sábado, abril 30, 2005

A culpa de Raskolnikov

De há uns tempos para cá, o meu fascínio para com a personagem de Napoleão Bonaparte tem aumentado consideravelmente. Começo a ficar preocupado. Porém, quando penso nas razões que me possam ter levado a procurar Napoleão nos livros, lembro-me logo de Raskolnikov, personagem criada por Fiódor Dostoiévsky em Crime e Castigo. Com efeito, Raskolnikov, estudante pobre mas promissor, era dominado pela ideia de que existia um ser superior, que teria direito a uma liberdade total. Talvez por isso, Raskolnikov não se coíbe de assassinar uma velha sôfrega. Afinal de contas, seres superiores como Raskolnikov poderiam matar e roubar, se o que estivesse em causa fosse uma injustiça social. Ora, Raskolnikov, nos dias em que premeditava o assassinato da velha avarenta, tinha com ele uma biografia de Napoleão. O jovem estudante pensava em Bonaparte, e em toda a grandiosidade que o rodeava, fascinado. Dir-se-ia que, foi o tirano francês que impeliu Raskolnikov a matar.

É possível extrairmos um raciocínio semelhante no livro de George Steiner, No Castelo do Barba Azul. No referido livro, Steiner refere:« Para muitos dos que fizeram a experiência vivida da transformação, a baixa de tensão, o brusco correr das cortinas sobre a luz da manhã, foram profundamente debilitantes. É para os anos que se seguem a Waterloo que devemos virar-nos quando procuramos as origens do “grande tédio” que, já em 1819, Shopenhauer definia como o mal corrosivo dos novos tempos. » Ou seja, assim como é possível que Raskolnikov tenha sido impelido a praticar o crime pela brutalidade monumental de Napoleão, também é possível que uma das causas da Primeira Guerra Mundial tenha sido a sensação de vazio que o desaparecimento de Napoleão deixou nos povos europeus da altura.

Assim, e para grande desgraça minha, é provável que o meu fascínio crescente para com a personagem (mítica/lendária) de Napoleão Bonaparte, se deva, em grande medida, àquele estudante desgraçado e arrogante, que abdicou de toda e qualquer lei moral para adoptar uma postura, digamos, relativista.

[Paulo Ferreira]

Actualizações

Duas novas entradas para a tabela da direita: A.J.Ferrão e Ene Problemas ( o link para este último actualizado com um atraso quase indesculpável).

[Paulo Ferreira]

Quando estamos assim

Quando estamos assim
deitados e nus, sem
a minha cara saber
se é a tua cara à frente
dela, parece-me bem
que o mundo é uma coisa
às escuras, sem importância
nenhuma. Dou a volta,
rodopio como um artista
de circo, estou dentro
de uma rotina, quando
lavo os dentes e visto
o pijama de flanela às riscas
sinto-me um miúdo pequeno
que desconhece o que é
morrer. Chamaste-me
sentimental, sentimental
é a tua tia.


Helder Moura Pereira, Um Raio de Sol

[Paulo Ferreira]

Muralha da China

Criamos o mundo, levantamos uma outra muralha da China e gritamos o nosso amor aos deuses, dizia-te eu nos tempos em que as nossas vidas se confundiam com as de Penélope e de Ulisses. Ainda vamos a tempo, respondes-me tu, qual Odette de Crécy, como se o presente fosse apenas mais uma continuação do passado.

[Paulo Ferreira]

Solaris


George Clooney and Natascha McElhone

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, abril 29, 2005

Muralhas

No fim daquele dia, venceste-me. Voaste, impiedosa, deste quarto, pelo retrato que dá para a rua. Nas vazias e intermináveis paredes que me asilam, emoldurados em pretensa candura, fecham-se os teus lábios contidos, já orgulhosos das histórias que então me escondias. Na mesa, o pedaço de vidro baço, contendo as cinzas do tempo gasto esvaziando obsessões e pensando em respostas certas. Mas no dia em que te completaste, venceste-me. Sumiste na objectiva. Deste quarto levaste vida.

[João Silva]

quinta-feira, abril 28, 2005

Jardim

Sentados no banco do costume, adivinhávamos o futuro em milésimos de segundo. Serias enfermeira e eu salvaria o mundo. Talvez fosse o contrário, não me lembro, dirias tu agora, num tom de voz colocado, como se me quisesses simplesmente dizer que mudaste de lugar.

[Paulo Ferreira]

Quotidiano

Cruzamo-nos diariamente, como desconhecidos que somos. Cruzamo-nos, presos a gestos e movimentos, típicos de quem se sente observado. Somos vizinhos. Vivemos em andares e mundos próximos, mas separados. O nosso afastamento parece obra da eternidade. Mas, quando te observo do alto da minha varanda e te aceno com um sorriso silencioso, os minutos, os meses e os anos parecem juntar-se num momento de ilusão.

[Paulo Ferreira]

Indício de Verão 2

Três rapazes tentam adivinhar o modelo de saia ideal para uma mulher.

[Paulo Ferreira]

Indício de Verão 1

Um casal apaixonado lambuza-se no metro.

[Paulo Ferreira]

Mal por mal

Uma livraria famosa decide oferecer um livro de bolso a cada cliente. Os clientes, admirados com a generosidade alheia, decidem cooperar. Gastam dinheiro. Compram livros. Compram discos compactos. Compram. No fim, levam sessenta e cinco páginas grátis na algibeira e, claro, os bolsos vazios. Pechincha.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, abril 27, 2005

Poses e efemérides

Na prateleira das efemérides de uma livraria (espaço já de si suspeito), ergue-se imponente o novo sacerdote dos rebanhos, pouco cristãos, da literatura de drive in. Um tal de Jeffrey Archer sorria à elite dos bancos portugueses. Esta rapaziada, de gel no cabelo e óculos escuros dentro da loja, contente por fugir às maçadas de sustentar uma pose das 8h às 12h, vingou-se. E vingou-se mal. O tal Jeffrey Archer tinha uma mensagem simples para eles: embrulhou-se numa fita que dizia «O Livro de Cabeçeira de Dan Brown!» (o ponto de exclamação é exacto e é essencial). Com notas de 100 euros, diziam: «levo dois, um para oferta».
Com o Financial Times, o suplemento dos negócios e o Jeffrey Archer debaixo do braço, saíam da loja, com sensação de cultura, em direcção ao grande almoço das poses.

[João Silva]

segunda-feira, abril 25, 2005

Links FJV

Dois novos links, tardiamente, adicionados. Gávea e Livro Aberto, ambos mantidos pelo admirável Francisco José Viegas.

