]

Vontade Geral

Hoje, ao fim do dia, veremos se a França respeita, no seu próprio território, a «democracia» (vontade do «Povo») que quer para a União Europeia.

[João Silva]

Lucy in the sky with diamonds

Ao que parece, o realizador Oliver Stone foi, há dias, detido em Beverly Hills por se encontrar fortemente «sob influência» de álcool e drogas. Quanto ao resto não sei, mas eu sempre desconfiei do senhor desde que vi JFK.

[João Silva]

sábado, maio 28, 2005

Altos & Baixos

Não passo um fim-de-semana sem ler as habituais secções de jornal, que costumam ter por nome «Altos & Baixos» ou «Sobe & Desce». Não é que essas secções tenham muita qualidade (não têm qualidade nenhuma) ou que os jornalistas que lá costumam escrever sejam bons (são sempre os piores ), mas este tipo de secções tem, digamos, uma certa fragrância a populaça, que não deixa de me fascinar.
Atentemos ao que escreve o jornalista do DN, Jerónimo Pimentel, sobre Marques Mendes:

«No dia em que Sócrates apresentou o descalabro das contas públicas, o PSD apressou-se a culpar António Guterres, que deixou a governação há mais de três anos. Será que o líder do PSD acha mesmo que os portugueses, depois de os governos de Durão os terem obrigado a apertar o cinto e de Santana ter dito que o pior tinha passado, vão responsabilizar o ex-primeiro-ministro do PS? Nada descridibiliza tanto como a fuga às responsabilidades

Ou ando muito distraído, ou Marques Mendes não fugiu às suas responsabilidades. Pelo que sei, Marques Mendes prontificou-se a cooperar com o senhor primeiro-ministro em tudo o que fosse essencial para a recuperação das finanças do nosso malfadado país. Claro que, para os mais ingénuos, que assistiram ao debate parlamentar e que ficaram sensibilizados com a histeria de José Sócrates, o PSD ainda ficou parado na governação de António Guterres. Mas, parece que o histerismo começa a ser a imagem de marca de José Sócrates (quando não está calado, é claro). Se Jerónimo Pimentel tivesse o desprazer de ler o que aqui escrevo, ficaria, provavelmente, atónito ou, quem sabe, histérico (ou indiferente). Afinal de contas, quem é que não segue os passos dos mestres?

[Paulo Ferreira]

A Taça do Vitória

Corria o ano de 1994, no final da temporada de futebol, quando o estádio do Bonfim, anfitrião de um jogo do título, recebia milhares de adeptos de ambos os clubes. Entretanto, à entrada da cidade, acabava de chegar o Sr. Pedro «das Drogarias», fiel adepto do Vitória, quando, por inesperada fatalidade do destino, um carro irrompe de outra estrada e vai bater na sua carrinha, partindo-lhe faróis e quase inutilizando a mercadoria, e o seu negócio. A tragédia, então, abateu-se naquele cruzamento: lembrou-se que, da última vez que decidiu não ir a este jogo (entre estas duas equipas), o seu Vitória descera de divisão, mesmo ganhando. Era uma questão de superstição, e, nesse campo, não gostava de hesitar. Reza, então, a história que o Sr. Pedro, orgulhoso conhecedor dos preços de oficina, avaliou os estragos do «carro adversário» a olho nu e, num gesto de admirável cálculo matemático, cobriu os estragos com dinheiro vivo, beneficiando, então, de um outro rapaz ganancioso e generoso. Foram-se os dois embora nos seus carros quase inutilizados, mas o Sr. Pedro chegou a horas ao estádio. O jogo era o Vitória de Setúbal-Benfica e acabou 5-2 para os da casa. O Vitória acabou em 6º nesse ano. O Sr. Pedro sempre teve razão.

Mas é preciso voltar muito mais atrás para gostar de um Vitória-Benfica. Afinal de contas, foi, precisamente, esse clube que presenteou Setúbal com a primeira Taça de Portugal. Na final da edição de 64/65 da Taça, o Vitória preparou-se para enfrentar o inigualável Benfica de José Augusto, Eusébio e outros. Mas os argumentos deste lado não eram menores: na baliza estava um «senhor» do clube e da cidade, Mourinho (também pai do actual José Mourinho), liderando uma equipa que, para além do excelente plantel, sempre tinha os craques. Primeiro, os «dois» José Maria e Conceição, imigrantes negros que, habituados a outro clima, se passeavam pela cidade, em pleno Verão, de luvas e cachecol. Por fim, não menos importante, o líder Jaime Graça, craque oficial da década de 60 do Vitória (a par de Jacinto João, ou «J.J.»), que, diz a lenda e quem viu, mais tarde, quando foi jogar para o próprio Benfica, ganhou a confiança da equipa e a titularidade ao salvar todos os colegas de morrerem electrocutados nos balneários, por causa de uns fios errantes. As equipas entraram em campo e só saíram quando o resultado estava em 3-1 para o Vitória. A Taça vinha para Setúbal.

E este ano é o mesmo retrato. É uma repetição de um jogo, esperemos que seja a repetição de um resultado. Não é todos os dias que se pode pensar em futebol sem remorsos, e hoje e amanhã torna-se inevitável, a um sócio do Vitória, não ocupar a maior parte do seu pensamento com o jogo. A diferença é que, seja qual for o resultado, não saem animais em fúria, do lado setubalense, do Estádio Nacional em caso de derrota. Para os vitorianos, estar na final da Taça e na UEFA é, por si só, uma orgulhosa prova de que os grandes clubes não acabam. Tal como os grandes jogadores que, ao contrário das «estrelas» da actualidade, nunca perdem o talento, pois, além de grandes jogadores, são pessoas estranhas. E, portanto, pessoas normais.

Dizia-me o meu avô (que já aprendera de um tio) que, quando lhe perguntavam: «só cá para nós, qual dos três grandes clubes prefere?», ele respondia, pensativamente «humm...é o Vitória, claro». É com esta consciência eterna, meio caricata, meio optimista, que as hostes de Setúbal vão apoiar o Vitória na Taça, numa tentativa de repetir a edição de 64/65. E eu, é claro, também.


Mourinho, Vital e Herculano com as Taças de Portugal de 64/65 e 66/67

[João Silva]

A ler

«Hão-de me explicar se a revisão das perspectivas financeiras, a reforma da PAC, a aplicação do PEC, ou uma política externa mínima, porque mesmo com a Constituição continuará a ser mínima, são impedidas pela actual arquitectura institucional. é exactamente a falta de coragem para resolver os problemas quando eles doem (a revisão da PAC dói, e muito, à França, onde uma pequena minoria de agricultores aguerridos mantém em cheque todos os governos), seguida pela imprudência de pensar que eles desaparecem, que levou à aceleração para o abismo da utopia política, para uma Europa pouco democrática e demasiado próxima do poder nu e cru dos grandes.»

