quinta-feira, setembro 30, 2004

Bush Vs. Kerry



Hoje, traça-se uma linha definitiva na política e na corrida presidencial americanas. Logo à noite, em terras da Liberdade, atiçam-se as principais ideias, ideais e, sobretudo, panfletos propagandísticos de cada candidato presidencial. O debate entre o Presidente George W. Bush e o candidato democrata John Kerry, projectado para Coral Gables, no estado da Florida, para as «nossas 2 horas da manhã» e «9 horas deles» (caro leitor, não sei ainda se será transmitido em canais portugueses, mas até é preferível ver em canais americanos) terá um objectivo inequívoco: definir o eleitorado. Poucas dúvidas haverão de que este debate resolverá muitas questões e muitas indefnições, mesmo que não se defenda nada de concreto no debate (e, tendo em conta que um dos candidatos é Kerry, o mais provável é que não se defenda absolutamente nada). Num frente-a-frente para convencer os indecisos e frustrar algumas expectativas, o tema vai ser quase monopolizado: Iraque.

Entre nós (portugueses), rústicos europeus anti-Bush, corre o rumor, ou melhor, a profunda convicção de que o mais grosseiro e imberbe jovenzinho das nossas escolas secundárias conseguirá ser mais inteligente que George W. Bush. Essa foi a imagem criada, durante quase 4 anos, do Presidente Republicano, a pensar nestas eleições. Entre as diversas tradições políticas de destruição da imagem do opositor, a escolhida, contra Bush, foi a inteligência ou, como querem fazer passar, a ausência da mesma no Presidente norte-americano. Esta pastoril crença está tão enraizada que difícil será convencer os camponeses em Portugal (e nos EUA também, não nos podemos iludir) que a capacidade política, e nomeadamente a oratória, de Bush não pode ser resumida a um erro numa leitura. Horas e horas de discursos são resumidos, entre nós, em 5 segundos de aparição pública, para gáudio das hostes portuguesas mais rudes, que, bebendo «sangue como groselha», gostam de ver em Bush um macaco pouco evoluído. Vêem, no republicano, uma espécie de antítese de Gandhi. Talvez. Bush é, provavelmente, com todo o respeito que tenho por ele, um dos Presidentes mais trapalhões dos últimos anos. Reagan era um óptimo orador, simplificando linguagem, pensamento e objectivo e fazendo o público, e os ouvintes, identificarem-se com ele. A Bush faltará, talvez, a autoconfiança de Reagan, mas estão lá a sinceridade, a transparente determinação e a vontade de «enfrentar» pessoalmente os eleitores e, isso é que importa, os «Americanos».

Em 1961, John F. Kennedy foi eleito após a sua aparição em público no debate contra Nixon, que, para muitos (tendo em conta a época) foi a primeira, última e única oportunidade de ouvir e ver ambos os candidatos com toda a atenção. Richard Nixon, um «buldogue simpático», viu a sua vantagem ser deitada por terra quando confrontado com Kennedy. JFK era isso mesmo: JFK, o nome mítico, o homem mítico, o homem de família que, apesar da juventude, podia ser visto rebolando-se pelos jardins da sua casa com a família. Era um James Dean candidato à presidência. No início de uma década turbulenta (e no final de outra controversa), Kennedy era o que os eleitores esperavam. A sua imagem «vigorosa», em muito por causa do «queixo forte» de que Nélson Rodrigues fala (arrancado com o tiro de Oswald), ganhou a eleição. Essa é a expectativa de qualquer candidato num debate: a imagem. Esta ganha eleições, acreditem.

Assim, Kerry e Bush partirão num combate que poderá não ser muito desigual. A imagem de Bush é, já, sinónimo de «guerra» para muitas multidões pelo Mundo fora. Mas apenas os norte-americanos votam, e esses gostam da imagem que Bush transmite para fora do país: ninguém se mete com o orgulho dos EUA. Os EUA nasceram e cresceram à base de alguns fundamentos básicos do ser humano: orgulho, determinação e, sobretudo, confiança. A confiança no Presidente dos EUA é essencial para qualquer americano, seja ele mais conservador, mais liberal, mais «republicano», mais «democrata», mais anarquista, mais «Naderista». Todas as dúvidas se dissiparão quando, ao ligarem a televisão, os eleitores americanos se depararem com a escolha entre um líder que sabe, em geral, o que quer para os EUA e outro que não sabe o que quer, nem mesmo para as eleições que se aproximam. Em suma, terão de escolher entre um Bush determinado com o qual muitos americanos «à antiga» se identificam (não é, no entanto, certamente, para muitos, o melhor Presidente americano até hoje), e um Kerry ambicioso que não sabe a resposta certa, que, ao ser interrogado sobre qualquer assunto, pensará durante alguns minutos: «o que será que os Americanos querem que eu responda?». A escolha será, espero, fácil.