[João Silva]

25 de Abril II

A 25 de Abril de 1940, nascia, no Bronx, uma lenda da representação.


Al Pacino em The Godfather: Part III

Al Pacino para Diane Keaton em The Godfather: «That's my family, Kay. It's not me.»

[João Silva]

Emile Durkheim

Gostaria que alguém me dissesse qual é a razão que me leva a associar o Technorati a suicídio.

[Paulo Ferreira]

25 de Abril

A 25 de Abril de 1599, Oliver Cromwell nascia em Huntingdon, Cambridgeshire. De facto, há datas que não podem ser esquecidas.

[Paulo Ferreira]

domingo, abril 24, 2005

O silêncio

Em tempos de progresso, nada mais essencial do que escrever algumas banalidades sobre o problema do silêncio, que é um problema que me atormenta há muito tempo. Com efeito, parece que, de há uns anos para cá, o silêncio anda desaparecido. Percorre-se as ruas, num silêncio aparente, e logo aparece o turbilhão sonoro, tão característico dos grandes espaços urbanos. Dentro de casa, a mesma coisa (desde a incessante televisão aos ruidosos familiares afastados, todo o ambiente caseiro parece definitivamente afundado no barulho). No metro, há música. Parece ridículo mas é verdade. No metro, logo pela manhã, uma pessoa é inundada pela gritaria de um rapaz, que se diz cantor. Ou seja, por mais que um indivíduo procure um pouco de silêncio, não o consegue encontrar.

Ora, nada teria contra o facto de o mundo querer viver como se fosse um megabyte. Até fico satisfeito por ter o privilégio de falar quando quiser, e do modo que quiser. Afinal de contas, a liberdade de expressão é uma coisa bonita. O problema é que, com a ausência do silêncio, a capacidade de raciocínio de uma pessoa resume-se a um grande zero. Melhor, com a ausência do silêncio, a capacidade humana para o raciocínio metamorfoseia-se. Não desaparece, metamorfoseia-se. Torna-se numa capacidade baseada num negativismo intelectual frustrante. Isto é, o raciocínio torna-se no facilitismo, no deixa andar, na comunhão de conhecimento a la google, no que quer que seja, menos em algo que tenha que ver com inteligência.

[Paulo Ferreira]

Líderes «à direita»

Ao que parece, a lista de José Ribeiro e Castro prepara-se para surpreender, no seio do CDS/PP, os militantes (e aspirantes à «classe» política) mais inertes. Sobretudo, vai surpreender aqueles que viam, com lágrimas nos olhos, o abandono repentino de Paulo Portas da direcção do partido - não porque este personifica uma ambição inteligente (embora irrealista) e um talento natural para «vender» pequenos projectos, razoáveis ou não, a um grande público, mas porque Portas era o reflexo, em espelho limpo, do sonho dos jovens «doutores», de licenciatura na mão, que querem subir rapidamente na hierarquia, em direcção ao governo (perspectiva agora provada e atingível).

A substituição de um líder carismático (no entanto, com mais do que a visceral «partidarite» que tanto se alimenta do sentimento, como se via noutros partidos) seria sempre, não só difícil, como inevitavelmente prejudicial para um partido. A saída de Paulo Portas foi, certamente, o golpe de misericórdia em certas amarras que ainda ligavam, ao PP, franjas mais liberais e menos democratas-cristãs, mais «à direita» e menos seguidistas no que toca a entrar para cargos de Estado. Sobretudo, os últimos anos de Paulo Portas à frente do Partido Popular foram uma lufada de ar fresco num partido que nunca atingiu picos históricos sem os feitos ou artimanhas de figuras isoladas, como Amaro da Costa, Freitas do Amaral, Lucas Pires ou o próprio Portas.

Este foi um líder muito menos que perfeito. Aliás, o cruzamento de um ímpio calculismo político com um instinto natural para o populismo nem sempre deu os melhores resultados. Na verdade, o grupo de que se rodeou está cheio de pequenas imperfeições, de meninos catapultados da colagem de cartazes para o sapatinho e brilhantina, como João Almeida ou Mota Soares.
Mas Portas deixou um status quo que convém não perder e, sobretudo, não manobrar erradamente enquanto não houver homem indicado para o cargo. Há que ter em conta que «imitações» e repetições levam sempre a erros. Portanto, Nuno Melo, certamente uma boa opção (a minha opção) se lá me encontrasse, seria, nos anos seguintes, uma via a não tentar. Por outro lado, nessa linha, a manutenção de Telmo Correia (bom parlamentar, note-se) seria optar por um enorme vazio no meio do partido, vazio de presente, e vazio de futuro.

Ribeiro e Castro, a quem pouco dei crédito antes (e continuo na minha apatia) perfila-se como a via a escolher. Sério, experiente, bem-humorado, sem «pose de Estado» e com uma inteligente simplicidade e sensibilidade. Assim, para este rapaz mais conservador que quer continuar a viver mais anos em Portugal, Ribeiro e Castro pode ser a figura mais forte para manter ou enriquecer uma disposição mais descarada de rejeição do «Progresso Universal». Pelo menos, quero acreditar que sim.

[João Silva]

Desilusões

Notícia de última hora: segundo fontes não confirmadas, Mário Soares, profundamente desiludido com a eleição do novo Papa Bento XVI, pede ao Espírito Santo que proceda à dissolução do Conclave e do Sacro Colégio Pontifício que escolheram, erradamente, o rumo da Igreja.

[João Silva]

Miguel Esteves Cardoso

A ler, no DN, o artigo do mestre.

[Paulo Ferreira]

sábado, abril 23, 2005

Beethoven e "amigos"...

A propósito do tema abordado este ano na Festa da Música (que teve o seu início ontem), apenas algumas palavras. Tanto benevolentes como críticas.
A temática abraçada este ano tem muito interesse, por ser realmente incomum surgir um evento deste género onde se ouça não só a música de grandes compositores, como também de alguns dos compositores ditos menores frequentemente associados a esses grandes compositores. Nesta edição surge-nos Beethoven, bem como alguns dos seus "amigos"...