-José Pacheco Pereira, Sábado (25/05/05)

[João Silva]

Escapadelas

Em Barbárie da Ignorância, George Steiner afirma: «Estive na China na minha qualidade de professor. Conheci lá colegas que as torturas dos Guardas Vermelhos tinham deixado estropiados. Fizeram chegar a Jean-Paul Sartre uma carta que dizia: “Diga alguma coisa, você, o Voltaire do nosso século, faça alguma coisa.” Tinham até estudado em Paris, com Sartre. Ao regressar a França, Sartre dirige-se ao Vel d’hiv para explicar que os boatos que correm sobre as sevícias praticadas pelos Guardas Vermelhos são propaganda da CIA americana. Sartre durante toda a sua vida, desfiou mentiras, umas atrás das outras, sobre as tiranias. Incluindo, também, a de Cuba, onde há poetas e escritores mantidos há trinta anos em regime de incomunicabilidade!»

Tal como Sartre, muitos dos intelectuais de hoje, que gostam de apontar o dedo indicador para as supostas mentiras dos outros, mentem. Mentem, especialmente, quando se torna necessário defender as suas ideologias, ou atacar ideologias adversárias. Às vezes, essas mentiras têm mais que ver com simples caprichos do que com ideologias. De qualquer forma, é sempre interessante constatar-se que, quem melhor sabe mentir, é quem passa incólume. Por exemplo, Francisco Louçã, quando os Estados Unidos decidiram retirar Saddam Hussein do poder, referiu-se, várias vezes, às mentiras dos «imperialistas americanos», no que diz respeito às razões dos lacaios de Bush para a guerra . Porém, ao apontar o dedo aos americanos, também Louçã mentia, com falsos dados e muitas contradições à mistura. Mas, depois de mentir, Louçã não ficou conotado como um mentiroso, pelo menos para a opinião pública. Já os americanos, tornaram-se, se já não eram há longas décadas, vilões.

Assim, é possível concluir-se que a legitimidade moral é sempre deveras importante para muita gente, quando essa legitimidade moral só tiver de ser justificada por quem dela precisa. Francisco louçã, como Jean-Paul Sartre, pode mentir quantas vezes quiser, visto não lhe serem exigidas responsabilidades directas sobre essas mesmas mentiras. Além disso, quem precisa de legitimidade moral é quem detém o poder. Sartre sabia-o. Por isso é que não hesitava em pôr a pressão toda do lado dos poderosos, dos malvados americanos, que sonhavam, já naquele tempo, com coisas tão nefastas como a existência de democracias em sítios onde vigoravam regimes tirânicos.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, maio 27, 2005

Mal


William Blake, Satan, Sin, and Death: Satan Comes to the Gates of Hell (1806)

Nota solidária: dedicado ao último post do Paulo.

[João Silva]

Artistas

Numa das melhores bancadas da Feira do Livro, o rapaz que atendia ouvia hip-hop, com o cabelo caprichado com gel. Naquele momento, ficou claro, para mim, que a palavra «artista» tem mais do que um significado.

[João Silva]

Flor do mal

Diz-me um leitor que fui educado para o mal (as palavras são dele). Ora, julgo que o prezado leitor tem razão. Admito que, desde a mais tenra idade, fui sendo preparado para espalhar o mal por esse mundo fora. Exemplos não faltariam, mas há dois que, pela sua clarividência, se tornam imbatíveis: George W.Bush e América/capitalismo desenfreado. Com efeito, a minha simpatia para com George W.Bush e a América/capitalismo desenfreado só podem ser claros sinais de que algo falhou na educação deste pobre ser.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, maio 25, 2005

Allez Guterres, allez!

Depois de um fim de tarde no Linha d'Água, passei pelo Marquês de Pombal e fui surpreendido por um enorme ajuntamento de pessoas junto à malfadada estátua. Não me lembrava de nenhum acontecimento popular digno de ser celebrado assim, tão efusivamente, pelas massas. Pus-me a pensar: seria o contentamento pela escolha de Guterres para o cargo de Alto Comissário para os Refugiados? Ou uma revolta contra o valor défice apontado pela Comissão Constâncio? Nada disso, tratava-se apenas da continuação das celebrações benfiquistas. Parece que este ano é à cigana!

[Bernardo Sousa de Macedo]

terça-feira, maio 24, 2005

Sítio do Não

Para ilustrar o «Não» e o porquê do «Não» dos que não querem ser comparados à vaga de franceses que, por razões bastante distantes, votam e votarão contra o Tratado de Constituição Europeia, há o essencial Sítio do Não, de José Pacheco Pereira. Para contnuar a combater a ideia feita (que alguns fazem), e desta vez muito mais seriamente, que o «Não» é apanágio de bandos dispersos de nacionalistas e marialvas.

[João Silva]

Democracia do voto único

Os políticos da «Europa», como mito civilizacional messiânico que nos salvará dos últimos malefícios restantes do Estado-nação, parecem ter, por fim, admitido a sua vaidade em pertencerem ao projecto que quase poderiam afirmar como sendo uma nova realidade política e humana que nos protegerá («europeus») de todo o Mal e de todos os desequilíbrios geopolíticos.
Sobretudo, aplicam as regras democráticas da construção europeia segundo a matriz dos centralismos democráticos da Europa do Leste. E essa orientação parece, infeliz mas não surpreendentemente, estar presente no discurso de Bruxelas e Estrasburgo. A consideração pela inteligência das pessoas é denunciadamente reduzida: para eles, há os que votam Sim e os que ainda não votaram Sim.

[João Silva]

Subtil superioridade


Teri Hatcher

[João Silva]

As mensagens da UE

Segundo notícia do DN, «Bruxelas enviou, ontem, uma mensagem "clara" ao regime islâmico.» Mais concretamente, Bruxelas mandou uma mensagem ao regime iraniano, para que mantenha a suspensão do programa de enriquecimento de urânio. Ora, a União Europeia faz muito bem em preocupar-se com o Irão, assim como faria bem em preocupar-se com outros países não menos perigosos. Porém, o máximo que a União Europeia pode fazer é mandar mensagens de apelo ou de preocupação ( quando me lembro desta palavra, não resisto a evocar Jorge Sampaio) a países que pouco se importam com a preocupação dos países europeus. Aliás, tendo em conta que a preocupação europeia em relação a Saddam Hussein durou mais de um decénio, imagino que a preocupação da Europa em relação ao Irão seja demonstrada da mesma maneira que foi demonstrada em relação ao regime ditatorial iraquiano, ou seja, através de mensagens (mensais, semestrais, anuais...).

