quinta-feira, setembro 30, 2004

Bush Vs. Kerry



Hoje, traça-se uma linha definitiva na política e na corrida presidencial americanas. Logo à noite, em terras da Liberdade, atiçam-se as principais ideias, ideais e, sobretudo, panfletos propagandísticos de cada candidato presidencial. O debate entre o Presidente George W. Bush e o candidato democrata John Kerry, projectado para Coral Gables, no estado da Florida, para as «nossas 2 horas da manhã» e «9 horas deles» (caro leitor, não sei ainda se será transmitido em canais portugueses, mas até é preferível ver em canais americanos) terá um objectivo inequívoco: definir o eleitorado. Poucas dúvidas haverão de que este debate resolverá muitas questões e muitas indefnições, mesmo que não se defenda nada de concreto no debate (e, tendo em conta que um dos candidatos é Kerry, o mais provável é que não se defenda absolutamente nada). Num frente-a-frente para convencer os indecisos e frustrar algumas expectativas, o tema vai ser quase monopolizado: Iraque.

Entre nós (portugueses), rústicos europeus anti-Bush, corre o rumor, ou melhor, a profunda convicção de que o mais grosseiro e imberbe jovenzinho das nossas escolas secundárias conseguirá ser mais inteligente que George W. Bush. Essa foi a imagem criada, durante quase 4 anos, do Presidente Republicano, a pensar nestas eleições. Entre as diversas tradições políticas de destruição da imagem do opositor, a escolhida, contra Bush, foi a inteligência ou, como querem fazer passar, a ausência da mesma no Presidente norte-americano. Esta pastoril crença está tão enraizada que difícil será convencer os camponeses em Portugal (e nos EUA também, não nos podemos iludir) que a capacidade política, e nomeadamente a oratória, de Bush não pode ser resumida a um erro numa leitura. Horas e horas de discursos são resumidos, entre nós, em 5 segundos de aparição pública, para gáudio das hostes portuguesas mais rudes, que, bebendo «sangue como groselha», gostam de ver em Bush um macaco pouco evoluído. Vêem, no republicano, uma espécie de antítese de Gandhi. Talvez. Bush é, provavelmente, com todo o respeito que tenho por ele, um dos Presidentes mais trapalhões dos últimos anos. Reagan era um óptimo orador, simplificando linguagem, pensamento e objectivo e fazendo o público, e os ouvintes, identificarem-se com ele. A Bush faltará, talvez, a autoconfiança de Reagan, mas estão lá a sinceridade, a transparente determinação e a vontade de «enfrentar» pessoalmente os eleitores e, isso é que importa, os «Americanos».

Em 1961, John F. Kennedy foi eleito após a sua aparição em público no debate contra Nixon, que, para muitos (tendo em conta a época) foi a primeira, última e única oportunidade de ouvir e ver ambos os candidatos com toda a atenção. Richard Nixon, um «buldogue simpático», viu a sua vantagem ser deitada por terra quando confrontado com Kennedy. JFK era isso mesmo: JFK, o nome mítico, o homem mítico, o homem de família que, apesar da juventude, podia ser visto rebolando-se pelos jardins da sua casa com a família. Era um James Dean candidato à presidência. No início de uma década turbulenta (e no final de outra controversa), Kennedy era o que os eleitores esperavam. A sua imagem «vigorosa», em muito por causa do «queixo forte» de que Nélson Rodrigues fala (arrancado com o tiro de Oswald), ganhou a eleição. Essa é a expectativa de qualquer candidato num debate: a imagem. Esta ganha eleições, acreditem.

Assim, Kerry e Bush partirão num combate que poderá não ser muito desigual. A imagem de Bush é, já, sinónimo de «guerra» para muitas multidões pelo Mundo fora. Mas apenas os norte-americanos votam, e esses gostam da imagem que Bush transmite para fora do país: ninguém se mete com o orgulho dos EUA. Os EUA nasceram e cresceram à base de alguns fundamentos básicos do ser humano: orgulho, determinação e, sobretudo, confiança. A confiança no Presidente dos EUA é essencial para qualquer americano, seja ele mais conservador, mais liberal, mais «republicano», mais «democrata», mais anarquista, mais «Naderista». Todas as dúvidas se dissiparão quando, ao ligarem a televisão, os eleitores americanos se depararem com a escolha entre um líder que sabe, em geral, o que quer para os EUA e outro que não sabe o que quer, nem mesmo para as eleições que se aproximam. Em suma, terão de escolher entre um Bush determinado com o qual muitos americanos «à antiga» se identificam (não é, no entanto, certamente, para muitos, o melhor Presidente americano até hoje), e um Kerry ambicioso que não sabe a resposta certa, que, ao ser interrogado sobre qualquer assunto, pensará durante alguns minutos: «o que será que os Americanos querem que eu responda?». A escolha será, espero, fácil.

[João Silva]