sexta-feira, dezembro 31, 2004

Elogio ao editorial

Há uns meses, custava-me muito gastar uns, mesmo que míseros, cêntimos com o “Diário de Notícias”. Se calhar não me custava, já que não o comprava muitas vezes. Mas, tinha pena do jornal e das pessoas que gostavam de o ler diariamente (Pedro Mexia, Pedro Lomba, Miguel Esteves Cardoso, Vasco Pulido Valente e Vasco Graça Moura não escrevem todos os dias e, além disso, Luís Delgado não é assim tão bom comediante como se diz). No entanto, com esta remodelação editorial que se sucedeu no jornal, dou comigo («dou comigo»?) a comprá-lo diariamente, sem me envergonhar por andar a esbanjar dinheiro do Estado tão futilmente. Tudo por causa de Miguel Coutinho e dos seus editoriais. De facto, são editoriais que valem a pena ser lidos e que, nostalgia das nostalgias, trazem saudade dos antigos editoriais de José Manuel Fernandes no “Público”. Porém, nem sempre Miguel Coutinho escreve e, a angústia, nos tais dias em que o homem não escreve, torna-se quase insuportável.

Já agora, para os leitores mais desatentos, fica aqui um cheirinho do que se poderá encontrar nas linhas de Miguel Coutinho : “A política portuguesa , de tão previsível, escorre tédio. Falha de ideias, vai perdendo o sentido do real – sem linhas orientadoras para o País, as máquinas entretêm-se com a criação de momentos únicos de nonsense. Discutir se Manuela Ferreira Leite é ou não é mandatária de Santana Lopes ou descobrir qual o lugar de Paulo Pedroso nas listas de José Sócrates é um exercício supérfluo. É nisto que andamos: partidos reféns de um tráfico político em que nomes, só os nomes, escondem a vacuidade do conteúdo. “

[Paulo Ferreira]

O melhor deste ano


[Paulo Ferreira]

Eva penteia-se

Eva está a pentear-se. O cabelo dá-lhe luta. Daqui a um mês ambos farão vinte e um anos. É muito. As pessoas têm a mania de comparar a idade delas com a idade do mundo. Ainda não perceberam que, quanto mais duram as coisas, menos sentem. Quem quer ser uma montanha? Eu não. Uma montanha ainda vê menos que um anel. Sempre aquela paisagem. Turistas parvos e alpinistas, quando se tem sorte. Não há palavras para descrever a impaciência que nos provoca a velocidade da erosão ou a monotonia do ritmo das plantas, do céu e do mar. As pessoas acham-nos bonitos porque só olham para eles durante um bocadinho. No máximo uma hora e, mesmo assim, requer um sujeito muito contemplativo.
A vida humana, por muito estúpida e má, é mais interessante. De qualquer forma, o mundo está quase a acabar – como tem sempre de estar, desde que se criou, para que haja um mínimo de incitamento para continuar. Em contrapartida, o facto de piorar a olhos vistos, atendendo sobretudo ao facto de ter sido sempre um lugar miserável, é irreversível e não tem utilidade prática.


Miguel Esteves Cardoso, A vida inteira

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, dezembro 30, 2004

Expecting

Percorro as ruas deste bairro, em busca de um eco que já se calou há muito. Sei que as probabilidades de o encontrar são poucas. Não tenho esperanças. Desejo apenas respirar um pouco daquele ar que me absorvia os pulmões. Desejo apenas penetrar naqueles tempos que nunca vivi (como é difícil admitir que nunca os vivi). Percorro as ruas. Desfeito. Transfigurado por um vendaval de recordações. Imaginadas.

[Paulo Ferreira]



Lack of goodbyes

Detestavas as minhas opiniões, não o escondias. Juravas que me odiavas. E, no entanto, adorava a forma como nos entregávamos um ao outro enquanto nos ignorávamos mutuamente.

[João Silva]

Cold memories of me

De noite, ao falar contigo depois de já lá não estares, emudecias ouvindo os meus disparates de amante enlouquecido, tornaras-te uma sombra. Com o tempo, aprendi a perceber que tinhas mesmo partido de vez, e que o frio na cara, que me servia como resposta, não era mais que a tua ausência.

[João Silva]

All over you

Encontrei-te naquele bar que tanto detestava (e que tu tanto adoravas). Encontrei-te acompanhada. Preferia que te tivesse visto sozinha. Não que isso mudasse alguma coisa nas nossas vidas. Continuaríamos indefinidamente desencontrados. Mas, pelo menos, o sonho não teria acabado.

[Paulo Ferreira]

Para o meu amor, com todo o silêncio que gastámos

Era assim que começava a carta que nunca te enviei.

[Paulo Ferreira]

Mais e Menos de 2004

Os 3 pontos MAIS de 2004:

1- A vitória de Gorge W. Bush em Novembro deste ano. O Presidente republicano começou o ano ridicularizado e enquadrado em caricaturas de todo o género. Acabou o ano no «topo do mundo», respeitado por muitos que menorizavam a sua capacidade de liderar um país. Os grandes líderes nascem da discórdia. Churchill e Reagan são duas figuras lendárias, mas Bush não lhes ficará atrás, pois tem, à sua frente, mais 4 anos de luta contra o terrorismo, cabendo-lhe a linha da frente enquanto a Europa assiste incrédula. Triunfou, sobretudo, a vontade de ganhar um combate contra a barbárie, que não acabará por si mesmo, e de não virar a cara à luta contra o terrorismo.