[João Silva]

quarta-feira, setembro 29, 2004

Constantino



Pieter Paul Rubens,
Triumphant Entry of Constantine into Rome,
1622

[João Silva]

terça-feira, setembro 28, 2004

Onda bafienta em Lisboa

As ondas de calor, que atravessam o frágil corpo humano como se fossem setas incandescentes, tornam-se cada vez mais frequentes, à medida que me habituo a seguir a disposição conservadora de um amigo. Segundo esse meu amigo, quando fazemos caminhadas de três quilómetros ao abrigo de um sol quase insuportável, depois de uma refeição, estamos a seguir uma disposição conservadora. Bem compreendo os seus argumentos: gostamos de ver sempre as mesmas caras familiares, que nos servem tão bem aquelas miseráveis refeições; gostamos de contemplar o espaço que nos rodeia. No fundo, preferimos o conhecido ao desconhecido.
Porém, aquelas autênticas «peregrinações» só são suportáveis porque somos pessoas educadas para conviver num mundo hobbesiano. É por isso que respeitamos o espaço de outros seres animalescos que se vão cruzando connosco, sem respeitarem algumas das regras mais fundamentais da cidadania. Respeitamos as regras da decência, de forma a passarmos despercebidos pelos outros. Basicamente é isto. Não se pense é que a nossa caminhada se torna mais fácil por sermos indivíduos bem comportados.

Depois de cumprida a disposição conservadora, regozijamo-nos por tal feito. E, por isso, decidimos festejar. Como indivíduos civilizados que somos, festejamos em livrarias. Procuramos todos aqueles livros que nos enchem de vaidade. Todavia, é quando chegamos às livrarias que reparamos em todos aqueles indivíduos incautos, que não respeitam o espaço dos seus semelhantes e que, por conseguinte, se arriscam a não sobreviverem a um mundo frio e cruel, que desconhecem existir. Esses indivíduos seriam, em dias de Inverno, normais. Dir-se-ia, até, que, em dias de menos calor, viveríamos em completa harmonia uns com os outros. Nada mais absurdo. Pelo menos, enquanto o uso de desodorizante não for obrigatório.

[Paulo Ferreira]

Poema

Lambe-te o fogo cada ruga e pêlo,
e a água onde mergulhas logo encerra
em fresca e fina luva o corpo inteiro
e sem pudor algum te abraça e beija.
Mesmo o vulgar sabão, no tanque absorto,
pela nudez da carne se insinua
e entre as coxas flutua, como um peixe
mais branco, que outra sombra continua.
Mas eu, quando me cubro do teu rosto
e sou somente de água e fogo feito,
melhor ainda te conheço e quero,
e nada no teu corpo me é alheio:
em cada grão de pele te desejo,
em cada ruga leio o meu destino.


António Franco Alexandre, Duende

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, setembro 27, 2004

From lust to dust

I’m lost…

… and no Heaven can help us.

[Paulo Ferreira]

Mariola

Oito da manhã. A cidade ainda dorme. Sento-me num banco de jardim. Avista-se um homem ao longe. «Conheço aquele bigode de algum lado!», desabafo letargicamente. À medida que o homem se vai aproximando, o meu olho ruvinhoso vai dando sinais de impaciência. Parece-me Hitler, embora com roupas e penteado diferente. Parece-me ele, mesmo depois de avistar um fio de ouro e um coração no ombro. Parece-me ele, já sem aqueles tremeliques.
Porém, não era ele. Era outro. Um mariola português, de bigode assassino.