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, maio 23, 2005

Portugueses desconfiados

Geralmente, desconfio imenso de um português que afirma, numa frase previamente construída, que «lê muito e gosta muito de ler», sem contexto e sem provas. A verdade é que, num país onde não é costume levar um livro para a rua a pensar nos minutos que se poderão gastar em transportes, em filas, em cafés e em pausas, se alguém diz que «desde pequeno que lê muito», algo só pode estar errado no quadro que se nos apresenta.

Miguel Esteves Cardoso sugeriu, desde cedo, uma razão que pode explicar tudo: os portugueses não pegam em livros porque têm medo de apanhar com uma paulada nas costas enquanto estão distraídos. E, facto comprovado, o português tem mesmo medo de ser o único que não vê o que se passa, de não saber o que se passa. Daí bastar-lhe saber que o défice revelado é mais alto que no governo passado mas apenas conhecer um Ministro das Finanças, Manuela Ferreira Leite, simplesmente por ser vítima das piadas da «esquerda da folia e dos cartazes» (ou seja, toda). Quando há um acidente entre dois carros numa rua da cidade, nós (portugueses) vamos chegando e perguntando a quem já lá estava: «O que é que foi isto?». «O gajo saiu dali e enfiou-se neste». «Isto é que está para aqui um trinta e um...».

Devaneios à parte, os portugueses são, sem dúvida, animais pouco dados ao esforço e ao cansaço da leitura, mesmo que adorem jogar futebol e abraçarem-se suados e com hálito a álcool quando vêem um golo do Chalana ou, mais recentemente, do Cristiano Ronaldo. Pelo contrário, os portugueses adoram reservar os tempos livres, ou o seu horário de expediente na função pública, para, simplesmente, olhar para os outros. Para olhar para outro português e pensar: «Deixa estar que eu já te atendo», e, na função pública, a expressão é mesmo literal.

Nos cafés, o típico português olha para as pessoas com quem saiu que, por maus hábitos adoptados de outros países europeus, estão a ler, ignorando o mundo. Mas o típico português «não vai na conversa» - «gosto de pensar por mim próprio», diz. Ainda assim, sentindo-se ofendido, aproveita para quebrar o silêncio: «Por acaso, também gosto muito de ler. Mas antes é que eu lia muito. Agora até estou a ler dois». E os outros, educados, perguntam «hmm, o que está a ler?». «Ando a ler um livrinho sobre a arte chinesa de ler o futuro, e um sobre a influência do alinhamento dos planetas no casamento».

Portanto, para a próxima vez que abrirem um livro num café português, lembrem-se dos «outros». Ou seja, dos portugueses mais proteccionistas. Pois a ofensa de ler Flaubert ou Proust (nomes melodiosos) no café do Sr. Acácio é inigualável. «Olha agora! Estes agora andam aí com livrinhos das estrangeirices. Se quisesse cá produtos estrangeiros no estabelecimento tinha comprado. Queres ler está ali a Bola e a TV Guia... É o café do costume?».

[João Silva]

Problemas

O Ene Problemas fez ontem um ano, e 642 problemas.

[João Silva]

Incorrectamente correcto

Exceptuando a citação de Vicente Jorge Silva (spin doctor sem sucesso dos socialistas), subscrevo o artigo do Bernardo.

[João Silva]

domingo, maio 22, 2005

José Sócrates

José Sócrates, o esquerdista moderno, faz questão de ficar calado. Faz bem. Se José Sócrates falasse, o país que governa estaria mal. Não é que esteja bem, mas a verdade é que Portugal é um país perdido e, por conseguinte, o silêncio de um mau primeiro-ministro é sempre preferível às bacoquices que possam advir de uma hipotética quebra de silêncio. Além disso, Portugal é um país onde se fala muito, até demais. Não existe silêncio. Que José Sócrates nada faz para melhorar as finanças, a educação, entre outras coisas, todo o mundo sabe (e quem não sabe vai descobrindo aos poucos). Mas talvez seja melhor assim. Sempre se ouve menos ruído.
Com efeito, o meu problema com José Sócrates não advém do seu silêncio. Pelo contrário, até mando um grande abraço ao senhor primeiro-ministro pelo facto de ter estado a dormir durante dois meses consecutivos . O meu grande medo é que ele fale e que tente fazer coisas para as quais não está capacitado.

[Paulo Ferreira]

Incorrecções de direita

Já tive oportunidade de assinalar a minha simpatia pela "nova direita" que se vai ancorando na blogosfera ou em projectos como a Atlântico (cfr., por exemplo, aqui, aqui e aqui). Creio que a refundação da direita (ou de boa parte dela) e o abandono de concepções salazarentas, paroquianas e ultramontanas são aspectos essenciais para acabar com a paz podre do eixo PSD-PP e com unanimismos paralisantes em áreas em que o debate é saudável e até essencial. Pessoalmente, gostaria que vingasse em Portugal uma direita liberal não só em termos económicos mas também em termos sociais (sim, sou ingénuo...) e espero que estas novas vozes contribuam - pelo menos - para uma reflexão sobre o tema.
Mas não posso deixar de concordar com Miguel Vale de Almeida quando este critica essa "nova direita" por adoptar continuamente o discurso do "contra": Que se verifica, então, nesta tripla cambalhota linguística da "direita" - agora rebelde («inconformista»), contra-cultural e anti-hipócrita (meus deuses, dir-se-ia que saíram todos do Maio de 68. Oops: saíram mesmo...)? O velho truque da inversão, que se consegue graças à polissemia das palavras. Mas é um truque, e desonesto enquanto tal.
Não concordo com 90% dos presupostos do post mas também a mim me faz confusão, confesso, o discurso "revolucionário" adoptado por muitos bloggers e colunistas. Nesta última hora visitei três blogs que mencionavam a expressão "politicamente incorrecto" na sua frase de apresentação e recordei-me do slogan da revista Nova Cidadania: "Cinco anos politicamente incorrectos". Como disse há dois meses Vicente Jorge Silva, nada há mais parecido com o velho discurso esquerdista do "politicamente correcto" do que o discurso de uma nova direita que, nomeadamente em Portugal, exibe o festivo estandarte do "politicamente incorrecto". A arrogância, a sobranceria, a pose de infalibilidade inquisitorial são rigorosamente as mesmas. Mas não é fortuito que grande parte dos actuais intelectuais de direita "politicamente incorrectos" tenham sido nados e criados nas águas "politicamente correctas" dos seus verdes anos de militância esquerdista (designadamente estalinista e maoísta).