2- A queda dos últimos espectros da União Soviética a Leste. A nuvem negra da póstuma URSS/CEI parecia dissipada de vez, mas não estava, nem está. O nacionalismo regionalista pseudo-independentista caminhava lado-a-lado com os afiliados «soviéticos», num ombrear que não trazia virtudes à Europa do Leste. Começaram a cair os «velhos regimes» e a surgir figuras com vontade de pôr uma pedra no assunto, de vez. E mais, a Turquia, um farol para a nossa visão de um Próximo Oriente preferível, está noiva da UE. Vem aì a «Nova Europa».

3- Todos os blogues em Portugal e/ou de língua portuguesa. A imprensa pseudo-imparcial vai-se sensacionalizando, seguindo apenas as mentalidades comezinhas, assassinando o velho hábito de, isso sim, formar mentalidades. A blogosfera vai, pouco a pouco, usurpando o lugar de destaque na informação em Portugal, tanto nas primeiras impressões como nas grandes reflexões. Se exceptuarmos uma ou outra linha «editorial» da blogosfera, temos perante nós blogs de grande qualidade.

Os 3 pontos MENOS de 2004:

1- As politiquices orwellianas e o debate político em Portugal. As perspectivas de uma quase «ditadura dos caciques» em Portugal, da parte de qualquer partido que seja, são assustadoras. É a vitória da maquilhagem, tempo de antena e frases feitas como trunfos eleitorais. O político de campanha veio para ficar (ganhe quem ganhar em Fevereiro).

2- O terrorismo mundial. Os planos agora levam apenas algumas semanas a concretizar. As armas (use your imagination) de grande porte são, agora, quase invisíveis aos olhos das grandes potências mundiais. A ilegitimidade do «mercado negro» do armamento dissolveu-se no interior de uma rede internacional de organizações terroristas que, apesar de especificidades nacionais e culturais, confirmaram a sua direcção global: o fim da civilização tal como a conhecemos. Os raptos de inocentes, as decapitações ao vivo, os massacres étnicos, o pan-arabismo doentio e anti-judaico, as bombas em carros são apenas algumas das grandes estratégias terroristas que, depois do 11 de Setembro, abriram um inimaginável e assombroso leque de possibilidades.

3- O maremoto ao largo da Indonésia, que arrasou as zonas costeiras da região. As catástrofes naturais parecem longínquas para nós, mas não são. O nosso superior estado técnico e cultural não nos protege da sempre poderosa Natureza. A tragédia, no entanto, desta vez, foi atribuída a uma das regiões mais pobres do Mundo. A miséria em que a esmagadora maioria já vivia revelou-se insuficiente para confirmar o seu destino. A Natureza mostrou, uma vez mais, que não escolhe datas nem locais convenientes.

[João Silva]

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Uma Tarde na Livraria

Cinco da tarde. Numa insuspeita livraria no centro da cidade, é dado o grito de guerra entre dois indivíduos:
- Olha aqui o que encontrei! “Jaime e Outros Bichos” do J. P. Coutinho!
- Hum!? Mostra ai… Epá!
- Este já cá canta.
- Onde é que viste? Há mais?
- Foi aqui. É o único.
O individuo deixado sem livro deita um olhar azedo para o sorridente vencedor, movimentando-se para outra prateleira dizendo:
- Também não queria…

Na nova prateleira, o vencido pega num outro livro e começa a folheá-lo. De trás aproxima-se o colega dizendo:
- Já tenho esse…
O outro interrompe-o abruptamente.
- Ninguém te perguntou nada.
- Oh! O que tu precisas é disto. – Enquanto pega com uma das mãos um outro livro de seu título “Cultura”.
- Olha este!... Vai ler livros pá!
- Deves ter na mania.
- Tu só lês é Franceses!
- Ah bons livros de autores franceses.
- Psss… Ainda tens que ler muito para poderes falar deste livro. – Pegando nesse momento na “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” de Max Weber.
- Vou ver a poesia.
- Já estive a ver. – Dizendo com um sorriso matreiro por entre os lábios.

Estes diálogos passados entre duas personagens aqui do blog poderiam muito bem ser invertidos entre os personagens que a coisa ia dar exactamente ao mesmo. Esta foi uma tarde perfeitamente natural, sendo que existia algum dinheiro no bolso pronto a ser gasto. Aqui na casa a luta pelos livros equivale, sem tirar nem pôr, a uma pequena guerra civil num pequeno país. No fim do dia existem os vencedores e os vencidos.
E todos nós já fomos quer uns, quer outros. Depende sempre de vários factores, a velocidade (nós já corremos para as estantes), a força (as cargas de ombro são um factor crucial na busca do posicionamento certo), a visão (os olhos mais lestos são aqueles que primeiro vislumbram o prémio) e claro está, o encaixe financeiro do momento (qual financiamento para comprar uma kalachnikov). Os insultos mordazes têm ainda um objectivo claro, a desmotivação do inimigo por força das palavras.
Como eu adoro estas tardes…
[Tiago Baltazar]

A novela

Normalmente, quando vejo noticiários televisivos, dá-me uma vontade imensa de rir. Ao ver as notícias sobre a tragédia asiática apercebi-me disso mesmo . Como é que um jornalista, por mais ingénuo que seja, tem a coragem de pôr-se ao encalço de filhos que tinham a certeza que encontrariam as mães? Ou como é que um jornalista tem a capacidade para criticar António Monteiro e o seu ministério por prováveis atrasos e por falhas de comunicação numa tragédia destas dimensões? Julgo que isto só dá mesmo para rir.