De facto, e reconhecendo que não só os grandes mestres podem ter o privilégio de ver as suas obras executadas, é louvável a recuperação de, por exemplo, Weber, Salieri, entre outros. O que, sendo um enorme ponto a favor desta iniciativa, não deixa também de ser algo descabido. Descabido porque, apesar de interessante, não é música com, a meu ver (e eu até percebo alguma coisa de música...), interesse artístico suficiente para poder ser executada em concertos deste tipo. Tem, sim, muito interesse didáctico. Posso até citar um concerto que me pasmou, quando o vi na programação, por ser inegavelmente inapropriado: "A Arte de Desligar os Dedos, Op. 699", de Carl Czerny, por Jean-Frédéric Neuburger. Reconheço que seja um recital de algum interesse, mas não para as pessoas sedentas de música, por uma razão muito simples, que se prende com a obra que irá ser executada. "A Arte de Desligar os Dedos" é uma obra admirável. Mas apenas para os alunos de Conservatório, que a têm que tocar (ou que a devem tocar...), pelo fim didáctico que a que esta está adjacente. Este livro é, meramente um livro de exercícios técnicos, não podendo nunca ser utilizado com fins artísticos, sob pena de influenciar decisivamente os ouvintes a jamais tornarem a um recital onde se ouça música escrita para piano. Ainda assim, e apesar do mau gosto na escolha, seria óptimo que os mesmos alunos de Conservatório decidissem assistir a este "espectáculo", para colocarem as peneiras de parte e pensarem nas suas limitações e no bem que lhes faz este tipo de obras à qualidade técnica (sim, porque estes meninos de Conservatório acham-se incríveis, mas não passam de... meninos).

Mesmo assim, posso dizer que fiquei bem impressionado com a organização, por esta não se ter poupado a esforços para presentear os ouvintes com grandes intérpretes como António Rosado, Nikolay Lugansky, Boris Berezovsky, Miguel Henriques, o Quarteto Ysaÿe, Tânia Achot, Olga Prats, e Jorge Moyano, entre muitos outros de enorme qualidade.

[Gonçalo Simões]

O Antonio's

Não sei se José Sócrates, o esquerdista moderno, inventou alguma daquelas decisões que tanto agradam à populaça, mas a verdade é que, as vezes em que sou proibido de ler em cafés, estão a aumentar para números preocupantes. Pode até ser que esteja errado, e que José Sócrates continue coberto pelo véu da invisibilidade. Acredito, até, que o pessoal do progresso não tenha feito circular missiva alguma pelos cafés do país a proibir a leitura de livros. Porém, não posso deixar de mostrar o meu descontentamento pela perseguição que me está a ser feita. Basta tentar pegar no livro pousado na mesa, que logo me aparece um empregado de bigode afiado a gritar, com toda a legitimidade do mundo, impropérios como «essa é que era boa!».

Diga-se que, isto não me acontece em todos os estabelecimentos. Porém, os estabelecimentos onde semelhante preciosidade não ocorre, são, pura e simplesmente, execráveis. Basta entrar num daqueles cafés com nome italiano para perceber que o progresso já lá entrou antes de mim. Desde as músicas da Britney aos carrapitos occipitais dos imberbes, tudo me leva a crer que é preferível ser proibido de ler por um vira-mexe qualquer, do que tornar-me crente de que ler livros faz mal aos olhos e afasta os olhares deslumbrados das raparigas casadoiras. É que, no meio disto tudo, encontram-se diferenças. Nos cafés castiços, onde me proíbem de ler, ainda existe a crença de que viver custa trabalho e sofrimento (por isso chego a ter alguma condescendência por aquele senhor de bigode, que acha que este rapaz deveria estar a fazer alguma coisa produtiva para a sociedade dele). Pelo contrário, nos cafés modernos, julga-se que a vida pode ser feita através de coisas como a felicidade eterna e a paixão louca. Julga-se que ler livros é mau porque causa enxaquecas. E isso irrita-me muito mais do que a simplicidade arrogante de um empregado de mesa.

[Paulo Ferreira]

Limitação de mandatos

«Os defensores da limitação de mandatos também argumentam com a corrupção. Os "dinossauros" seriam a corrupção: o horror sem nome da corrupção instituída. Daí a necessidade, e a urgência, de impedir que o povo, manifestamente estúpido e alvar os volte a eleger. Não interessa que o povo seja um gangster rival, com doze anos para encher o saco. Nem sequer interessa que ele escolha o sócio, o filho, o genro ou o cunhado do "dinossauro", criando assim uma pequena dinastia de "dinossauros". nada disso interessa: particularmente o facto de a rotação obrigatória incitar e promover a compra pura e simples de uma câmara pela compra do sucessor conveniente. Com a limitação de mandatos, alguns políticos, fingindo virtude, usam em seu proveito o ódio universal à "classe". O resto é conversa.»

Vasco Pulido Valente, Publico

[Paulo Ferreira]

Landscape painter

A 23 de Abril de 1775, nascia Joseph Mallord William Turner, em Londres.


Auto-retrato, 1799

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, abril 22, 2005

Turbilhão

Numa cama, dois corpos despidos de ideais entregam-se à volúpia. Cada um deles, à sua maneira, canta a canção dos afogados.

[Paulo Ferreira]

We don´t live here anymore



[Paulo Ferreira]

ouço o teu nome ao telefone

ouço o teu nome ao telefone, e
ninguém responde.
esqueço

a razão desta hora, deste ouvido
imóvel
na brancura de vidro,

que boca foi
a voz
igual à tua voz, e quase

como crescia a terra, a
inabitável,
como movia a água,

como ardia no chão de pedra nua,
como nas fontes brancas se perdia
.

- António Franco Alexandre, A Pequena Face

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, abril 21, 2005

Internet

«Olá!»
«Quem és?»
«O não-sei-quantos.»
«Vou dormir. Adeus!»

[Paulo Ferreira]

Ratzinger

A ler, dois posts interessantes no Desesperada Esperança e no Respublica sobre Ratzinger.

quarta-feira, abril 20, 2005

Encontro

Na última golfada de sangue, esperavas por mim, como quem espera a salvação. Esperavas por mim, ansiosa. Estávamos, então, nos tempos da ingenuidade. Depois, crescemos e tu percebeste que o amor não era um conceito aplicável aos tempos modernos.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, abril 19, 2005

And now for something completely ours

Na coluna de ontem do DN, Pedro Mexia relembrava a importância que tem, de momento, a vaga de «grandes traduções» para a língua portuguesa que tem chegado nos últimos anos, contrariando a escassez (com todo o respeito pelo esforçado tradutor, muitas vezes meritório conhecedor da língua) de traduções «dignas» de grandes obras de outras línguas. Escusado será dizer que, sem estes novos senhores, a tendência seria (na verdade, continua) para a anglicização da nossa consciência literária clássica.