[Paulo Ferreira]

Die dichter spricht



Uma vez um Poeta falou-me numa Floresta, de Terras e Gentes Longínquas, onde borboletas subtis e brilhantes voam em estonteantes arabescos, como se à Cabra-Cega brincassem, em torno de flores amarelas, verdes, azuis... como um grande Carnaval de qualquer cidade mágica. Falou-me ainda dos únicos dois habitantes, o selvagem Florestan (que, por vezes, com o seu entusiasmo desmesurado, corria tresloucadamente, como se fosse um Cavaleiro montado num Cavalo de Pau), e o pensativo Eusebius (este sempre sério demais).
Lembro-me que crianças pediam ao Poeta que lhes contasse Histórias Curiosas, de grandes acontecimentos, daquelas que ao início metiam medo, mas terminavam sempre numa Felicidade quase perfeita. Crianças adormeciam e, ao som da voz melancólica, por vezes triste, do Poeta, passavam a viver nesse mundo de sonhos maravilhosos.
Esse Poeta de que vos falo é Robert Schumann.

[Gonçalo Simões]

Soneto de amor

Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste...
Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apar’ceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi!...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço,
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste...Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...

Mário de Sá-Carneiro, Poemas

[Paulo Ferreira]

Imberbe

Dez da manhã. Ouço, quase agonizado, a voz de um imberbe. Sinto-me alienado pelo espaço e pelo tempo. De repente, vejo aquele rapaz , que tanto me irritava,
caminhar na minha direcção. Senta-se no meu território, sem o meu consentimento, e pergunta: “Gostas de ler a ‘Visão’?”. Num bocejo, coloco-lhe a mão no ombro e respondo: “ Rapaz, ainda és novo...”.O imberbe, enfurecido, desata aos berros, numa fútil tentativa de me chamar à razão. Com o passar dos segundos, o silêncio vai regressando àquele café de esquina. Porém, o rapaz, que continuava descontente, levanta-se e exclama: “És arrogante. Temos a mesma idade e, para além disso, nem sabes que o doutor Boaventura e o doutor Soares escrevem para a revista. Caso não saibas, aprende-se muito com eles!”. E eu respondo :Rapaz, é por isso que ainda és novo...”.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, setembro 24, 2004

Do terrorismo islâmico (reprise)



Toda a gente, pelo menos os mais lúcidos, sabe que o terrorismo não pode ser exterminado. Pode-se complicar financiamentos, recrutamentos, execuções e negociações. Pode-se eliminar todos os líderes dos movimentos terroristas ou rebeldes mais violentos e inspiradores. Pode-se acabar com a “coisa”, mas não com o “motivo”, mesmo que este não seja nenhum. O terrorismo é o exemplo mais recorrente e mais evidente dessa “desmotivada motivação”. Não sabem exactamente onde querem chegar, não lhes interessa o adversário. O que interessa é: o que não querem que aconteça (um “Ocidente” e um Islão próximos e recíprocos); e a “sobrevivência” de uma civilização. Não vale a pena compreender o género de terrorismo que se dinamizou nos últimos anos, talvez na última década. É, pura e simplesmente, um novo tipo de racismo, e a uma escala global. Que, como se sabe, cria um ciclo regressivo difícil de impedir – o “racismo” cria “racismo”. Só que aqui não é propriamente a raça que é posta em questão, mas sim o passado, a cultura e o estilo de vida (sociedade, política, …) de cada um. Normalmente, seria possível combater isto se apenas se formassem duas opiniões e dois “mundos”: o “nosso” e o “deles”, o “certo” e o “errado”. Mas tal não acontece. O que acontece é a formação de duas visões e duas “soluções” de um impasse (Israel) que não tem solução, em que o “mundo árabe” mais cumpridor das leis divinas incita todo um povo ofendido a defender “o que é seu” contra Judeus e demais imorais da Europa e EUA, numa escalada “desesperada” mas meticulosa e homicida de violência estatal. Nasce então o quadro: os países árabes (Palestina, Iraque, Irão, Síria, etc.) “oprimidos” pela “expansão ocidental” lutam pela “sobrevivência do seu povo”. E então legitima-se um conflito que não deveria existir.