[Paulo Ferreira]

Esperança

Afinal, temos leitores que não olham apenas às diferenças.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, dezembro 28, 2004

Elephant



Vi, finalmente, Elephant, de Gus Van Sant. As minhas reservas em relação ao realizador (e, normalmente, argumentista) limitam-se muito a um ponto, a uma característica má (quem sou eu para dizer que é «má»): uma subtileza narcisista patente em diversas das suas personagens que, naturalmente, se passeiam pelo mundo terreno contendo uma sapiência ou uma cultura inigualáveis por físicos, matemáticos e grandes cátedras de literatura, enquanto assobiam e coçam o traseiro. O génio que se negligencia a si e aos que o rodeia por vezes cansa em Van Sant, não deixando de se enquadrar em filmes muito bons, e com um sentido das relações humanas excepcional. O aparente pretensiosismo não «suplanta» a inegável qualidade do argumento e, mais importante, a excepcional «escola» de filmagem que Van Sant parece dominar.

Elephant não é Good Will Hunting. Não há génios incompreendidos, apenas rapazes e raparigas normais numa vida normal passada numa cidade indistinta dos Estados Unidos. Sobretudo, o argumento está despido de preconceitos contra a sociedade de «competição» opressora que, normalmente, brotaria de todos os poros em filmes abordando o mesmo tema (e não vale mesmo a pena falar do Bowling for Columbine, do tipo do boné...). A forma como Alex e Eric chegam à posse de armas é completamente normal - não há um clima de suspeição ou tensão na forma como procuram armas e as compram. E o próprio John, o good chap, combina ir à caça com o pai com a arma do avô.

A parte final do filme, do «massacre», está aterradora. A tensão que se cria, na nossa relação com o próprio personagem de Alex, é assustadora. Desde cedo sabemos que aquilo vai acontecer. Mas a frieza com que acontece é tremenda. É um miúdo «assustado» como qualquer dos outros, qualquer membro daquela escola. Não tem mais, nem tem menos, razões para entrar na escola armado. E, no entanto, fá-lo. É esse o grande retrato que parece transparecer dali. O retrato que devemos ver e compreender o mais rapidamente possível: que situações daquelas não acontecem porque os rapazes tenham razões para assassinar alguém, mas porque deixaram de ligar às razões para não o fazer.

É um grande filme. Um filme, passe a expressão comercialóide, frio e assustador. A realização, os planos de câmera deixando-nos conhecer e familiarizar com a escola, as cross stories que, no fundo, são uma só história de destino comum (não uma damnação, mas simplesmente o facto de estarem condenados), e a ambiência de normalidade juntam-se para criar um segundo mundo para além do filme. A Sonata ao Luar sempre ressoando no fundo cobre os acontecimentos de um pano ao mesmo tempo lírico e sombrio. O que mais nos assusta neste filme é a normalidade dos dias, ou das horas, que se seguem, na vida de cada um, como se não soubessem o que se viria a passar - é a constatação da fragilidade de cada um de nós, ao mesmo tempo vítimas e culpados de uma mesma condenação à morte. No fundo, o que mais nos aterroriza no filme é que, por mais que mantenhamos os sujeitos problemáticos agrilhoados ou presos com camisas de força, nunca sabemos quando pode chegar a nossa altura de passar pelo mesmo, de ser Alex...

[João Silva]

Leitura



Although millions of Americans found the behavior of the French exasperating, many initially responded in a characteristically American way: with humor. «You know why the French don't want to bomb Saddam Hussein?» asked television comedian Conan O'Brien. «Because he hates America, loves mistresses, and wears a beret. He is French, people.» Every evening seemed to bring a new late-night laugh. «I don't know why people are surprised that France won't help us get Saddam out of Iraq,» joked Jay Leno. «After all, France wouldn't help us get the Germans out of France.»

- John J. Miller & Mark Molesky, Our Oldest Enemy

P.S.-Para anglófilos mas não só, uma leitura recomendada...

[João Silva]

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Razão tinha o outro que os matou

Se viajar em autocarros velhos e fétidos é mau, viajar em autocarros velhos, fétidos e sobrelotados de jovens na idade da masturbação é pior ainda.

[Paulo Ferreira]

Prémios

Prémios a sério no artigo de Eduardo Cintra Torres no "Público" (finalmente alguém que deixe para trás o clima meloso que se vive dentro e fora da blogosfera) . Entre as várias distinções de Eduardo Cintra Torres está o programa Eixo do Mal ("Prémio Inutilidade") , " apresentado, protagonizado, iluminado e dominado pela grande escritora Clara Ferreira Alves".

[Paulo Ferreira]

domingo, dezembro 26, 2004

Quarenta minutos

Quarenta minutos, foi o tempo que aguentei a ver o “Jornal Nacional” da TVI. Durante esses quarenta minutos, só tive aceso a uma única notícia que, por sinal, já há meia dúzia de horas deixara de ser notícia para ser novela. Se não me engano, essa notícia a que tive acesso informava os telespectadores sobre um trágico terramoto, ocorrido no sudeste asiático (ou seria sobre o trágico desaparecimento de um bebé durante o terramoto?).