Conhecer grandes obras em português torna-se hoje possível, graças a imensos esforços, dos quais destaco, pessoalmente, três: João Barrento (do alemão), Filipe Guerra e Nina Guerra (do russo) e Frederico Lourenço (do grego clássico). Provavelmente, sem estes senhores não teriamos Benjamin posto em dia, não teríamos o prazer de conhecer Dostoiévski e Tchékov como se os lêssemos em russo e, sobretudo, magno esforço, não leríamos, de forma alguma, Homero numa aparição tão virtuosa e literária (em vez de, como costume, inertemente literal) na nossa língua.

Por todas estas traduções, os portugueses deviam desfazer-se, cada dia mais, de gratidão por todos estes novos tradutores trabalharem para a nossa sobrevivência intelectual.

[João Silva]

Jornalismo coloquial

Na RTP, um segundo antes de se abrirem as cortinas que revelariam o novo Sumo Pontífice da Igreja Católica, o repórter disse estas exactas palavras: «Temos Papa!» (sic).

[João Silva]

segunda-feira, abril 18, 2005

Elogio a MEC

Há uns meses, Pedro Paixão afirmava, numa entrevista, que pouca gente prestava atenção à faceta literária de Miguel Esteves Cardoso. De facto, se se considerar que circulam pelos meios da comunicação social livros de autores de qualidade duvidosa, Miguel Esteves Cardoso é desprezado. Desprezado, apesar de os seus romances conseguirem ultrapassar, normalmente, a décima edição. A verdade é que, por muito que os livros de Esteves Cardoso sejam vendidos, ninguém fala deles. E, provavelmente, poucos os lêem.

Os romances de Esteves Cardoso, mesmo não atingindo a qualidade de obras de autores como António Lobo Antunes ou Agustina Bessa-Luís, conseguem superar muito do que hoje se escreve no nosso país. O Amor é fodido (título que é capaz de explicar muitas das vendas), por exemplo, é uma obra que deveria ser mais divulgada pela comunidade intelectual, como diria Miguel Sousa Tavares, a propósito das excursões de Eduardo Prado Coelho ao Brasil. Aqui fica um pequeno excerto: «Quanto mais longe, mais perto me sinto de ti, como se os teus passos estivessem aqui ao pé de mim e eu pudesse seguir-te e falar-te e dizer-te quanto te amo e te procuro, no meio de uma destas ruas em que te vejo, zangado de saudade, no céu claro, no dia frio. Devolve-me a minha vida e o meu tempo. Diz qualquer coisa a este coração palerma que não sabe nada de nada, que julga que andas aqui perto e chama sem parar por ti».

[Paulo Ferreira]

Se há filmes perfeitos...


Magnolia

[João Silva]

sábado, abril 16, 2005

Limitação de mandatos - sim ou não?

O Governo anunciou uma proposta para a aplicação de uma medida de limitação dos cargos políticos, cuja importância, para além da análise puramente constitucional, ultrapassa a ambivalência «esquerda-direita» ou o domínio do económico na organização do poder. A questão remete directamente para a objectiva vontade do eleitor individual (e, por conseguinte, do «eleitorado») em querer determinado político em determinado cargo e, por outro lado, para a prevenção contra a, já verificada, politização de um «emprego» vitalício. Resta verificar se esta medida essencial, caso seja bem aplicada, deverá respeitar a capacidade do eleitor de escolher representantes (e governantes) ou a independência, face a partidos «locais», de cargos públicos. Aqui, uma má escolha pode comprometer o futuro das liberdades do indivíduo face ao sistema político.

No entanto, e como parece óbvio, até as decisões mais benéficas trazem vantagens para quem as propõe e/ou aplica. E um Governo - com menos de um mês, com código de honra e código de silêncio, com ânsia de mostrar visão a quem neles votou - como o de José Sócrates não podia deixar de pensar nas eleições autárquicas. O que parece evidente, é que esta proposta traz a promessa de um forte abalo nos ainda resistentes «fortes» do PSD nos poderes locais, e com uma forte insinuação para o fim do governo de Alberto João Jardim na Madeira (que voltou em força com novo discurso de independência, iniciado no Congresso de Pombal).

Quanto a Alberto João Jardim, caso se concorde com a limitação de mandatos, é essencial ceder às desvantagens da proposta do PS, pois o peso que o PSD/Madeira angariou ao longo desdes 30 anos não é de todo positivo. Este PSD/Madeira é uma fatia importante, imprescindível, do PSD, mas necessita ser exorcizado, para que se possa, no futuro, olhar para a «estabilidade» das regiões autónomas com orgulho dos seus governantes.

[João Silva]

Fim

Venceste-me, vida,
com os teus ardis de mulher sábia, murmurando
no vento,
com a sedução do teu rosto belo onde arderam
os lírios.
O teu sol cegou-me.
As tuas candeias empurraram-me para a noite.
Ao compasso dos relógios fui deixando o amor
e a bondade.
Acabei.


-José Agostinho Baptista, Agora e na Hora da Nossa Morte

[João Silva]

sexta-feira, abril 15, 2005

The King of Comedy

Jorge Sampaio continua a dignificar Portugal fora das nossas fronteiras, aproveitando para lisonjear os franceses que duvidam do nosso «desenvolvimento», não por não termos referendado, mas por não termos legalizado o aborto. Aproveitou para dar a conhecer aos franceses a sua posição moral e política sobre um assunto que, espera, como sempre, que se venha a realizar «com serenidade».

[João Silva]

Free TV Show

No silêncio de um autocarro, duas jovens funcionárias públicas riem e falam alto sobre a sua vida sexual, durante 50 minutos. Perante uma audiência de 50 pessoas.

[João Silva]

quinta-feira, abril 14, 2005

Where does the blood go?

Os congressos partidários costumam primar pela emoção. De facto, congresso que seja congresso, não pode passar sem o suor, sem as lágrimas, enfim, sem o impudor dos políticos que, normalmente, «animam a festa». Por exemplo, não há congresso que dispense a presença de figuras como Luís Filipe Menezes, no caso do PSD, ou de João Soares, no caso do PS. Porém, apesar de a emoção ser uma constante em quase todas as reuniões partidárias, isso não quer dizer que o debate de ideias seja maior. Pelo contrário, a emoção impossibilita qualquer tipo de debate sério.

Apesar de tudo isto parecer óbvio demais para ser escrito, a verdade é que ainda existe gente que continua a pensar que os discursos «apelativos aos sentimentos dos eleitores» são os que mais interessam ao país e ao povo, porque são o mais verdadeiros e são os que vêm do coração. Não duvido que os discurso populistas venham do coração, nem sequer duvido da genuinidade de certos políticos. Duvido é que a ausência de políticos, como Santana Lopes, dos palcos televisivos faça falta a alguém decente.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, abril 13, 2005

Comer e calar

Duas raparigas conversam em falsete, e uma delas parece especialmente supreendida: «Mas fizeste isso a ele?», diz. «Fiz pois, já me conheces, sou frontal». «Mas é preciso ter coragem para acabar assim três anos». A outra esboça um sorriso: «Olha, todos sabem que eu não sou de comer e calar!». Saem de cena. Com uma delas de olhos brilhantes, orgulhosa do modelo de frontalidade que tem como amiga.