E depois há outros: os “ocidentais” que, impregnados de uma visão romântica da luta dos fracos idealistas contra os fortes, querem negociar com assassinos, assassinos esses que matam civis inocentes, por vezes os próprios familiares, em nome de uma cultura ou de um povo que, na sua maioria, só conheceram de longe. Tal como no clima pré-nazi, cria-se um objecto de missão e um adversário religioso para vazar frustrações. O que estes querem é uma troca de responsabilidades: “esquecemos tudo o que fizeram e damo-vos o que é vosso se pararem”. Seria o fim da civilização que sangrámos para construir e fazer evoluir, com especial destaque para as razões que levaram às duas Grandes Guerras do séc. XX.

O que estes adeptos do “diálogo” e da diplomacia pretendem não é um absurdo total. É a atitude correcta a tomar quando se pode facilmente prever que as consequências de um prolongar de um conflito serão muito mais terríveis do que as consequências advindas de uma trégua entre Estados. Sobretudo, crêem que os “outros” querem tanto paz e “igualdade entre Estados” quanto nós. Mas será que grupos terroristas como a al-Qaeda e o Hamas querem isso? O Hamas existirá e actuará sempre enquanto Israel existir. Pode-se acabar com todos os terroristas e “filiados” neste movimento, mas o “nome” ficará, tal como o “motivo”, a missão. O Hamas perdura. O ceptro é deixado à deriva até que os filhos dos terroristas do Hamas, criados sob a mesma doutrina de luta contra o Ocidente, a democracia, o Estado secular, as religiões não-muçulmanas, o agarrem.

É verdade que a guerra e a superiorização militar frente a grupos extremistas é uma medida igualmente agressiva e que vitima civis a toda a hora, como inevitável dividendo de qualquer guerra. É uma medida que, só por si, não tem efeito. Mas será que devemos ficar de braços cruzados? Ou pior, será que, frente às insinuações dos grupos terroristas, devemos culpar os nossos líderes pelas vítimas do terrorismo? Será que devemos ter medo e, como tal, negociar o nosso medo e o deles num perdão que vende a nossa moral? Deixo a resposta ao vosso critério.

De um ponto de vista pessoal, a acção militar é necessária sim. Imprescindível. A militar e a policial. Violenta, se necessário. O custo imediato da nossa arrogância é a troca das vidas dos terroristas “deles” pelos civis, tanto americanos, como espanhóis, como iraquianos. Mas é esta “arrogância” que nos permite sobreviver. E que, sobretudo, permite que o modo de vida que nos garante o espaço para discutir este tema possa sobreviver. Não se negoceia com niilistas, com quem espalha o terror. O passo maior terá de ser o de mostrar aos filhos desses homens que os pais sempre estiveram errados. Que morreram por eles, mas pela razão errada. E que eles não podem pagar com a vida os erros e a “missão de terror” dos pais. Mas, actualmente, o que se pode fazer é lutar. Lutar e combater o que e quem nos quer destruir e sempre quis. Enfim, não se pode negociar com quem nunca permitirá que sobrevivamos. Por respeito à nossa civilização e ao Islão.

[João Silva, 17/04/2004]

quinta-feira, setembro 23, 2004

Deixar de ser Menino

Deixei de ser menino. Passei agora a ser homem.
Mas ao contrário dos outros, a maneira em como me tornei homem, não foi depois de estar com a minha primeira mulher. Tornei-me homem, quando aquela que eu amava me deixou. Aí, virei-me para os vícios. Para o tabaco, para o álcool e para o café. Nunca bebi tanto café. Em parte para não dormir. Odeio deitar-me só, e pior, acordar só. É isso o pior, depois de um sonho belo, acordar para a crua e dura realidade.
Escrevo isto, já depois de uma boa dose de café, de uma cachimbada e de um copo sei lá de quê. Sei que sabia mal, e por isso mesmo soube-me bem.
Como digo, sou agora um homem, não depois da minha primeira mulher, mas agora que me dei aos vícios. Parece que o homem, só se torna realmente homem através dos vícios. Através da leve decadência de se ser.

[Tiago Baltazar]

quarta-feira, setembro 22, 2004

Asneiras

Há pessoas que passam uma vida inteira a proferir disparates. É o caso de Mário Soares, ex-Primeiro-Ministro e ex-Presidente da República. Desta vez, demonstrando, mais uma vez, a sua eterna lucidez, Soares comparou Putin a Bush. O pior é que a unanimidade idiota concordará com ele.