A minha principal causa de espanto, durante os já referidos quarenta minutos, para além da habitual exploração ao máximo da dor humana, foram os próprios quarenta minutos. Bem sei que a TVI tem os seus próprios investidores e que , por conseguinte, tem uma forma de fazer televisão independente das necessidades públicas. No entanto, não deixa de ser deprimente assistir a um telejornal que renuncia aos mais básicos valores morais para ganhar dinheiro e audiências. Para ser mais deprimente, só faltava a presença de um jornalista que fizesse, em directo, a seguinte pergunta a um daqueles seres destroçados pelo terramoto: “Agora que perdeu a sua família e os seus amigos, diga-me lá como se sente?”. Para ser ainda mais deprimente , só faltava aparecer um jogador de futebol a seguir à tragédia.

[Paulo Ferreira]

Tiny Tears

Recordo, ao som de uma música melosa, o ano que acaba. Dá vontade de escrever banalidades. Penso, também, no ano que virá. Não será melhor. Nem pior. Talvez igual. Portugal continuará triste, deprimente. O mundo também. O Homem, animal que é, continuará a sentir uma grande necessidade de ser controlado pela autoridade, pela lei. Eu envelhecerei mais um ano enterrado na minha insónia permanente, no anonimato, sem ninguém para turibular. O amor, esse, continuará distante desta alma vazia e desinteressante, continuará a ser apenas mais uma palavra no meio de um vocabulário tão limitado.

[Paulo Ferreira]

Da imprensa

“Apesar de estar a cair aos trambolhões, o governo anuncia mais um dos seus planos para reformar a educação. Desta feita, promete introduzir o inglês no ensino obrigatório a partir dos oito anos de idade. Os socialistas já disseram que sim. Na expectativa de alargamento de emprego, os professores também. Muito bem. É como na Europa, dizem todos. E por que não física nuclear, cristalografia e antropologia? O nosso sistema de ensino não é capaz de ensinar decentemente matemática ou física, nem sequer português. Também não consegue obter médias mínimas aceitáveis nos exames do secundário, nem organizar os doze anos de escolaridade. E é incapaz de trazer para as escolas as artes ou a música. Mas quando cheira a modernidade... Nem que seja só no papel, nas leis e na propaganda. Talvez, afinal de contas, não seja algo assim de tão diferente!
Certo é que, com o inglês, tudo será mais fácil. Com a ajuda da televisão, do cinema, da Internet e da música “pop”, os alunos portugueses vão revelar insuspeitos talentos. Proponho mesmo que se vá um pouco mais depressa. Que o inglês seja obrigatório a partir dos seis anos ou do jardim-escola. E português, só aos oito, como primeira língua estrangeira. Optativa, está de ver!"

António Barreto, “Público

[Paulo Ferreira]

sábado, dezembro 25, 2004

Sairmos para onde

Sairmos para onde
se viver numa cidade é isto mesmo,
passar em ruas diferentes, finitas,
ir vendo outros espíritos
com insónias, falta de inspiração
maus casamentos,
que se cruzam e quase tocam,
ao de leve, o chapéu
que não usam, como quem reconhece
companheiros, gente
que trocava tudo o que tem e nem assim
ficava contente,
rostos mais velhos que ontem à noite,
quase pais de si mesmos
comparados com madrugadas
mais antigas. Homens
todos eles, vestidos como quem não ouve a meteorologia,
com cigarros, moedas
nos bolsos, uns papéis nas mãos,
um jornal que não leram.
Saímos todos hoje,
com as luzes dos candeeiros públicos
a tornar as olheiras cicatrizes
mas a certa altura
já está tudo fechado,
as ruas esgotaram-se ou são perigosas
e todos, por mais escuro
que seja o seu coração,
têm, ao contrário
dos que dormem ao relentouma chave e uma cama.


Pedro Mexia, Eliot e Outras Observações

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, dezembro 24, 2004

Sublimada

Um velho livro na estante, cansado de acumular pó. Não gostavas de ler.

O nosso amor. O meu amor. Por ti. A tua amizade. Por mim. Não me amavas.

As intragáveis refeições que partilhávamos, como se estivéssemos a beber veneno pelo mesmo copo. Andavas com a mania do progressismo.

O céu. Aquele céu, indescritível, que nos resguardava das intempéries nos dias de mau humor. Quem te tirasse as tardes azuis, tirava-te tudo.

O medo. De te perder. De me perder. Em ti. Em mim.

[Paulo Ferreira]

Naqueles dias...

Naqueles dias bonitos em que me sentava num banco vazio, mesmo em frente ao teu prédio, imaginava que saías de casa com um sorriso resplandecente, cheio de frases feitas, para me enterneceres a alma. Eram dias bonitos. E vazios, como se quer.

[Paulo Ferreira]

Momento MEC II

«Quanto mais longe, mais perto me sinto de ti, como se os teus passos estivessem aqui ao pé de mim e eu pudesse seguir-te e falar-te e dizer-te quanto te amo e te procuro, no meio de uma destas ruas em que te vejo, zangado de saudade, no céu claro, no dia frio. Devolve-me a minha vida e o meu tempo. Diz qualquer coisa a este coração palerma que não sabe nada de nada, que julga que andas aqui perto e chama sem parar por ti

Miguel Esteves Cardoso, O Amor é Fodido

[Paulo Ferreira]

Momento MEC I

«O que custa não é tanto lembrar – é não esquecer. O que é que se faz com o que nos fica na cabeça, quando já não há nada para fazer?»