[João Silva]

Impossibilidade

Não posso reconstruir, com suor e argila,
os vasos quebrados,
não posso arrancar das minhas unhas o
nenúfar dos tanques,
o verde excessivo dos campos húmidos.
Não posso, com terna e doce voz,
edificar um novo cântico ou
uma nova casa sobre os escombros,
não posso beber o vinho,
nem desfolhar as rosas,
no profundo jardim dos amigos mortos.
Não me posso ver
nos espelhos malignos,
não posso recordar a dor de todos os
filhos perdidos, lançados ao mar.
Não posso viver.


-José Agostinho Baptista, Anjos Caídos

[João Silva]

terça-feira, abril 12, 2005

«O Eu e a circunstância»

O afastamento entre o «público» e os poetas parece cada vez maior. Provavelmente, a culpa é do «público», que não lê. De qualquer modo, os poetas portugueses, em geral, também não parecem querer que o «público» os leia. A entrevista que Nuno Júdice, um poeta que muito aprecio, deu ao DN é exemplo disso. Se a entrevista a Júdice tinha como objectivo cativar ou aproximar hipotéticos leitores, falhou. De facto, desde as desnecessárias opiniões políticas aos pretensiosismos excessivos, tanto as perguntas da jornalista como as respostas do poeta, roçaram um mundo, de certa maneira, ininteligível.

[Paulo Ferreira]

Um partido que não se reforma

Talvez devido à deliberada, mas enganosa, velocidade com que se elaboram «agendas» e elegem líderes novos no PSD, alguns já terão apelidado Marques Mendes de «outro Santana Lopes» ou, pior, de «outro José Sócrates». Não sei qual das afirmações terá menos direito a observações.
Isto porque, vendo a estrutura actual do PSD - construído (ainda que de barro) sobre a forte presença das «bases» caciquistas -, Marques Mendes é o melhor líder que se podia arranjar de momento, para «atacar» o governo durante as duas próximas eleições. Quanto à sua capacidade para ameaçar as longínquas próximas legislativas, já tenho imensas reservas. Mas uma coisa é certa: enquanto a facção liberal de partido continuar à procura de «líderes» fortes nessa área ideológica restrita, que absolutamente não existem, o PS governará sem oposição que mereça esse nome.

[João Silva]

segunda-feira, abril 11, 2005

Marques Mendes

Marques Mendes, um político com o qual não partilho muitas ideias, acaba de chegar à liderança do PSD e já é apelidado, por muitos, de «líder de transição». Como já referi anteriormente, não me agrada,especialmente,ver Marques Mendes à frente do PSD. Preferia alguém com o perfil de Manuela Ferreira Leite ou de Rui Rio. Porém, já que é Marques Mendes que está à frente do Partido, deve-se esperar que o senhor faça uma boa oposição ao Governo invisível de José Sócrates, assim como se deve esperar que Marques Mendes consiga restruturar o PSD sem o apoio de personagens ignóbeis como Morais Sarmento e Miguel Relvas. Aliás, se Marques Mendes conseguir afastar as hostes populistas da direcção do partido e se conseguir, igualmente, fazer uma boa oposição ao Governo, será um bom líder partidário. Marques Mendes não precisa de defender as ideias que António Borges defende para ser um bom líder de oposição, até porque é duvidoso que António Borges conseguisse aguentar todas as quezílias partidárias durante alguns anos de oposição. Assim, Marques Mendes poderá vir a ser um bom «líder de transição», se conseguir fazer aquilo que todos esperam que ele faça. Para conseguir tornar-se num bom líder de Governo, Marques Mendes necessitaria de fazer aquilo que ninguém espera que ele consiga fazer. Mas isso já é outra história.

[Paulo Ferreira]

domingo, abril 10, 2005

Two worlds


Penélope Cruz

[João Silva]

Uma intriga em Pombal

«Onde ele [Santana Lopes] aparece há circo e, desta vez, como se esperava, também houve. O PSD e, suponho, o grande público iletrado gostam daquele número: a vítima, a traição, o morto-vivo, a vingança. Que tudo isto seja um pouco indigno nunca preocupou ninguém. O resto do espectáculo é uma maçada sem alívio, com gente que se leva a sério a debitar inanidades sobre a pátria. Santana, ao menos, traz sempre a faca e o alguidar. Vai fazer falta.»

-Vasco Pulido Valente, Público, 10/04/2005

[João Silva]

sábado, abril 09, 2005

Ferreira Leite na Lista de Marques Mendes

Seria preferível Marques Mendes na Lista de Ferreira Leite.

[Paulo Ferreira]

Uma razão para não ir a casamentos

Segundo notícia do Público, a música Everything I do, de Bryan Adams, é a preferida dos noivos para a primeira dança de casados.

[Paulo Ferreira]

Mito do eterno retorno

Em vez de tecer comentários deselegantes sobre Santana Lopes, decidi, apenas, citar algumas inanes mas geniais expressões do senhor no Congresso de ontem. Fica-se a conhecer muito melhor Santana simplesmente ouvindo-o:

-«Não me mataram. Feriram-me gravemente, mas não me mataram.»
-«Não me despeço, não vou estar por aqui, mas vou andar por aí.»
-«Não me consigo distanciar, quero estar cá amanhã.»
-«De todo o país me escrevem a dizer 'continue'.»
-«Não sou daqueles políticos que, quando sai de presidente do partido desaparece e volta a aparecer depois como estadista.»
-«Inédito é estar na campanha a levar tiros de dentro da trincheira.»
-«Dei tudo o que tinha a dar, mais ou menos rouco, com mais ou menos febre.»

(via SIC Online e Público)

[João Silva]

Ausência

Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
magoa, que se limita à alma; mas que não deixa,
por isso, de deixar alguns sinais – um peso
nos olhos, no lugar da tua imagem, e
um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes
tivessem roubado o tacto. São estas as formas
do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
as coisas simples também podem ser
complicadas, quando nos damos conta da
diferença entre o sonho e a realidade. Porém,
é o sonho que me traz a tua memória; e a
realidade aproxima-me de ti, agora que
os dias correm mais depressa, e as palavras
ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de
mim – e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer-te que a tua ausência me dói.