[Paulo Ferreira]

“És um bocado Snob!”

Ele há coisas engraçadas. Actualmente, parece que vivemos num tempo em que é vergonhoso conhecer. É vergonhoso demonstrar o nosso conhecimento.
Vejam lá que, num destes dias fui apelidado de snob. De snob! Porquê? Por citar uma piada que porventura envolvia o senhor Louça e o Torquemada (não, a pessoa em causa nem era bloquista). Torquemada? Pois é. Quem é? Pouca gente conhece o famoso inquisidor espanhol. E por isso sou um snob. Por saber quem foi Torquemada. Sou um snob por demonstrar conhecimento. Isto só visto.
Pois agora vão-me desculpar, mas os senhores é que são os ignorantes e eu não tenho culpa, ou melhor, a culpa é toda minha de conhecer coisas que os senhores não conhecem. Mas isso faz de mim um snob? Um sabichão? Poupem-me.
Já, em diversos momentos, durante algumas aulas da minha vida, quase que me senti envergonhado por demonstrar um determinado conhecimento que não vinha no programa escolar. Sempre que o fazia, todos pareciam que me olhavam de soslaio, como que a pensar que me estava a fazer maior do que era, que estava a engraxar o professor. Pois isso, nunca o fiz. Mas que fazer perante uma tal pergunta: “Conhecem o tal e tal?” ao que se seguia um silêncio de ignorância perante toda uma turma, como se não soubessem ou tivessem vergonha de responder. Até que alguém por fim quebra o silêncio tão simplesmente dizendo: “Por acaso já ouvi falar”. Pronto, ficava tudo estragado, parece que, com aquelas simples palavras, se havia denunciado algo. Agora, aquele que ousara demonstrar o seu conhecimento (algo inteiramente de valor!) deixa de ser um aluno, para passar a ser um delator. Aquele que perante o silêncio da ignorância ousa demonstrar conhecimento.
Pois novamente peço desculpa. Peço desculpa por conhecer Petrarca, Dante, Torquemada ou Platão. Peço desculpa por ler livros que não a mando de um qualquer professor, peço desculpa por ser algo cinéfilo, por gostar de biologia e filosofia. Por admirar a matemática e a pintura renascentista. Peço desculpa por até gostar de alguma música dita clássica (apesar de não ser em nada especialista).
Peço desculpa por ser ávido de conhecimento. Por desgostar ao não saber. Isso faz de mim um snob? Um sabichão? Pois que faça. Mas que fique notado. Se eu porventura sei demais de algum assunto, é porque alguém sabe de menos do mesmo. E isso meus amigos, não é culpa minha.

[Tiago Baltazar]

terça-feira, setembro 21, 2004

Napoleon

"(...)The Revolution was a lesson in the power of evil to replace idealism, and Bonaparte was its ideal pupil. Moreover, the Revolution left behind itself a huge engine: administrative and legal machinery to repress the individual such as the monarchs of the ancien régime never dreamed of; a centralized power to organize national resources that no previous state had ever possessed; an absolute concentration of authority , first in a parliament, then in a committee, finally in a single tyrant, that had never been known before; and a universal teaching that such concentration expressed the general will of a united people, as laid down in due constitutional form, approved by referendum. In effect, then, the Revolution created the modern totalitarian state, in all essentials, if on an experimental basis, more than a century before it came to its full and horrible fruition in the twentieth century. It also became, as Professor Herbert Butterfield has put it, 'the mother of modern war... [heralding] the age when peoples, woefully ignorant of one another, bitterly uncomprehending, lie in uneasy juxtaposition, watching one another's sins with hysteria and indignation. It heralds Armageddon, the giant conflict for justice and right between angered populations, each of which thinks it is the righteous one. So a new kind of warfare is born - the modern counterpart of the old conflicts of religion'. "

- Paul Johnson, Napoleon

[Paulo Ferreira]

