quinta-feira, outubro 28, 2004

Em tempos de «progresso»...

A Luz ao fundo do túnel antropológico é conhecida. O Iluminismo, a «religião racionalista» adoptada, efectivamente, no século XVIII, é a matriz ainda hoje idealizada por uma maioria. O «homem iluminado». Jaime Nogueira Pinto identifica alguns efeitos desse «aperfeiçoamento» do Homem:

Para os racionalistas de Paris, estes aldeões simplórios [vendeanos], crentes, rudes, afastados e inimigos das Luzes, constituíam uma espécie de inimigo natural. Como se procura mostrar num ensaio expressivamente intitulado A Vendeia e as Luzes: as origens intelectuais do extermínio, no mundo altamente intelectualizado e retórico dos revolucionários de Paris, os camponeses vendeanos são designados como «ferozes aldeões», «malfeitores», «malfeitores fanáticos», 'tigres famintos do sangue dos franceses», «horda», «horda de escravos», «bárbaros», «raça rebelde», «monstros», «monstros fanatizados famintos de sangue e carnificina».

O processo de utilização da linguagem revela essa ideia de excluir os rebeldes vendeanos do mundo politicamente correcto dos cidadãos. (...) Estes camponeses rebeldes, que persistem nas suas «superstições» religiosas, que rejeitam as Luzes, a Razão, a Liberdade, não são dignos de viver, porque, em última instância é duvidosa asua humanidade, privados que estão de vida política e social. Temos aqui um destes processos de desumanização ideológica, de retirada de dignidade a todo um grupo social, (a expressão «raça» é utilizada) independentemente das suas acções concretas ou da sua responsabilidade subjectiva (as crianças serão chacinadas, sistematicamente, com os pais).

Há assim, entre a cidade-luz da Revolução, convencida e orgulhosa dos seus direitos de fundadora de uma idade da Razão, e aquilo que ela vê como o «campo» atrasado, reaccionário, ignorante, uma antinomia brutal e violentíssima.

Jaime Nogueira Pinto, A direita e as direitas

[João Silva]