Hoje em dia é politicamente correcto ser politicamente incorrecto, como me susurrou alguém.

[Bernardo Sousa de Macedo]

Volta ao mundo

Expressão sonhadora, que usávamos para definir os tempos em que vivíamos. A primária. Os amigos. Os primeiros sonhos com professoras. O bate-pé, jogo infantil, que dava direito a uma volta ao mundo.

[Paulo Ferreira]

Lencinho

As corridas em círculo, de lenço na mão. A ninfeta que tentava impressionar. O riso em coro. O queixo estilhaçado pelo chão de cimento.

[Paulo Ferreira]

sábado, maio 21, 2005

A cunha

Isaltino Morais acusou Marques Mendes de meter cunhas. Desde essa ignóbil acusação, que só ridiculariza a figura do manda-chuva de Oeiras, muitas vozes se levantaram a pedir justificações a Marques Mendes. Ora, só num país atrasado como o nosso é que se pedem justificações por tudo e por nada. Na minha opinião, Marques Mendes faz muitíssimo bem em não responder aos impropérios de Isaltino. Mesmo que o líder do PSD tenha realmente metido cunhas, não tem de se justificar a ninguém. Ao afirmar isto, estou a ter em conta que Portugal é o país da cunha. Com efeito, todos nós conhecemos, certamente, a velha história do tio que tem um sobrinho que é filho do filho de não sei quem e que, por causa disso, consegue arranjar uma boa colocação numa empresa ou num partido político. É assim que funcionam as coisas em Portugal. É por ser assim que as coisas funcionam neste país que fico espantado com as castas almas que pedem explicações a Marques Mendes.

Contudo, para além de ser um país corrupto e desonesto, Portugal é ainda um país de grandes valores morais. Qualquer desavença entre políticos dá direito à «defesa da honra» ( a «defesa da honra» é quase um totem português). Português que é português, defende a sua honra com unhas e dentes. Até o maior corrupto sente necessidade de gritar para o mundo ( sim, porque é a gritar para o mundo que melhor se defende a honra em Portugal) que sempre foi sincero e frontal. Portanto, sendo a honradez um dos grandes atributos nacionais, é natural que, depois da acusação de Isaltino Morais, meio Portugal se tenha chocado com o silêncio de Marques Mendes. Mas, cá para mim, Diogo Mainardi é que tem razão, quando afirma que em boca fechada não entra bala nem mosca.

[Paulo Ferreira]

O primeiro amor

Muitos afirmam que o primeiro amor é o mais importante, o que marca mais, o que é eterno. De certa forma, concordo. Afinal de contas, é o primeiro amor que faz com que uma pessoa olhe para o passado com uma lágrima no olho. O presente, comparado com o passado, é algo que não faz sentido, pelo menos, se esse primeiro amor só existir enquanto fotografia imaginada. Quem teve realmente um primeiro amor, não pensa que teve, pensa que ainda pode vir a ter. Na pior das hipóteses, quem teve o primeiro amor, pensa que foi enganado, que houve algum embuste, imposto pela sociedade para que dois seres que se amavam se afastassem definitivamente. Ou seja, o primeiro amor é o único amor. É aquele amor que nos faz morrer de vergonha no escuro do quarto por actos cometidos em séculos passados. Enfim, é aquele amor que é amor. Então, o primeiro amor, não é aquela primeira paixoneta que se teve pela ninfeta ruiva do quinto ano. É aquele amor que, por vezes, é ódio, frustração, saudade, mas que nunca, mas nunca, desaparece completamente.

[Paulo Ferreira]

Lars Von Trier

Se este sapiente realizador se preocupasse mais com a (fraca) qualidade dos seus filmes, talvez o levasse mais a sério quando fala de George W.Bush. Ou não.

[Paulo Ferreira]

Juventude

Portugal tornou-se num país habitado por jovens. Os velhos querem ser jovens. Os novos querem manter-se novos (mas não muito novos, apenas o suficiente para serem jovens sem serem crianças). Num mundo cientificamente desenvolvido como o nosso, parece normal que queiramos todos alimentar o sonho da vida eterna. Mas não é. As pessoas envelhecem, adoecem, morrem. Parece óbvio, mas não é. Não compreendemos que a longevidade humana não corresponde a padrões robóticos, nem sequer compreendemos que o Homem pertence ao reino animal e que, por conseguinte, tem uma vocação natural para se alimentar de sangue. Se compreendêssemos coisas tão simples como estas, o mundo recuperaria a harmonia antiga, que já se perdeu. Ninguém se espantaria com o facto de aparecerem umas guerras de vez em quando, os jovens não tratariam os velhos como se fossem mortos (isto pode ser uma grande idiotice, já que, por vezes, os vivos falam melhor dos mortos do que dos vivos), entre outras coisas tão fora de moda.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, maio 20, 2005

Selva II

Na infância, tinha um professor que dizia, vezes sem conta, que o Homem é um animal. Eu, talvez condicionado pela idade, não percebia onde é que aquele vetusto senhor pretendia chegar com aquilo. Porém, num intervalo, em que dois amigos garantiam que a «pilinha» de um era maior que a do outro, fiquei esclarecido.

[Paulo Ferreira]

Selva I

Desde cedo percebi que o Homem era um animal. Todavia, ainda hoje não consigo perceber se é animal racional ou não-racional ( era assim que se diziam as coisas na primária). Por um lado, haviam todas aquelas concepções de progresso que me atordoavam a alma de criança. Por outro lado, viver em Portugal era uma coisa que não me deixava alimentar grandes ilusões em relação a quase nada (quando comecei a ler livros de Jean-François Revel, o sentimento de desilusão em relação ao homem agudizou-se). Diga-se que a palavra «Portugal» sempre teve uma grande influência em mim. Tanta influência que nunca cheguei a acreditar que houvesse, na realidade, qualquer tipo de distinção entre progresso e utopia. Chego, até, a confundir os dois conceitos. De Portugal, país malfadado, nunca me esqueço. Aliás, lembro-me tanto desse país, que estou cada vez mais inclinado a acreditar que o Homem é um animal não-racional.

[Paulo Ferreira]

Isaltino Morais

A certa altura, em Bottle Rocket, de Wes Anderson, Dignan (Owen Wilson, um excelente actor «incompreendido» por muitos, entre os quais ele mesmo) diz a Anthony (Luke Wilson), sob uma cara sofrida, o que pensa de Bob (Robert Musgrave), o terceiro elemento do «pseudo-gang»: He has no character, man! Sem exagero, é essa mesma frase que agora me parece caracterizar as últimas semanas de Isaltino Morais, que tão generosamente se expôs, de bom grado, ao ridículo da risada pública, tão evidente no último Prós & Contras, programa de faca e alguidar.