-Nuno Júdice, Pedro, Lembrando Inês

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, abril 08, 2005

The Bush Dilemma

Vale a pena ler. Victor Davis Hanson, na NRO, pergunta: Why isn’t Bush as strong at home as he is abroad?

A sua análise das circunstâncias vem de seguida:
«(...) I think the answer lies instead in a strange paradox of George W. Bush and the optimistic prospects he has raised about solving problems of the first order. The President has shown himself so resolute in matters of foreign policy that he has raised the bar of his expected performance on the home front.

That is, by standing nearly alone in the Middle East, by never wavering in the face of unprecedented venom, and by weathering everything from Abu Ghraib to the televised beheadings, Bush has established himself a man of principle who welcomes the chance to offer unpopular but needed solutions to real crises.

But, on the domestic front, there are at least three critical issues that engage Americans Left and Right — and right now Social Security reform, as salutary as it could be, is unfortunately not one of them. In contrast, worry about long-term American financial strength, illegal immigration, and soaring energy prices most surely are.

(...) The president's critical strength — his bravery in the face of bitter status-quo invective, his worry more over history's verdict than polls of the hour, and his concern over the honor, rather than the mere happiness, of the American people — is either being untapped or is dissipated here at home. (...)

How odd that the more risk-taking and principled the administration's sense of purpose abroad, the more we demand the same at home — and thus feel it sorely when such tough leadership on what matters most to Americans is wanting. And that, I think, explains the paradox of why a president, in the midst of crafting one of the most successful foreign policies since World War II, can only convince half the population that they are, in fact, living in historic times.
» (sublinhados meus).

[João Silva]

Elogios

Compreendo que algumas pessoas sintam necessidade de elogiar João Paulo II. Compreendo até que as pessoas exagerem sempre um pouco nesses elogios. Afinal de contas, até o mais odioso dos homens, quando morre, torna-se santo. Tratando-se da morte de um Papa, é natural que os elogios sejam mais que muitos. Contudo, quando esses elogios enchem-se de contornos políticos, a condescendência, que está sempre ligada a essa compreensão, esvai-se em fumo. Por exemplo, ontem, Jorge Sampaio, elogiando os feitos de João Paulo II, afirmou, entre outras coisas, que o falecido Papa tinha sido um crítico acérrimo da Guerra do Iraque. Ora, este tipo de afirmações, não sendo falsas, são, no mínimo, demagógicas e deprimentes. Afinal de contas, qual seria o Papa que não se oporia a uma guerra?

[Paulo Ferreira]

Depois do nada

A toda a hora tenho vontade de te reencontrar, e dizer-te que morreremos em solos diferentes, inférteis, onde a vida não renasce.

[João Silva]

Encontro

Encontrei-te sentada num banco de autocarro. Sorrias, enquanto eu observava-te, como se quisesse interpretar o sorriso dos teus lábios. Como sempre, não nos falámos.

[Paulo Ferreira]

Retrato

A pedido de certos leitores, as fotografias passarão a ter nome.


Monica Bellucci

[Paulo Ferreira]

Invisible forgiveness

No último «adeus», soube que a frase acabava sempre assim. Quando as portas do comboio fecharam, não olhaste para trás, acabavas de entrar num dia novo.

[João Silva]

Waltzes


Byron Janis Plays Chopin Waltzes, Nocturnes & Mazurkas

Byron Janis tocando Chopin é, para mim, uma das melhores surpresas dos últimos tempos.

[João Silva]

quinta-feira, abril 07, 2005

Igreja, Progresso e Unanimidade

A unanimidade é tirânica. Aliás, exceptuando algumas pessoas mais cépticas, sensatas e conservadoras, tenho a certeza de que a maioria da população deste Mundo sonha com um Estado universal governado por todos, na base do «voto de braço no ar». Os líderes seriam escolhidos numa votação semanal por sms, e os temas políticos fulcrais propostos por delegados na faixa etária entre 18 e 23 anos. Com a adulação cega que se passou a ter, nas sociedades ocidentais, pelo «Jovem», tudo o que fosse novo e irreverente seria digno de ser agenda política. É esta a via que, cada vez menos moderadamente, o Mundo parece seguir: o governo da opinião pública, o domínio da Unanimidade.

Agora que já passaram alguns dias do falecimento de João Paulo II, e alguns dos novos beatos convertidos à pressa frente ao mediatismo das notícias deixaram arrefecer a sua curiosidade pela religião Católica, recomeçam, pontualmente, a emergir as questões do costume, sendo a Igreja Católica (universal) o alvo: preservativo, aborto, eutanásia, etc.
Temas importantes para nós, leigos, católicos ou não-católicos, mas que não significam nada de importante para a Igreja. E com toda a razão, é necessário sublinhar.

Há uma necessidade geral de chamar «tolerância» e «respeito pelos outros» ao estado ébrio que habitualmente reina entre as sociedades mais desenvolvidas na área da comunicação. Mas esse estado não é de «tolerância», é da vitória da unanimidade. Quem elevar mais a voz tem direito a mais tolerância. Tem direito a receber tolerância e reconhecimento por parte de todos os que não partilham dessa crença (ou desse vazio), mas não tem o dever de retribuir.
Os «velhos» são obrigados a tolerar os «jovens». Pois os «jovens» têm sempre razão, pois os «jovens» são criados no seio da evolução e das novas «Verdades». E a Igreja, ao que parece, para esses «jovens», há muito que é demasiado «velha» para ter voto na matéria.

Mas o que parecem ignorar é que a Igreja Católica (e outras crenças) não necessita evoluir conforme a opinião pública, e segundo os padrões, que nos dizem respeito a nós, dos Estados laicos de cada país. Aliás, essa «evolução» seria o fim da Igreja e, por conseguinte, o fim dos princípios que estão, e devem sempre estar, presentes como pilares espirituais de uma sociedade secular que se desenvolve independentemente. No entanto, pelo contrário, a «unanimidade» não descansará enquanto não converter os «intolerantes católicos» - que se limitam (na sua maioria) a expressar opiniões que não são institucionais mas sim básicas do pensamento da Igreja e, por conseguinte, básicas daqueles que resolveram dedicar a sua vida à mesma - à «evidência do Progresso».

Daí ao surgimento, neste século, de inúmeros padres e bispos progressistas vai uma pequena distância. Mas que parece ameaçar encurtar a distância em relação ao pensamento central da Igreja. A «tolerância» que os leigos da «unanimidade» parecem pedir a essa instituição religiosa é que venha cear com eles no «politicamente correcto», no «pensamento correcto» e na opinião pública. «Tolerância» essa que é digna dos piores «exercícios de estilo» da Revolução Francesa ou da Revolução Cultural de Mao. É esta noção de «tolerância» da Igreja que, sendo nós ardentes católicos ou devotos anti-religiosos, crentes ou ateus (estou algures no meio), apenas demonstra o quão ignorantes somos do nosso passado e da nossa cultura.