Solidão

Ao longo de toda a história da existência humana, o Homem, aparentemente, tem-se sentido só. Seja em Lisboa, Paris, Nova Iorque, Roma, Adis Abeba, Alexandria, o ser humano questiona-se, debaixo da soleira de uma porta, diante de uma janela, debaixo de uma árvore, porque estará sozinho. Isto é, porque é que, com milhões e milhões de pessoas ali à mão para chatear, porque é que, repito, se encontra sozinho? A solidão é mesmo isso, são «eles». Os «outros». A humanidade. Provavelmente, o primeiro macaco pensante era um macaco feliz, intocável, dono do seu destino, até que outro apareceu. A simples existência de outro macaco fazia-o sentir-se sozinho, por muito longe que estivessem um do outro, e por muito pouco que interferissem nos assuntos um do outro. O conhecimento da existência do outro fazia sempre sentir um abandonado. Mesmo que nunca tivessem trocado palavras. A solidão é, quase se poderia dizer, o ódio pelo desconhecido.

O ser humano evoluído fisicamente não é muito diferente de outros animais. Aliás, é onde essa falta mais se evidencia. O ser humano, mais que qualquer outro representante da fauna mundial, é um ser cheio de ódio pelo desconhecido. Quanto mais sozinho, mais odeia. Entre o palerma, que encara as relações humanas como uma teia de amizades interligada e irreversível, e o ser irascível, pois solitário, vai toda uma possibilidade de existência. A suma pergunta humana resultante da solidão é: «onde estão os outros»? Mesmo Estaline, o «monstro» (epíteto muito utilizado para desculpar a natureza humana), no seu leito de morte, deve ter perguntado: «onde está Bukharine?». O ódio pelo desconhecido e o remorso regressivo são os dois pilares da solidão. Por mais pessoas que entrassem no quarto, o dirigente soviético continuaria: «e Bukharine? onde está Bukharine?».

O Homem nasceu sozinho, ou seja, nasceu feliz e acompanhado de si mesmo. Na realidade, não estava mesmo sozinho. Foi quando conheceu os amigos, os grupos, as famílias, as multidões e massa informe da Humanidade que percebeu que estava sozinho. Até o francês De Gaulle, ao desvanecer, teve tempo para sair do seu narcisismo. Numa última curiosidade, poderia ter inquirido: «para onde foram todos?».

[João Silva]

segunda-feira, setembro 20, 2004

O erguer de uma nação



Emanuel Gottlieb Leutze, Washington Crossing the Delaware, 1851

[João Silva]

Inocência

Encontro-me em ar aberto. Hábito algo perdido. Vivemos agora em muralhas de vidro, por mais estranho que isso pareça ao macaco pelado das savanas (mas como diria o Miguel Esteves Cardoso, não somos assim tão pelados quanto isso).
Como já disse, encontro-me em ar aberto e aproveitando o dia, olho os pombos já meus conhecidos. Não têm nomes, mas sinto-os meus companheiros, não, mais que isso, sinto-os meus amigos. Admiro-os, tal como à grande maioria dos animais. Eles são inocentes na forma como vivem. Para eles a malícia não existe.
Já os leões, os tigres, os tubarões e toda essa bicharada não são maliciosos. Eles podem matar, comer carne, o diabo, mas nunca por malícia. Eles fazem-no pela sobrevivência e não por poucas vezes por pura curiosidade. No fundo, pode-se dizer que é a sua natureza.
O ser humano por outro lado, só é inocente num curto espaço de tempo. Na infância. A criança pode estragar muitas coisas, aleijar o próximo e até matar, se tal fosse possível a um bebé, mas seria sempre inocente. Ele apenas o faria por curiosidade, nunca por maldade, o seu intuito é, tal como nos animais, descobrir e não destruir.
Tenho um amor aos inocentes. Talvez por lá no fundo, me imaginar um. Gostava de ser inocente. Não o sou, mas gostava de ser.

[Tiago Baltazar]