Sempre mantive uma enorme distância da consideração geral, popular e de má-fé, de que Isaltino Morais pertencia à longa lista dos autarcas (e depois membros de um governo executivo) possíveis de incorrer em actos menos lícitos. No entanto, também nunca tive visões positivas, elogiosas, quanto ao referido político. De qualquer forma, nunca esperei pelo momento tão aguardado, parece-me, em que Isaltino estaria debaixo de investigação, e, como agora parecem rejubilar os mais histéricos (publicamente encabeçados por Fátima Campos Ferreira), muito menos terei tendência para me deixar levar pela árida maré da «opinião pública», do julgamento público, mediático.

Mas o problema, na hipotética, e agora real, candidatura de Isaltino Morais à Câmara Municipal de Oeiras, não é a sua legitimidade ou falta da mesma para exercer o cargo que anteriormente ocupara, nem tão pouco perdeu o direito a tal por ser alvo de uma investigação. Para além de não ser «culpado», embora já o seja na televisão à hora de jantar, nem ser arguido (que é, só por si, muito relevante), Isaltino beneficia ainda de uma certa lógica liberal que permite que quem vive em Oeiras possa reeleger alguém que, segundo muitos dizem, fez um bom trabalho por Oeiras.

O problema é, sobretudo, a burocracia judicial (entre tantas outras...) em que estamos afundados, desde tempos imemoriais, neste malfadado país. É o problema de, à portuguesa, não ser «culpado» nem «inocente» até mais ver, o que equivale a ser um político corrupto, indigno, culpado e fora-da-lei segundo os padrões jurídicos de quem apenas lê os cabeçalhos das notícias dos jornais.

No entanto, mais ainda, o problema é a vontade exagerada que Isaltino tem de voltar ao seu cargo em Oeiras, vontade essa que tem vindo a mostrá-lo, em todos os sítios mediáticos possíveis, numa exposição pública dispensável e permeável ao ridículo. E temo bem que seja, precisamente, esse ridículo a que se expõe (que passa dos comentários dos populares e dos jornalistas para a sua própria imagem) o seu pior inimigo para um futuro em cargos políticos em Portugal. O mal não é de Isaltino, nem é dos portugueses mais desconfiados, é do país em que vivemos. Na verdade, estamos apenas demasiado habituados a escândalos.

[João Silva]

quarta-feira, maio 18, 2005

Ekphrasis

Os pneus pisaram o asfalto e arrastaram-se no fundo da rua. O carro entrara na avenida consciente da urgência da sua função, arriscando a própria segurança em nome da missão.
As sirenes soavam em crescendo, preenchendo, em socorro, a alameda. O clamor rasgou o silêncio matinal ao meu lado, avisando-me de que o país ainda precisa de heróis.
A travagem brusca marcava o final de uma difícil etapa. As sirenes deram lugar ao cruzado tornado pedestre.
Finalmente, passei pelo carro. «Pão Doce Distribuidora».

[João Silva]

segunda-feira, maio 16, 2005

Não se pode declarar a extraterritorialidade dos transportes públicos portugueses?

As autoridades iranianas proibiram a publicação de «O Zahir», o último livro de Paulo Coelho. Maktub.

[Bernardo Sousa de Macedo]

sábado, maio 14, 2005

Ser ou não ser Santana

À volta dele [Santana Lopes] zuniam intrigas, desmentidos, dramas. Foi uma festa para a televisão e para a imprensa, e foi o fim dele. Mas Santana deixou uma herança: hoje o primeiro objectivo de qualquer político é não ser Santana.

-Vasco Pulido Valente, Público 14/05/2005

[João Silva]

Melbourne, Austrália


Cate Blanchett

Faz hoje 36 anos que o Senhor a criou.

[João Silva]

Life on Mars

Por causa de um mais-do-que-simples jogo do campeonato de futebol, o país parece ter parado. E, portanto, acertado o ritmo com o governo português.

[João Silva]

Até amanhã

Nos tempos em que um beijo não era apenas um beijo, jogávamos ao amor. Com dedos que mais pareciam pétalas, lançavas um pequeno pedaço de tijolo ao ar, tentando não infringir as regras do código sentimental. Mas, numa tarde pluviosa, despedimo-nos com um breve «até amanhã». A chuva não combina comigo, dizias. Desde esse dia, nunca mais te vi.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, maio 12, 2005

Tão longo adeus para breve vida

«Tenho tanto medo de te encontrar que mesmo nunca te encontrando estás mais presente que todos os que vejo girar à minha volta.»

- Pedro Paixão, Amor Portátil

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, maio 11, 2005

A voz que foi futebol

Por vezes esquecemo-nos do que é o futebol. Ou melhor, esquecemo-nos da razão que leva a que o futebol seja o desporto mais atraente, e até saudavelmente doentio, para o português e para todos os que estão genealogicamente próximos de nós. O futebol é tudo o que lhe dá a ênfase extra. Basta comparar o célebre «Barbas» do Benfica ou «a Peixeira» do Vitória de Setúbal à estática plateia bocejante e cristalina de um Estoril Open. Basta comparar os melhores serviços de Pete Sampras ou as melhores tacadas de Tiger Woods com o dribble mirabolante e, ao mesmo tempo, genial e objectivo de Maradona. Por fim, basta comparar os comentários de um jogo de basquetebol (exceptuando aqui o familiar duo de comentadores, que animou parte da minha adolescência, com Carlos Barroca) com os comentários de Jorge Perestrelo, recentemente falecido.

Há quem não goste de Jorge Perestrelo, e é fácil perceber porquê. Não tem o conhecimento do futebol e a classe de Gabriel Alves, nem a longa e respeitável carreira do lacónico Rui Tovar. É mais um género de «Jerry Springer do futebol», fazendo-nos ver trapalhões em nulidades, fazendo-nos imaginar magos em simples jogadores de futebol. Na verdade, a sua junção com a SIC para comentar jogos acabou por ser óbvia e natural, uma identificação de estilos comuns: extravagância e adjectivação exageradas.