Miguel Esteves Cardoso, O Amor é Fodido

[Paulo Ferreira]

Halo

Naqueles dias como tantos outros, fazias por chegar tarde ao nosso encontro, apenas para saberes que eu te esperaria, no mesmo sítio, uma lenta eternidade.

[João Silva]

quinta-feira, dezembro 23, 2004

Se tivesse 50% de desconto...

Ontem, num dos raros momentos em que me sento em frente a uma televisão ( não quero com isto ser pretensioso) , vi um despudorado Morais Sarmento a fazer a inevitável apologia a um pequeno «livro» que não tem razões para existir. Não me lembro do título do livro, mas, supostamente, é um livro sobre o Orçamento de Estado. Supostamente.

Bem sei que o Governo de Santana Lopes sempre quis ajudar o povo português desde o início. Bem sei que aquele folheto defendido por Morais Sarmento, que deveria cingir-se apenas ao orçamento, faz parte dessas preocupações de Santana Lopes para com o bom povo. Porém, o bom povo não o quer ler, nem sequer ouvir falar de orçamentos. Pelo menos, foi o que ontem me pareceu quando passei pelas ruas do Chiado e vi as lojas sobrelotadas.

[Paulo Ferreira]

Let the lady sing



[João Silva]

quarta-feira, dezembro 22, 2004

Anna Akhmátova

A porta entreaberta,
como cheiram as tílias.
O pingalim, a luva
na mesa esquecidos.

A luz, rodela triste...
A noite a restolhar.
E porque te partiste?
Para mim não é claro...

Amanhã será alegre
e clara a madrugada
Como esta vida é bela,
ó meu coração, calma.

Cansado, e te senti
tão surdas as pancadas.
Mas ouve o que eu li:
Nunca morrem as almas.

Anna Akhmátova (1911)

tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra

[Tiago Baltazar]

A lagartixa e o jacaré

«Chegada de Santana Lopes a primeiro-ministro empurrado pela acefalia do PSD face ao poder. Se as estruturas do partido se tivessem lembrado da frase de Sá Carneiro sobre como o País deve estar à frente do partido, nunca tinham embarcado numa situação que desprestigia o partido e lhe hipoteca o futuro.»

José Pacheco Pereira, in Sábado

[João Silva]

terça-feira, dezembro 21, 2004

Janela

Sabes, hoje passei à tua janela. Continuava fria e triste, como sempre. Apesar disso, deu-me vontade de te procurar. De me ajoelhar a teus pés. De te confessar que, apesar de tudo, a minha vida continua uma desgraça.

[Paulo Ferreira]

Degrau

Continuamos a encontrar-nos. Nesta folha, nesta caneta. Nestas letras que se apertam sussurrando o teu nome, dizendo que não foste - que deixaste os teus pertences na mesa, e a porta entreaberta para o teu regresso. Letras que sussurram o teu nome e o meu, numa rápida e repetitiva sucessão de mentiras, escondendo a verdade lapidar escrita a sangue no primeiro degrau: adeus.

[João Silva]

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Palavras para quê?

"O desconchavo do presente Governo talvez tenha sido demasiado flagrante, porque o presente Governo resultou de uma decisão grotesca. Mas convém não apascentar ilusões: de Fevereiro em diante, sairá das urnas mais do mesmo. Mais governos, mais balbúrdia, mais vazio, mais indignação. E, em conformidade com a vocação pátria, mais saudade. Um dia, quem sabe, teremos saudades de hoje, uma ideia tão ridícula quanto a de haver hoje quem guarde saudades de ontem."

Alberto Gonçalves, Sábado

[Paulo Ferreira]

domingo, dezembro 19, 2004

If you were here

A presença do meu corpo no teu espaço. Duas pernas agarradas, como se fossem uma. Os dias belos. As noites gloriosas. A minha vida, inexistente. A minha vida, cansada de sonhos solitários.

[Paulo Ferreira]

Hard to explain

Um rasgo de luz, era o que o meu cérebro infantil precisava no momento em que me observavas com um sorriso rasgado.

[Paulo Ferreira]

Spleen de Lisboa

Suave é o fumo do cigarro que entontece. Tenho passado estes dias na ocupação de os desfazer aos bocados. Tudo passa devagar como este fim de tarde em que o sol está quente e pachorrento e a minha alma anda por aí livre ao acaso. De resto não faço nada que valha a pena recordar. Quando muito escrevo uma carta que não mando, leio parágrafos vários de livros que folheio, escrevo coisas como esta em que não digo nada. Com sorte talvez beije uma rapariga, se for preciso ou a isso me obrigar. À parte isso não faço nada, sou como este fumo azulado que se dissipa sem vento.”

Pedro Paixão, histórias verdadeiras

[Paulo ferreira]

sábado, dezembro 18, 2004

Sometimes it hurts

Aquele primeiro olhar dissera-me tudo. Trair-me-ias ao virar da esquina.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, dezembro 17, 2004

A Ciência-outra

No Como se fosse uma baleia, vive-se um momento de indignação perante a denunciada postura de «irreverência jovem, fresca e anti-americana» de alguns cientistas modernos. Essa postura não seria novidade, mas eis que a New Scientist resolveu derramar sapiência por todos os sapatinhos dos seus leitores. Oferta: Reefer Madness e Fast Food Nation de Eric Schlosser, e Hegemony or Survival: America's quest for global dominance de Noam Chomsky.
Chomsky é um ser humanóide esquerdista famoso. Mas o nome Schlosser era-me desconhecido, embora o seu livro não o fosse. Espreitando o Amazon, vejo a afiliação do dito autor. Repare-se: Customers who bought books by Eric Schlosser also bought books by these authors: Michael Moore, George Monbiot, Naomi Klein, Noam Chomsky, Greg Critser. O que fazem, então, juntos Michael Moore, Eric Schlosser, Noam Chomsky e a New Scientist? Desconfio que, se as eleições americanas não tivessem já passado, a revista empreendesse uma análise dos antepassados do Homem fazendo comparações entre chimpanzés e qualquer Presidente Americano (uma ancestral piada universal que parece perseguir as caixas de e-mail mais inocentes e conservadoras).
Caro Paulo, como eu o compreendo. A Ciência voltou a Condorcet...