sexta-feira, setembro 17, 2004

As palavras que nunca se chegam a dizer

São coisas da vida e pouco há a fazer. Por mais que se tente, por mais que se fale fica sempre algo por dizer. E, quando desejamos faze-lo, deixamos de o poder. Essa pessoa partiu, não se sabe muito bem para onde, para as estrelas, para o purgatório. Foi-se. Chora-se.
É nestes momentos que a dor toca fundo. Uma dor que nunca antes pensámos poder sentir. Quando percebemos que não mais poderemos falar com aquela pessoa, dizer-lhe o quanto a amávamos. Pois é agora, agora que ela deixou de estar connosco, deixou de estar à distância de um abraço, de um telefonema, que mais temos necessidade de lhe falar. De lhe dizer aquilo que sempre quisemos dizer, mas nunca tivemos coragem.
O sentimento mais profundo apenas se demonstra na ausência. Na ausência, quando nada mais se pode dizer. E talvez por isso mesmo, seja o sentimento mais profundo, um sentimento que apenas de pode manifestar na dor e na mágoa. Na dor da ausência, na mágoa de não poder falar.
Há palavras que nunca se chegam a dizer. Por mais que falemos, fica sempre algo por dizer. É isso mesmo a dor, a saudade por alguém. Se ficasse tudo dito, não mais precisaríamos da pessoa, de a lembrar. E por isso, talvez seja bom deixar algo por dizer, algo sem qualquer verdadeira importância. Algo apenas para nos lembrar.

[Tiago Baltazar]

quinta-feira, setembro 16, 2004

Sol campestre

Pedro era feliz, no seu mundo constante e previsível. Este automatismo fazia-o dono dos acontecimentos, do destino e, mais importante, das suas emoções. O noivado tradicional parecia desenhar-se na sua vida para os tempos que se seguiam, sem ele muito contribuir para tal, mas também sem demasiado queixume da sua parte. Como disse, Pedro era feliz com aquilo a que se chama «a ordem das coisas».
Como um Sol campestre, esta existência harmoniosa era o suficiente para aquecer os seus dias. Raras eram as vezes em que lhe era concedido um olhar sobre qualquer coisa diferente. Nem ele o queria, receando um desventurado desvio do trilho habitual e uma rendição à volúpia. No entanto, em Dezembro, um dia houve em que decidiu abandonar o cadeirão familiar para ver o Mundo. Saiu de casa sozinho, deambulou pelas ruas submersas em neve, e entrou num bar ao fim da tarde. Aí entregou-se ao álcool e ao desvario. Sentiu-se diferente, sem o compreender muito bem. Conheceu Madalena, cantora, após ter ficado enredado na sua voz lancinante mas tranquilizadora.
O primeiro passo para esquecer quem era fora aí dado. Não compreendia o que se passava. Passou a encontrar-se com Madalena, todos os dias. Duas semanas depois, saiu de casa, e não voltou. Um novo mundo parecia abrir-se na sua frente. A vida com Madalena parecia ideal, e via toda uma nova existência agora. Até que esta se cansou dele e partiu para Paris, seguindo uma nova carreira e um novo amor. Pedro ficou sozinho, sem ter percebido muito bem o que se passou. Sentiu que a terra se abria agora debaixo dos seus pés. Sentia-se enganado pelo Mundo. Estranhamente, assim que voltou a si, estava novamente em casa, no cadeirão, junto à sua noiva, junto à lareira quente. A «ordem das coisas» parecia não ter sido corrompida. O Sol continuava na janela.
Alguns meses depois, Pedro caminhava pelas ruas sozinho quando ouviu uma voz familiar vinda de um clube. Uma certa curiosidade o guiou até à porta de entrada, de onde conseguiu ver Madalena cantando. Esta não o viu. Pedro hesitou, mas, por fim, decidiu-se e voltou a sair, em direcção ao destino habitual. Não se desviou do caminho. E nunca voltou a ver Madalena. O poder de escolha fê-lo sentir-se bem. O saber que existia outro caminho. A sua recordação, a sua memória de Madalena era o suficiente para sobreviver.

[João Silva]

All is clear



«Ai de mim! Tudo é claro agora! Ó luz do dia, vejo-te pela última vez, eu que nasci de quem não devia nascer, e me casei com quem não devia casar-me, e matei quem não devia matar!»