Mas, se pensarmos duas vezes, o que é o amor pelo futebol senão um exagero? O que é o clubismo senão uma bonita extravagância tornada vício ou teimosia? Talvez a primeira coisa que me lembro quando penso em Perestrelo, ou a segunda (a primeira é a inevitável «rapaqueca»), é o seu comentário de um antigo jogo de futebol: o inaugural Brasil-Checoslováquia do Mundial de 1970. Vendo jogar a melhor selecção de sempre, o Brasil'70, Perestrelo diz de Jairzinho: «Pega a bola ali e é só Jairzinho. Um. Dois. Três adversários». Mais à frente, num jogo que passou de 0-1 para a Checoslováquia para uma sonante vitória brasileira de 4-1, Perestrelo abranda o tempo e o discurso para falar do lendário remate de Pelé do meio-campo, que passou a centímetros do poste do gurada-redes checo: «Pelé recebe no meio-campo e faz isto... [a bola passa ao lado da baliza] Não foi golo, mas foi espectáculo!».

Há que tirar o chapéu a um estilo que era inédito em Portugal, tão habituados que estamos aos falsos eruditos do comentário de futebol. Nem todos gostávamos, e eu também não era um fã, de Perestrelo, mas ele fazia o que gostava e tentava fazer com que gostássemos também. Sem pensar em árbitros e presidentes.
A extravagância não é nova, o ex-seleccionador brasileiro João Saldanha disse uma vez acerca de Pelé: «Perguntem-me quem é o melhor lateral-direito do Brasil e eu responderei Pelé. Perguntei-me sobre o melhor defesa-esquerdo ou o melhor centro-campista, ou o melhor avançado-centro. Sempre terei de responder Pelé. Se ele quiser ser o melhor guarda-redes, é o que ele será. Só há um Pelé».

Se me disserem que Jorge Perestrelo não trouxe classe aos comentários de futebol, concordarei. Se me disseram que não era nada de «especial», não duvido. Mas se disserem que não trouxe nada de novo, é mentira. Perestrelo trouxe um estilo novo e uma linguagem nova, despretensiosa e, por vezes, irritante, mas nem por isso vazia. Há que se-lhe tirar o chapéu. Se acharem este elogio exagerado e extravagante, estão no vosso direito, mas sem esse exagero o futebol morre, ou torna-se um cinzento teatro com 22 actores e uma bola. Perestrelo nunca viu o futebol de outra forma e, por isso, vai fazer falta.



[João Silva]

terça-feira, maio 10, 2005

Andar para a frente

Com a subida de José Sócrates ao poder, gerou-se a ideia de que Portugal, e o mundo em geral, melhorarão substancialmente. Com António Guterres foi a mesma coisa. Não é de estranhar que, nos próximos meses, a camada intelectual deste país se volte a reagrupar nesse grande consenso que é o Estado. O Estado paga a cultura, os panfletos propagandísticos aparecem. Sendo o Governo de Sócrates de «esquerda moderna», melhor. Ou seja, com a subida de José Sócrates ao patamar político português, Portugal tem todas as condições para andar para a frente. Eduardo Prado Coelho, Inquisidor-Mor da República, concordará comigo.
Porém, dado que o mito do eterno retorno tem muita influência nestas coisas da política , especialmente na política portuguesa, é natural que, daqui a uns anos (oito?) , Portugal esteja no fundo novamente, e que o povo (em vez de povo, poderia ler-se comunidade intelectual) diga que está farto de miséria.

Conclusão: o «andar para a frente» português, não é, na maior parte das vezes, um verdadeiro andar para a frente. O andar para a frente é apenas mais uma ilusão de que a utopia venceu, quando, no fundo, todos nós sabemos que o andar para a frente, em Portugal, é permanecer no mesmo sítio.

[Paulo Ferreira]

PSD (Times They Are A-Changin')

O épico esforço higiénico (não «renovador», como gostam os leitores assíduos do Expresso de dizer) que Marques Mendes tem empreendido no PSD é digno de atenção, e muito apoio, por duas razões: uma muito positiva, e outra sensível e cautelosamente «negativa».

No sentido positivo, é perfeitamente admirável a posição do líder do PSD de se manter firme perante as invectivas dos «eternos autarcas» do nosso país, daqueles que, ou por já terem decorado as Câmaras Municipais ao seu gosto ou por terem visto reduzidas as suas alternativas de emprego, se viram obrigados a apostar tudo em reeleições ou em regressos messiânicos. O PSD precisa de «limpar a imagem», não na versão prepotente dos dirigentes dos retratos na parede, mas na acepção de um partido forte, sério e mais baseado na reunião de políticos fortes e de confiança do que no «calculismo» eleitoral que já entronizou diversas figuras locais do provincianismo político (um pouco herdeira do ditado popular «inimigo do meu inimigo, meu amigo é»).

No entanto, «combater» esta tendência (inegável e até vantajosa) caciquista dos núcleos de apoio distritais e municipais tem o seu lado negativo para os resultados imediatos (leia-se imediatos) do PSD. Na tentativa de fortalecer o partido para os próximos anos, é bem possível que se o venha a expor demasiado à demolidora «opinião pública» e à «confiança das bases» (mais um conceito apadrinhado por Santana Lopes e por um emocionado Menezes), que, perante uma quase certa «derrota» do PSD nas próximas autárquicas, achará que tudo estará perdido e tentarão recuperar o seu lugar (com precedentes no Congresso) na oposição interna ao tal hipotético «líder transitório» que será Marques Mendes.

As consequências negativas desta tomada de posição de Marques Mendes bem poderão ser determinantes nas próximas eleições e, mais importante, nos próximos (primeiros) anos da sua liderança do PSD. São, certamente, consequências pouco vantajosas a curto prazo, mas que podem ser um pequeníssimo e louvável passo para arrumar uma dubiamente legítima (mas eleita democraticamente) geração de políticos locais.

[João Silva]

Closed behind doors

«Sentados à volta de uma mesa de café move-nos uma fúria em esgotar o tempo com palavras. Em silêncio extinguimo-nos. É a única certeza. Sofremos por saber como cada um precisa de ajuda urgente e somos incapazes de o ajudar no que quer que seja. Pelo contrário, prejudicamo-nos. Somos má companhia uns para os outros, como diriam os nossos pais com razão e já sem ela.»

-Pedro Paixão, Vida de Adulto

[João Silva]

segunda-feira, maio 09, 2005

Valentim Loureiro

Quando me lembro desse senhor, só me vem à memória uma bela expressão de Miguel Esteves Cardoso: «Ai Jesus, apaga a luz!»

[Paulo Ferreira]

Falling Down

Estando um pouco afastado das efemérides políticas, pergunto: já chegou o choque?