[João Silva]

Um íntimo anoitecer

Agora vai ser assim: nunca mais te verei.
Esse facto simples, que todos me dizem ser simples, trivial, e humano, como um destino orgânico e sensato, fica em mim como um muro imóvel, um aspecto esquecido e altivo de todas as coisas, de todas as palavras.
Sempre nos separaram as circunstâncias, e a essência mesma dos dias, quanto entre a relva e a copa das árvores me esquecia de pensar, e o ar passava por mim antes de erguer os caules verdes e alimentar a vida sem imagens da paisagem. Marcávamos férias em meses diferentes. O fim do ano, a páscoa, calhavam sempre em outros dias. Tesouras surdas rompiam o cordão dos telefones, e por engano urgentes cartas atravessavam o planeta, apareciam anos depois no arquivo municipal.


António Franco Alexandre, Uma fábula

[João Silva]

quinta-feira, dezembro 16, 2004

Ludwig van...



Este fantástico compositor nasceu a 16 de Dezembro de 1770. Da sua cabeça nasceram a 3ª Sinfonia, a 9ª Sinfonia, a Ode à Alegria, a Sonata ao Luar e muitas outras obras-primas da História da Música, fragmentos de um legado inigualável que impressiona mesmo o mais leigo ouvido, e continuará a fazê-lo. O nascimento de Ludwig van Beethoven é um marco da História moderna a não deixar passar em branco.

[João Silva]

terça-feira, dezembro 14, 2004

Amar Não Acaba

"Se alguém me tivesse mostrado o futuro, decerto muitas lágrimas teriam sido evitadas. Mas viver sem lágrimas não é viver. O sentido da montagem humana só vem se fizermos como Clarice Lispector e formos ao encontro do que nos espera, na certeza de que tudo na vida tem o estigma da caducidade. Só amar não acaba."

in Amar não acaba - Frederico Lourenço

[Tiago Baltazar]

domingo, dezembro 12, 2004

And now for something completely different...



[Blackadder:] You see, the thing about heaven is that heaven is for people who like the sort of things that go on in heaven. Like, well, singing, talking to God, watering pot plants.

[João Silva]

sábado, dezembro 11, 2004

A imaginação de cada um

Morais Sarmento apelida «de caudillo» os poderes de Sampaio e da Presidência. Freitas do Amaral responde a um jornalista dizendo que poderes «de caudillo» detém o actual Primeiro-Ministro, Pedro Santana Lopes. Que um deles tem tendência para dar voz aos disparates verbais do aparelho político-partidário temos noção, mas outro tem responsabilidade política acrescida e poderia ponderar os disparates que diz (ele que percebe os mecanismos institucionais da «lógica do poder»). Quem ainda não se desiludiu com Freitas do Amaral sofre de um optimismo romântico ou, pior, de uma incontornável cegueira. I was blind, but now i see...

[João Silva]

E depois o vazio

O vazio parado da cidade a seguir à tempestade de fogo, a extensão desimpedida do terreno depois do extermínio de massa, talvez toquem uma necessidade primária e obscura de espaço livre, de silêncio onde o eu possa proclamar o seu domínio.

George Steiner, No Castelo do Barba Azul

[João Silva]

sexta-feira, dezembro 10, 2004

Vem aos meus sonhos

Vem aos meus sonhos,
faz em mim a tua casa.

Planta, em frente, a cerejeira dos
pássaros brancos,
deixa que eles pousem nos ramos e cantem
eternamente,
deixa que nas suas asas de luz eu leia o meu
nome,
antes de os relâmpagos acenderem os prados.

Vem aos meus sonhos,
vê os labirintos por onde me perco,
vê os meus países do mar,
vê, em cada barco que parte do meu coração,
as viagens que não fiz,
os amores que não tive,
a lua cruel da minha solidão.

Vem aos meus sonhos,
traz um fio de água para as dálias do meu
quarto vazio,
não queiras que as suas pétalas sequem muito
depressa,
caindo pelos delicados muros de cristal,
apagando a cor que dava vida aos aposentos do
solitário.

Deixa que ele evoque a secreta doçura das
colmeias,
e vem,
vem aos meus sonhos,
ilumina o meu domingo de cinzas, o meu
domingo de ramos, o meu calvário,

diz que estás aqui,
nesta página que escrevo para nunca te esquecer.

José Agostinho Baptista, Esta voz é quase o vento

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, dezembro 09, 2004

Beatriz Batarda


Beatriz Batarda no filme A Costa dos Murmúrios

A primeira vez que Beatriz Batarda me foi apresentada foi em Noite Escura, um filme ao qual já aqui fiz referência. E só posteriormente tive oportunidade de a rever no filme Quaresma e agora novamente n´A Costa dos Murmúrios.
Para já, em três interpretações, por mim testemunhadas, consegue-se vislumbrar nesta actriz uma certa genialidade própria. Esta senhora é capaz de, num olhar mudo, numa leve expressão, dizer mais que muitas em uma dúzia de palavras. Ou muito me engano, ou muito o mundo será cego, estamos perante uma das maiores actrizes da sua geração.
Anseio pelo nosso próximo encontro.

