sábado, abril 02, 2005

Borges e o Adamastor

Abomino o messianismo. Aliás, essa é uma das premissas que orientaram, muito conscientemente, o meu conceito do «melhor possível» em política, a noção de que a «direita» serve melhor o que penso sobre variadas coisas e, sobretudo, o que penso sobre o país. Mas ser de «direita» em Portugal é difícil. Aliás, ser de «direita» em Portugal é uma missão ingrata.
O «ser de direita», nos últimos tempos, tem estado muito associado a uma vontade, de certa juventude (e outros não tão jovens), de ser politicamente incorrecto de uma forma abrupta e impreparada, de remar contra a corrente, da cultura aos assuntos «sociais» (públicos). Um esforço admirável, que já conseguiu abrir uma brecha naquele que era, até há bem pouco tempo, o espaço cultural mais pró-comunista, justificando cada verso, prosa ou música medíocre como uma arma contra o «fascismo», ou elogiando essa mesma luta.

Mas esta nova corrente mais à direita tem a tendência de seguir o mesmo caminho que seguiam os mais activos na luta contra o regime, que é a obsessão ideológica e a fixação num homem (num perfil) para um cargo. O mesmo messianismo que antes certa gente dirigia à «Vontade Geral» e ao «Povo», parece agora ameaçar uma transladação para linhas de direita.
António Borges, com todas as suas ideias admiráveis (com as quais concordo) é um exemplo desta «ameaça». Há que conhecer Portugal para compreender que nada se muda em dois mandatos. Que, num sistema bipartidário bastante dividido (e agora já nem tanto) nas soluções apresentadas para a melhoria da relação receitas/despesas públicas, nada dura o suficiente para ser uma mudança significativa para melhor. E que, em Portugal, ser Liberal é uma empreitada frustrante, que corre o risco de se frustrar por mais de uma década se se apresentar Borges como um trunfo ideológico.

«Ser de direita» devia implicar outra coisa, ou seja, muito menos que isso. Pouco mais que «nada», em termos de miragens políticas. Miragens essas que nem Borges quer, nem os liberais querem, mas que em conjunto podem, subconscientemente, fazer emergir de uma juventude desesperadamente à procura de ícones. Miragens que, entre 1910 e 1975, fizeram do Estado português o Adamastor dos tempos modernos.

[João Silva]