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas



[Paulo Ferreira]

domingo, maio 08, 2005

«Ripa na rapaqueca»

Na noite de sexta-feira, morreu, com 56 anos, Jorge Perestrelo, um comunicador nato. Com a morte de Perestrelo, quem precisava de um certo alento para ouvir relatos de futebol na rádio, deixará definitivamente de os ouvir. Apesar do seu estilo truculento, Perestrelo sabia como divertir as pessoas. Com ele, um jogo mau tornava-se bom (só mesmo um comentador como Jorge Perestrelo poderia fazer com que alguém assistisse a uma transmissão de um Tirsense-Benfica). Assim, a morte de Perestrelo representa, de certa forma, um pequeno desaparecimento da magia do futebol, já que a magia do futebol não reside, propriamente, no jogo em si, mas nas músicas de intervalo, nos comentadores (vem-me à memória Gabriel Alves), no público, nos tiques e manias dos jogadores, entre outras coisas. Em suma, o futebol torna-se mágico se o ambiente em seu redor for propício a isso. E, com a morte de Jorge Perestrelo, o ambiente será cada vez menos propício a isso.

[Paulo Ferreira]

Ainda estou

Reservei aquele dia para estar contigo. Mas o teu conceito de tempo é diferente, «uma vida deve ser portátil, exploradora». Eu queria ficar contigo e foi o que fiz, mesmo depois de partires, pedindo-te mil vezes desculpa por te ter deixando ir para sempre nesse dia.

[João Silva]

Wes Anderson



Cada vez admiro mais o senhor ao centro da imagem.

[João Silva]

sábado, maio 07, 2005

Manuel Maria Carrilho

Há uns dias, Manuel Maria Carrilho, sapiente filósofo português, decidiu abrir a boca, numa entrevista ao DN. Fez mal. Carrilho deveria saber que a única coisa que lhe poderá dar a Câmara de Lisboa é a fotografia. As palavras não têm grande utilidade para homens como Carrilho. Um exemplo: Carrilho, nessa entrevista ao DN, dizia que os lisboetas sabem (repare-se na expressão salazarista «os lisboetas sabem») que só têm duas alternativas: votar nele ou no número dois de Santana Lopes. Ora, tratar Carmona Rodrigues como um simples número de alguém, dá legitimidade, a quem quer que seja, para não votar numa pose, a meu ver, ridícula.

[Paulo Ferreira]

Espera

Se existem expressões que marcam um povo, «espera» é uma delas. Por exemplo, numa notícia do Público, o sociólogo Fernando Ruivo declara que foi agredido. Melhor, Fernando Ruivo declara que foi vítima de uma espera. Violência à parte, uma espera é fantástica.

[Paulo Ferreira]

‘It’s the new IRA uniform.’


The Spectator

[Paulo Ferreira]

Outra vez a solidão

«Os Portugueses têm de aprender que a solidão não é o contrário de companhia. Nem sequer é somente a alternativa. Parafraseando injustamente Beckett, autor de Company, a solidão é uma espécie de companhia. Pode ser melhor ou pior. A cada um compete torná-la melhor. Para seu bem e para bem dos outros. Nem mal acompanhado nem orgulhosamente só, mas , simplesmente, a sós, em paz.»

- Miguel Esteves Cardoso, Os Meus Problemas

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, maio 06, 2005

Diz-me um amigo

que "o Barnabé era muito mais interessante quando eles [Bloco de Esquerda] estavam na oposição". Ainda que de forma não intencional, deu a imagem perfeita do que é hoje o partido. E o Barnabé.

[Bernardo Sousa de Macedo]

quinta-feira, maio 05, 2005

Fita-cola

A infância habituou-me mal para o amor. Ficou-me a noção suicida de que a fita-cola tudo me devolveria.

[João Silva]

Fragmento didáctico

«N. pergunta porque é que escrevo na Atlântico e não escrevo na Nova Cidadania. É simples: porque não costumo usar gravata.»

-Pedro Mexia, Fora do Mundo

[João Silva]

Jackal

Da tribuna popular, olham-me atentamente. E dizem-me que se fosse uma personagem-tipo, seria o vilão. Sem explicações. Na verdade, gosto de pensar que é tudo uma questão de lotação esgotada no outro lado.

[João Silva]

quarta-feira, maio 04, 2005

Contrast

«Sixty years this week since the death of Hitler, it is interesting to consider parallel lives. In April 1945 the future Pope Benedict XVI, just 18, had deserted from the German army and was captured by the Americans. Before he left home with his captors he grabbed a notebook and a pencil, and spent a good part of his six weeks of captivity composing Greek hexameters. On the same day that Hitler shot himself (30 April), Winston Churchill was at Chequers spending most of the day, has he often did, in bed. Absorbed in his reading, he did not notice that his cigar had set fire to his secretary, 'great puffs of smoke were rising'. An official said, 'You're on fire, Sir. May I put you out?' 'Yes, do,' Churchill replied. I find this a satisfying contrast between the two national leaders.»

- Charles Moore, The Spectator

[Paulo Ferreira]

Ilusão

O telefone toca e ninguém responde.

[Paulo Ferreira]

Conflito interno

O Bernardo, no seu último post, afirma, sustentado na Economist, que Tony Blair é a melhor solução para as eleições inglesas. Ora, nada como ler Boris Johnson para resolver alguns problemas.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, maio 03, 2005

Carta de valores

Na semana em que a Economist expressa o seu apoio à reeleição de Tony Blair fica bem claro o que a faz ser a "minha" revista:

«The basic background to this election is that Mr Blair has continued to hog the centre-right ground in British politics, as he has done ever since becoming Labour's leader in 1994. Michael Howard, the Conservative Party's leader since 2003, has sought to share some of that ground, at least on the NHS. But he has blurred his party's own identity by failing to offer a tax-cutting alternative and by his appallingly hypocritical opposition to Mr Blair's brave effort to ease universities' financial problems by allowing them to charge fees to British students—a reform that could have been taken from a Thatcherite textbook. Hence Mr Howard's resort to traditional Tory populism on immigration in order to make his party look distinctive. To The Economist's taste, this is a terrible move: we favour fluid migration, both on grounds of liberty and for practical economic reasons. The Tories instead favour illiberal limits and a labour-allocation system that smacks of central planning. The Liberal Democrats are more to our liberal taste: they also support immigration and rightly opposed Mr Blair's draconian anti-terrorist measures, especially house arrest.
[...]
If the Conservatives, or indeed the Liberal Democrats, were offering an alternative government likely to combine superior fiscal management, fewer burdens on business, liberal policies on immigration and civil liberties, and a foreign policy geared toward further progress in the Middle East and a constructively critical approach to the European Union, The Economist would switch its endorsement.

