quarta-feira, dezembro 29, 2004

Uma Tarde na Livraria

Cinco da tarde. Numa insuspeita livraria no centro da cidade, é dado o grito de guerra entre dois indivíduos:
- Olha aqui o que encontrei! “Jaime e Outros Bichos” do J. P. Coutinho!
- Hum!? Mostra ai… Epá!
- Este já cá canta.
- Onde é que viste? Há mais?
- Foi aqui. É o único.
O individuo deixado sem livro deita um olhar azedo para o sorridente vencedor, movimentando-se para outra prateleira dizendo:
- Também não queria…

Na nova prateleira, o vencido pega num outro livro e começa a folheá-lo. De trás aproxima-se o colega dizendo:
- Já tenho esse…
O outro interrompe-o abruptamente.
- Ninguém te perguntou nada.
- Oh! O que tu precisas é disto. – Enquanto pega com uma das mãos um outro livro de seu título “Cultura”.
- Olha este!... Vai ler livros pá!
- Deves ter na mania.
- Tu só lês é Franceses!
- Ah bons livros de autores franceses.
- Psss… Ainda tens que ler muito para poderes falar deste livro. – Pegando nesse momento na “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” de Max Weber.
- Vou ver a poesia.
- Já estive a ver. – Dizendo com um sorriso matreiro por entre os lábios.

Estes diálogos passados entre duas personagens aqui do blog poderiam muito bem ser invertidos entre os personagens que a coisa ia dar exactamente ao mesmo. Esta foi uma tarde perfeitamente natural, sendo que existia algum dinheiro no bolso pronto a ser gasto. Aqui na casa a luta pelos livros equivale, sem tirar nem pôr, a uma pequena guerra civil num pequeno país. No fim do dia existem os vencedores e os vencidos.
E todos nós já fomos quer uns, quer outros. Depende sempre de vários factores, a velocidade (nós já corremos para as estantes), a força (as cargas de ombro são um factor crucial na busca do posicionamento certo), a visão (os olhos mais lestos são aqueles que primeiro vislumbram o prémio) e claro está, o encaixe financeiro do momento (qual financiamento para comprar uma kalachnikov). Os insultos mordazes têm ainda um objectivo claro, a desmotivação do inimigo por força das palavras.
Como eu adoro estas tardes…
[Tiago Baltazar]