[Tiago Baltazar]

A Costa dos Murmúrios de Margarida Cardoso

Fui ver A Costa dos Murmúrios de Margarida Cardoso, baseado no livro homónimo de Lídia Jorge. Antes de tudo devo dizer que nunca li o livro de Lídia Jorge e portanto não me posso pronunciar na relação filme/livro, mas na minha experiência pessoal posso afirmar que, normalmente, algo se costuma perder nas adaptações cinematográficas, existindo poucas mas algumas excepções, no entanto. E relativamente a este filme espero que algo se tenha perdido porque senão o livro não valerá o papel impresso. Mas enfim, essa discussão deixo a outros.
Quanto ao filme, bom, que dizer? Durante o filme algumas palavras me vieram à mente enquanto, já após a primeira meia hora, me ia contorcendo no assento. Filme parado. Filme pausado. Enfim, qualquer palavra sinónima de falta de movimento. A Costa dos Murmúrios é um filme estático que se perde no aborrecimento.
A história é fraca. Muito fraca. Algo que já se viu em todos os lados. A única excepção é que esta se passa em Moçambique em plena guerra colonial. Convenhamos, nem sequer é uma boa caracterização desse tempo, ou dessa guerra, já que todo o filme gira em torno de uma personagem que nunca sai da cidade e raramente vai aos subúrbios negros.
Quanto a essa personagem, ela é interpretada por Beatriz Batarda, à qual me é devido dar uma nota de elogio. Se existe algo que salva o filme é realmente esta actriz. A sua presença em cena é extraordinária. E nem o facto de ter o papel central a intimidou.
O filme é estético, plenamente, à boa escola portuguesa, na qual Manuel de Oliveira é o seu mestre. Muito feito à base de sombras e cor e diálogos vãos e fugazes. Mas, como em muitos filmes estéticos portugueses não existe história. E estética sem história não faz um bom filme.
Afinal, parece um sindroma português, o de demorar duas horas para contar uma história que muito bem se conta em uma hora. Será mau isso? Não o sei. Mas que é chato, é.

[Tiago Baltazar]

quarta-feira, dezembro 08, 2004

Vitorino de pés alados

Um dos trunfos já apresentados, à pressa e sem pudores, por José Sócrates para Fevereiro, é António Vitorino. Sócrates sabe o que fez. Sabe o que quer fazer com esse anúncio. Os portugueses, na sua generalidade, ou adoram Vitorino, ou gostam de Vitorino, ou pedem Vitorino, ou acham que Vitorino está mal no PS, ou dizem que Vitorino até nem é o pior dos corredores da sede do Rato.

O fundo da questão é que a grande maioria dos portugueses não sabe bem o porquê de gostar de Vitorino, e é esse carisma, aliado a uma saudável distância Portugal-«Europa»/Bruxelas, que o torna numa figura messiânica do Partido Socialista. Diz quem viu, ou quem sabe, que Vitorino, nas suas primeiras declarações para os portugueses, teve discursos ou afirmações vazias de ideais, com pouca substância, e muita ira tipicamente de oposição. Vitorino saiu, de cabeça erguida, e sem nada a apontar, dos últimos tempos de governo do PS. Veremos se, no próximo ano, o manto diáfano da virtude com que parecem querer cobri-lo há muito, não cairá e revelará que Vitorino era pouco mais do que sempre nos mostrou. Com todo o respeito, com a bagagem de responsabilidade política e pública que agora transporta, é provável que venha a ser mais uma desilusão para a audiência pró-socialista.

[João Silva]

Soares revisitado

7 de Dezembro. Falar de forma justa sobre Mário Soares na data dos seus 80 anos é falar da sua vida como político e como figura pública (a que conheço). O maior elogio que lhe pode vir da minha parte é o reconhecimento do seu peso político quase esmagador, reconhecer que é um político por quem tenho muito pouco apreço e a quem muito pouco vezes dou ouvidos, mas que é impossível ignorar ou esquecer. É reconhecer que a direita não poderia ter melhor adversário (talvez não tenha tido) durante estes últimos 30 anos - Soares, por ser politicamente detestado em duas frentes opostas, direita e comunistas, tem um lugar de honra na história da democracia portuguesa.

O maior elogio que lhe posso fazer é dizer que não gosto dele como político, mas que tal nunca abalará o reconhecimento e o respeito que lhe devo pela sua acção política desde a década de 70. A virem adversários do Partido Socialista, pois que, ao menos, venham mais como Mário Soares.



[João Silva]

terça-feira, dezembro 07, 2004

Cape Fear

Terça-feira. Uma obscura livraria em Lisboa. Livro de Plekhanov a 1 euro. Não é rumor não, o marxismo está mesmo a ser vendido à pressa...