But such an alternative does not exist. Tony Blair, for all his flaws, remains the best centre-right option there is. »

[Bernardo Sousa de Macedo]

Finlândia

Acerca do «modelo finlândes», nada melhor que resgatar uma passagem de Miguel Esteves Cardoso:

«Na Finlândia, não devem estar habituados a ver gente na rua às três da manhã e até é provável que os cidadãos que desejem ficar acordados para além das dez da noite tenham de pagar um imposto especial, de tipo social-democrata, que é depois aplicado em armamento e munições para a polícia poder abrir fogo sobre embaixadores estrangeiros, sem olhar a despesas nem a matrículas.»

-Miguel Esteves Cardoso, A Causa das Coisas

[João Silva]

Sisters of Mercy

Diogo Mainardi, no seu livro de crónicas, intitulado A tapas e pontapés, diz algo que parece condizer perfeitamente com Portugal: «Duvido que um dia o Brasil se venha a tornar uma nação letrada. Se por acaso isso acontecer, os brasileiros lerão os livros errados. Se calharem de ler os livros certos, não conseguirão entender uma palavra do que leram

[Paulo Ferreira]

Declaração de intenções

O Lusitano é um dos meus blogs de eleição, essencial em qualquer ronda pela blogosfera. Está no grupo daqueles em que espero sempre encontrar algo de interessante - concordando ou não, quando o assunto a isso se presta. Sou um leitor fiel desde que o João Silva abandonou o seu Metamorfopsia (que já seguia com atenção) e se juntou ao grupo hoje formado por Paulo Ferreira e Gonçalo Simões.

Não deixa, por isso, de ser estranho estar a escrever aqui. Na verdade, sinto-me como se estivesse a profanar um templo no qual entrei à socapa. A qualidade, a ironia clássica na forma e a pertinência a que o Lusitano nos habitou fizeram-me hesitar quanto ao gentil convite que me foi endereçado para participar neste blog.

Assumo esse risco; partilharei com os que nos lêem as opiniões, divagações, hipérboles e ingenuidades que tenho expressado no Notas Várias, adequando-as, naturalmente, ao que creio ser o espírito do Lusitano.

Mais uma vez, Gonçalo, João e Paulo: muito obrigado.

[Bernardo Sousa de Macedo]

segunda-feira, maio 02, 2005

Entrada

A partir de hoje, este pequeno espaço contará com mais um contribuidor.

Conversas

«O Como se fosse uma baleia acabou
«A sério?»
«Juro-te!»
«Isto só em Portugal!»

[Paulo Ferreira]

Escrita sem censura

A escrita é, talvez, o maior desafio que se põe às capacidades mentais e criativas de cada um. Não é um teste ao que se sabe ou ao que se pensa saber, mas uma porta, um veículo secundário a uma boa ideia. E a disposição que se tem, no quotidiano, muito influencia a disposição que se terá frente a um bloco, um teclado ou uma máquina de escrever. Ou seja, geralmente, quem pouco sabe muito quer dizer, e quem muito sabe quer guardar certas coisas para registos e alturas diferentes. Como dizia alguém num serão de whisky, «não se deve tentar tocar muitas notas acima do que está na pauta, pois quando isso acontece, desafina». Num contexto diferente e mais digno, seria uma fase fadada para a posteridade.

E, por falar em whisky, lembra-me outra advertência, mais antiga até. Nelson Rodrigues, por diversas vezes, preferia dizer «bêbado», no lugar de «bêbedo», para dar ênfase a uma personagem ou a uma situação. Imagine-se uma dona-de-casa, residente nos Anjos, ser surpreendida em casa, a altas horas da manhã, por um marido corado e cambaleante e dizer-lhe: «Ai Américo, que voltaste às bebedeiras! Seu bêbedo!». Se não se lhe chamar bêbado (com a) nesta situação, perde-se uma excelente (mas certamente repetível) oportunidade para realçar o ridículo e insultar com ternura outra pessoa. Chamar bêbado a alguém naquelas condições é ajudar à reabilitação de um amigo.

Um passo importante na forma como se escreve é, não só a escrita, mas a «transcrição» do que se diz. Ou melhor, do que as pessoas realmente dizem. Em situações contemporâneas, não se diz muitas vezes «bolas», já não se diz «raios», e aviso veementemente que as personagens castiças não falam, nem nunca falaram, docemente com ninguém, excepto em casa com a intimidade da «patroa». Alguém que pense em insultar um homem publicamente deve excluir os adjectivos normais da Assembleia da República (dos nossos tempos, repare-se) e, sobretudo, termos de Direito Internacional.

Faz-me lembrar um amigo temporariamente guionista que, em tempos, resolveu pôr na boca de um pescador: «s'macaba a água da turneira, passome dos carretos e parto te tôdo pá!!!!!». Realçando a linguagem que, afinal, até era a sua, e acrescentando os pontos de exclamação extra, tinha nas mãos uma obra-prima do neo-realismo, passado nas ruas e nas docas. Mesmo por não saber falar de outra forma, e por isso mesmo fazer personagens sensivelmente à sua imagem, deu por si a escrever um dos mais criativos guiões que já li, sem olhar a estilo e convenções, ao melhor estilo de Luciano e Petrónio. Guião infelizmente à deriva, mas até quando?

[João Silva]

Recollection


Alexandra Maria Lara

[João Silva]

domingo, maio 01, 2005

Capital Nacional da Cultura

Ontem, inaugurou-se a Faro Capital da Cultura. O Estado incha de orgulho. Os algarvios demonstram vontade de conhecer, em doze meses, aquilo que desconhecem há séculos. Com sorte, daqui a vinte anos, Portugal será um autêntico oásis cultural. Nada mau.

Porém, não nos esqueçamos que, em Portugal, o conceito de Cultura tem significado apenas para alguns milhares de pessoas. O resto da população portuguesa (cerca de noventa por cento) não faz a mínima ideia do que seja a Cultura . No máximo, andamos aqui todos contentes por surgirem, anualmente, eventos que vão dignificando a bandeira portuguesa. Mas, para isso, já tivemos o Europeu, em que o Estado conseguiu criar dez capitais da cultura de uma só vez. De qualquer forma, é quase ridículo pensar-se que é com a criação de múltiplos eventos, tais como exposições fotográficas, concertos, entre outras coisas, que Portugal encontrar-se-á definitivamente com a Cultura. Afinal de contas, por muito dinheiro que a «coisa pública» gaste neste tipo de iniciativas, Portugal será sempre um país civilizacionalmente atrasado e ignorante, habitado por indivíduos que, para respirarem, precisam do Estado.

[Paulo Ferreira]

Celine


Julie Delpy

[Paulo Ferreira]