[João Silva]

Tear



[Paulo Ferreira]

Ticket to ride

Num momento de loucura, decido fazer link para um artigo de Eduardo Prado Coelho, no "Público". Porém, descubro que tal feito seria impossível de realizar, já que o «serviço agora é pago e reservado a assinantes». Fica para uma outra vida.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, abril 06, 2005

D. Alceu e os pobres

Fico estupefacto ao ouvir o cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, discursar sobre a vida e a morte de João Paulo II. Segundo D. José Policarpo, o Papa defunto combateu imenso, durante a sua vida, contra o «capitalismo desenfreado» (a expressão é dele). Ora, numa semana em que até os jornalistas pareciam rezar em directo do Vaticano, o candidato a substituir João Paulo II deveria ter resistido à sua grande tentação em falar sobre os seus (muitos) ideais políticos. Espera-se mais inteligência e isenção de um indivíduo que deveria divulgar os seus ideais religiosos, e não as suas opiniões sobre o capitalismo, presumo, americano.

[Paulo Ferreira]

Vanishing

Como é que se consegue admirar uma mulher que leia Dan Brown?

[Paulo Ferreira]

terça-feira, abril 05, 2005

From Serbia with love



[João Silva]

domingo, abril 03, 2005

Tragédia humana

«Gregos e troianos reconciliarem-se não é possível na Ilíada e não é possível na existência humana. Isso é que é trágico.»

- Frederico Lourenço, “Mil Folhas”

[Paulo Ferreira]

sábado, abril 02, 2005

Mudar

Luís Filipe Menezes, porta-voz da facção até agora reinante no PSD, vem afirmar que não tolera elites visionárias que se acham donas do partido. Ao dizer isso, Menezes não está preocupado com o partido ou com o país. Menezes está apenas interessado na manutenção de uma situação que, nos últimos anos, lhe tem sido favorável. Por isso é que não tolera António Borges, um político não assumido que representa a mudança. Contudo, Luís Filipe Menezes não está, certamente, sozinho. Atrás dele deve estar um coro de milhões de pessoas, que pensa viver um dia da subserviência ao Estado, a repetir a mesma coisa.

[Paulo Ferreira]

Direitas

Parece que falar sobre a direita está na moda. Toda a gente encontra problemas e soluções para a direita. Porém, há uma coisa que escapa à grande maioria dos colunistas de jornal: a direita não é uma massa compacta. Nem todos os que se sentem de direita são corporativistas ou liberais. Além disso, há um factor irreversível, que impede qualquer qualquer tipo de discussão racional sobre a direita em Portugal: não existe direita em Portugal.

[Paulo Ferreira]

Cherry blossoms

«Plumitivo» é, certamente, dos substantivos mais ousados e, ao mesmo tempo, mais odiosos que conheço. É por isso que preferirei sempre a simplicidade de um adjectivo como «plumoso» .

[Paulo Ferreira]

Borges e o Adamastor

Abomino o messianismo. Aliás, essa é uma das premissas que orientaram, muito conscientemente, o meu conceito do «melhor possível» em política, a noção de que a «direita» serve melhor o que penso sobre variadas coisas e, sobretudo, o que penso sobre o país. Mas ser de «direita» em Portugal é difícil. Aliás, ser de «direita» em Portugal é uma missão ingrata.
O «ser de direita», nos últimos tempos, tem estado muito associado a uma vontade, de certa juventude (e outros não tão jovens), de ser politicamente incorrecto de uma forma abrupta e impreparada, de remar contra a corrente, da cultura aos assuntos «sociais» (públicos). Um esforço admirável, que já conseguiu abrir uma brecha naquele que era, até há bem pouco tempo, o espaço cultural mais pró-comunista, justificando cada verso, prosa ou música medíocre como uma arma contra o «fascismo», ou elogiando essa mesma luta.

Mas esta nova corrente mais à direita tem a tendência de seguir o mesmo caminho que seguiam os mais activos na luta contra o regime, que é a obsessão ideológica e a fixação num homem (num perfil) para um cargo. O mesmo messianismo que antes certa gente dirigia à «Vontade Geral» e ao «Povo», parece agora ameaçar uma transladação para linhas de direita.
António Borges, com todas as suas ideias admiráveis (com as quais concordo) é um exemplo desta «ameaça». Há que conhecer Portugal para compreender que nada se muda em dois mandatos. Que, num sistema bipartidário bastante dividido (e agora já nem tanto) nas soluções apresentadas para a melhoria da relação receitas/despesas públicas, nada dura o suficiente para ser uma mudança significativa para melhor. E que, em Portugal, ser Liberal é uma empreitada frustrante, que corre o risco de se frustrar por mais de uma década se se apresentar Borges como um trunfo ideológico.

«Ser de direita» devia implicar outra coisa, ou seja, muito menos que isso. Pouco mais que «nada», em termos de miragens políticas. Miragens essas que nem Borges quer, nem os liberais querem, mas que em conjunto podem, subconscientemente, fazer emergir de uma juventude desesperadamente à procura de ícones. Miragens que, entre 1910 e 1975, fizeram do Estado português o Adamastor dos tempos modernos.

[João Silva]

sexta-feira, abril 01, 2005

The Outlaw Josey Wales



Furioso com a fuga de Josey Wales, o Senador Lane afiança a Fletcher, antigo companheiro de armas de Josey:
-Hell is where he's heading for!
-He'll be waiting for us there, Senator.


Josey Wales (Clint Eastwood) era um camponês pacífico perto do fim da Guerra Civil Americana, vivendo com a família algures na fronteira entre Kansas e Missouri. Paz quebrada pelo ataque bárbaro de uma companhia do exército da União, que queimam a casa de Josey Wales, massacram a sua família e, pela espada do líder dos «Redlegs» (bando de criminosos ao serviço da União), deixam um enorme corte na cara de Josey, que será uma marca, que não cicatriza nunca, do seu passado. Uma marca de um passado ao qual não poderá fugir nunca, que o acompanhará para todo o lado.
Depois disto, junta-se a um grupo que lutará ao lado da Confederação, ainda que à margem da lei, liderados por Fletcher. É o próprio Fletcher quem, nos momentos finais da Guerra, cede à União, de forma a conseguir paz. Igualmente atraiçoados pelos líderes da União, que dizimam os seus homens, Fletcher e Josey Wales seguem caminhos diferentes. Um seguindo a União. Outro fugindo dela.