[João Silva]

sexta-feira, dezembro 03, 2004

O homem que nunca leu Homero



[Paulo Ferreira]

Os ciclos variáveis de Portugal

As vozes mais optimistas (o optimismo é o ópio dos eternos fracos) da direita portuguesa - daqueles rapazes que, habituados à hierarquia própria das faculdades de Direito e Economia, seguirão o «Líder», seja ele qual for - parecem agora estar de acordo com a decisão de Jorge Sampaio de dissolver a Assembleia e invocar, como manda a Constituição, eleições antecipadas. Dizem eles, com alguma consternação, que «confiam na decisão do Presidente da República», o que se torna, por si só, complexo, visto que eram os mesmos que queriam «dar mais tempo ao Governo de Santana Lopes». Mas o problema desta dissolução, embora a queda de um devaneio político como aquele me agrade, é outro...

Tem que se criar, ou recuperar, a noção social, constitucional e política que é a base da democracia, ou seja, ter consciência de que um governo é um ciclo, não é um reinado semi-parlamentar em que o monarca pode ser deposto a qualquer altura, sem qualquer outro compromisso, que implicaria que poderia lá ficar 20 anos. Não, cada governo tem 4 anos. É um compromisso. Mais, é um projecto legislativo e institucional que os cidadãos eleitores votam e «aprovam», mesmo que não tenham uma noção completa e esclarecida dos caminhos que se vão abrir nos próximos quatro anos.

O problema que esta dissolução pode, e vai, decerto, trazer é a crença geral de que o «Povo» tem influência directa no processo governamental. De que um Primeiro-Ministro, ou um gabinete de ministros existem porque o «Povo quer». A «opinião» elege governantes, mas não governa. Uma manchete ou duas em jornais famosos não podem alterar, de imediato, um governo pelo veículo «Povo». Há cidadãos, individuais, em causa, numa sociedade que se quer democrática e sob influência de uma instituição democrática. Não se pode manipular a sua vida, e os seus direitos, consoante uma moda geral. É o afirmar do «ar do tempo», como dizia há dias o meu caro amigo Bruno, na política portuguesa.

Há duas coisas no «processo político» que assustam, de morte (literalmente, tendo em conta a história do séc. XX), um conservador: um Presidente ou um governante de plenos poderes, e um «Povo» que acredita que começa e acaba governos quando lhe apetece (ou quando a demagogia assim o lembra). Juntos, mais do que assustar, destroem o conservadorismo, mesmo que moderado. Fazem o fim de um governo equilibrado mas, sobretudo, de uma sociedade regrada. Que, sem exagero, fica muito perto do fim da democracia...

[João Silva]

Flor de estufa

Se, algum dia, cheguei a duvidar da fraqueza do actual Presidente da República, foi pelo simples facto de essa mesma fraqueza, que Sampaio demonstrou ser possuidor aquando da fuga de Durão Barroso para a "Europa", ter sido sempre latente, encoberta com palavras bonitas, tais como estabilidade e consenso. Porém, hoje não tenho dúvidas de que Jorge Sampaio é um actor político demasiadamente frágil para o papel que desempenha. Mesmo que as funções do Presidente da República se limitem às visitas que,frequentemente, vão sendo feitas às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, Sampaio não tem capacidades para essa função. É demasiadamente frágil.

[Paulo Ferreira]


quinta-feira, dezembro 02, 2004

A Decisão de Sampaio

Contra as minhas expectativas, Sampaio decidiu dissolver a Assembleia.
Para quem, como eu, julgava que o senhor já não conseguia tomar uma decisão de autoritarismo e independência, o facto foi bastante surpreendente. A antecipação da reunião de quarta-feira, para uma reunião especial na terça-feira, caiu como uma bomba e a noticia que se soube depois dessa reunião foi uma verdadeira explosão.
A verdade é que a decisão agora tomada pelo senhor Presidente da Republica, a meu ver, já deveria ter sido tomada há 4 meses atrás. Teríamos poupado muitas chatices.
Agora temos que viver com 2 males, qual será o pior.
Por um lado, temos José Sócrates, um homem, muito à semelhança de Lopes, do marketing. Um homem que sabe, e bem, vender a imagem. Ideias que se saibam? Que quer governar. Não é exactamente algo onde se possa trabalhar.
Por outro lado, temos um já conhecido e inábil Santana Lopes, que para mérito próprio soube reunir os seus apoiantes e dar-lhes cargos nas estruturas altas do aparelho partidário. Lopes parece ter chegado para ficar. E, a não ser que lhe prometam a Presidência da República, ele será candidato ao cargo de Primeiro-ministro, assim o ajude o seu ego.
Resultado: as coisas a serem como estão, o senhor Sampaio, obrigar-me-á a votar em branco nas próximas eleições legislativas. Obrigadinho.

[Tiago Baltazar]

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Janela de pedra

E fosse cada palavra estupidamente vã, como um grito num corredor de pedra deserto, ao fim da noite quereria dizer-tas na mesma.



[João Silva]

A ditadura nasce à saída dos tribunais

No Eixo do Mal (que só vi na reposição de hoje), Daniel Oliveira afirma que mesmo que «alguns dos acusados [do julgamento do «caso Casa Pia»] sejam mesmo inocentes, as pessoas vão perder a confiança na Justiça portuguesa porque esses foram inocentados».
Dando (momento que normalmente não acontece) razão a Daniel Oliveira e à visão das cabeças a rolar perante a populaça portuguesa, vendo a crise política que se abriu, e vendo a funesta irracionalidade do «Homem Novo Português» em Canas de Senhorim, só me resta ficar assustado com os condicionalismos que temos para o aparecimento de partidos populistas, prontos a aproveitar este clima de extrema-direita/extrema-esquerda...

[João Silva]