É neste breve prelúdio que se reúnem as condições para Clint Eastwood realizar um excelente filme (baseado no livro Gone to Texas, de Forrest Carter), The Outlaw Josey Wales (1976) talvez um dos melhores westerns/westerns-spaghetti jamais realizados e, certamente, para mim, o melhor de Eastwood neste genre (na minha opinião, suplanta Unforgiven, que é um exercício mais pessoal e sentimental, despido do humor negro de Josey Wales).



É impossível esconder a presença imortal de Sergio Leone em The Outlaw Josey Wales. O próprio Clint Eastwood inúmeras vezes aponta dois «mestres» na sua paciente, sábia e sólida «escola própria de cinema». E esses dois «mestres» são Sergio Leone e Don Siegel, que dispensam apresentações, especialmente se pensarmos nas «séries» Fistfull of Dollars e Dirty Harry, respectivamente, os dois maiores palcos da aprendizagem de Eastwood no que toca a filmes (e personagens) de acção.

O filme conta, pois, com elementos «do mais puro Leone». O próprio facto de ser um dos maiores épicos realizados por Clint Eastwood (devido ao «espaço» do filme, que nos parece extraordinariamente abrangente, ao nível de Unforgiven, The Bridges of Madison County e Mystic River) o instala como um clássico incontornável do cinema americano já influenciado pela magnitude da visão italiana do cinema.
I reckon so (frase repetida vezes sem conta por Josey, ao melhor estilo do Inspector Callahan). A utilização da luz, que, ao longo dos anos, se tornou o atributo mais brilhante e exclusivo do cinema de Eastwood, já me parece dominada neste filme: a silhueta de Wales com o Sol por trás quando abre a porta, escurecendo a sua cara; os olhos de Fletcher (John Vernon, o Mayor do primeiro Dirty Harry) saindo da sombra, no fim; no tiroteio final, os olhos de todos estão tapados pela sombra dos chapéus, à medida que o som e a câmara (num excepcional grande plano das faces dos pistoleiros) aumentam a tensão; a sombra cobrindo parcialmente Wales na conversa com o caçador de prémios.



Mas não é só a luz que revela a mão de Leone no western de Clint Eastwood. Não há homens simples, apenas caricaturas, personagens, mesmo a personagem de Lone Watie, que conta a Josey Wales: «Here in the Nations, they call us the Civilized Tribe. They call us civilized because we're easy to sneak on». Há uma imagem em especial que nos parece transportar para um filme do próprio Leone, de tão clássica que é dos Fistfull of Dollars, e essa é a imagem dos «comancheros» quando encontram Laura Lee (ah, Sondra Locke...) escondida numa carroça, no meio de um assalto a uma caravana, pois todos têm um ar boçal, rude, pateta, extraordinariamente sujo e «impuro» (mais sujos ainda do que é normal nos westerns-spaghetti de Leone e Eastwood).

E depois há cenas memoráveis que deviam figurar no hall of fame do cinema, não só de Clint Eastwood ou de «filmes de cowboys», mas de todos os géneros. Uma das mais épicas cenas é quando Josey Wales vai resgatar Lone Watie e os colonos dos «comancheros», aparecendo no horizonte com o Sol por trás e o índio diz: Get ready, little lady. Hell is coming for breakfast. A cena do diálogo entre Wales e o chefe dos comanches, Ten Bears. E, por fim, não esquecer o encontro entre Josey Wales e o caçador de prémios:
-You one of those bounty hunters?
-A man has got to do something for a living these days...
-Dying ain't much of a living, boy...


Josey Wales não consegue encontrar a solidão, e por isso foge às amarras dos outros homens, em quem perdeu toda a confiança, mas que parecem surgir de todos os lados para perturbar a sua viagem de eremitagem. Despreza os outros, cospe no que é vulgar, ou seja, igualmente em cães e homens (mortos ou vivos).
Mas entende que pode e tem de recomeçar uma nova vida, que começa no momento em que acaba com o líder dos «Redlegs», o fantasma da vida destruída que não conseguia esquecer.
O fim é diferente dos finais «infelizes» que ficaram famosos nos filmes de Eastwood a partir dos anos 90. Josey Wales mata o último homem vivo, precisamente o líder da União que assassinou a sua família, com a sua própria espada, a mesma que marcou, na sua cara, a presença de um terrível passado que o perseguiu todo aquele tempo.
A sua última frase frente a Fletcher, que o deixa partir, é «I guess we all died a little in that damned war». É um frase de expiação do homem que foi, que marca o fim de um Josey Wales e o recuperar de outro.



The Outlaw Josey Wales, no entanto, é um filme subvalorizado, tal como muitos outros do currículo de Clint Eastwood, só agora «reavaliado» com a consagração do Óscar. Um filme subvalorizado, mas injustamente, muito injustamente, já que é um dos melhores de sempre no género de western, e o melhor western-spaghetti alguma vez realizado (se a memória não me falha) por um americano, que é o mesmo que dizer «não realizado por Sergio Leone». Portanto, merecerá The Outlaw Josey Wales, mesmo num genre arriscado, um lugar no meio dos melhores filmes de sempre? I reckon so...

[João Silva]

Humildade

A humildade fica sempre bem ( lugar-comum), principalmente em figuras públicas. António Borges, numa entrevista que saiu hoje no Público, soube ser humilde ao afirmar que está disponível para contribuir para o PSD como mero membro de equipa. Porém, não posso deixar de ficar espantado com um senhor que diz que não tem legitimidade para reclamar o lugar de primeiro-ministro e que, ao mesmo tempo, dá consentimento aos jornalistas para que façam dele um salvador da pátria.

[Paulo Ferreira]

Citar só por citar

«Não sei porquê mas a bondade anda sempre associada à simplicidade; até a uma certa estupidez

-Miguel Esteves Cardoso , DNa

[Paulo Ferreira]

Marques Mendes & Luís Filipe Menezes

Hoje, os dois candidatos à liderança do PSD encontram-se, na SIC Notícias, para debaterem «ideias». Um frente-a-frente é sempre interessante, mesmo quando desse frente-a-frente não possa sair nada útil, ou relevante. Em todo o caso, o confronto entre Marques Mendes e Luís Filipe Menezes servirá, pelo menos, para que os telespectadores ganhem real noção do vazio que tomou conta do PSD nos últimos anos.

[Paulo Ferreira]

Everyone Says I Love You


[Paulo Ferreira]