Édipo, em Sófocles, Rei Édipo

[João Silva]

segunda-feira, setembro 13, 2004

Manuel, o homem feliz

Manuel, ébrio como sempre, caminhava tresloucado pelas ruas da sua pequena aldeia. A sua única companhia era uma garrafa de vinho tinto que, por sinal, tinha sido roubada na mercearia de um senhor simpático, que era conhecido na aldeia por Tóino da Loja. Presume-se que, jamais alguém conhecera o seu verdadeiro nome.
As bebedeiras eram as companhias diárias deste ser desiludido com a vida. Porém, naquela caminhada, Manuel poderia ser bêbedo, o homem mais bêbedo do planeta, já que a sua aldeia estava em festa e, naturalmente, a multidão jorrava bagaço pelos dentes. Nesse dia, o homem poderia caminhar tranquilo. Ninguém o recriminaria.
Contudo, as manifestações de alegria que Manuel ia recebendo da populaça, enquanto caminhava, eram efémeras. Ele sabia-o. No dia seguinte, já ninguém se lembraria da sua existência, nem o próprio Manuel. Por isso, a sua caminhada prolongou-se até ao crepúsculo. A fuga ao sofrimento parecia evidente. À medida que caminhava, o bêbedo ia-se contagiando, progressivamente, de alegria. Dir-se-ia que era uma alegria solitária, própria de quem tem consciência da sua própria miséria.

[Paulo Ferreira]

A Morte no Amor Romântico

Esta é daquelas coisas. Ou se acredita ou não se acredita. O Amor Romântico, haverá coisa mais bela? A literatura enche-nos de estórias, de poemas, de graça e ilusão. Coisa bela que existe apenas na cabeça de cada um.
No Amor Romântico nada mais interessa que a pessoa amada e o sofrimento que o sentimento nos trás. É um sentimento tão forte que parece que rebenta o coração, em que um simples olhar da pessoa amada faz entrar em pleno êxtase orgásmico. É uma coisa bela, disso não há duvida.
Eu acredito neste amor. Sei que é impossível de o atingir. A natureza humana não o permite, apenas a imaginação o facilita. Mas mesmo assim acredito nela e espero. Espero por ele. Nunca o terei, mas que interessa. Para o ter, era até capaz de morrer.

Mas ai está onde eu pretendia chegar, parece que a única maneira de atingir o verdadeiro amor romântico é através do sofrimento, dum sofrimento alucinante que termina normalmente com uma morte. A nossa, ou da nossa amada. Como diz Nelson Rodrigues, nas suas infalíveis verdades, “Quem nunca desejou morrer com o ser amado não amou, nem sabe o que é amar”.
O que leva a pensar. Não será que, a única maneira de atingir o amor romântico seja através da morte, do destino trágico, daquilo que nos tornará imortal, antes da relação descambar por falta de amor. Não será na morte que está o culminar de todo o amor. De um amor tão forte, tão impossível que, o único meio de o realizar seja mesmo apenas com a morte.
A literatura só fala disso. Existe sempre alguém que morre, tinha que morrer. É o mártir, é o selar do amor eterno. Mas antes da morte existiu o sofrimento, Deus nos livre, de ele não existir. Não acredito que seja possível, mas morreria por ele. Pelo Amor. Sou um eterno Romântico. Que fazer? Talvez morrer.

[Tiago Baltazar]

domingo, setembro 12, 2004

Extremos

Antes de mais, devo confessar que não gosto de Jorge Sampaio. Porém, o Presidente da República não poderia ter uma frase melhor sobre um tema tão complexo, como é caso do aborto: “Não vejo nenhuma razão para que, quando se aborde este tema, nós de repente passemos a chamar a uns assassinos, ou quase, e chamar a outros fascistas, ou quase”.

[Paulo Ferreira]

Um pouco mais de sol

Estátua falsa

Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minh’alma desceu veladamente.

Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu dimano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distância.

Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de medo!

Sou estrela ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao mar...

Mário de Sá-Carneiro, Poemas

[Paulo Ferreira]

O homem não-homem

Já lá vai o tempo em que um homem tinha, apenas, de cavalgar umas quantas vezes, matar uns quantos mouros, sobreviver a um duelo, fazer uns dinheiros ou cair nas boas graças dos sogros para «agarrar» a mulher que queria. De entre muitas hipóteses que eram alheias à escolha e às preferências da mulher (a jovem, habitualmente e de preferência), o homem apenas tinha de escolher uma. Mas, a mais importante das características desse galanteio, que baqueou algures no séc. XIX, e deu sumiço algures no séc. XX, é a ausência de relação com a arte. O homem em questão poderia ser o mais abrutalhado das hostes que se reuniam, esperançadas, à porta da donzela, mas, se abrisse a cabeça de um indígena à machadada ou, mais actual, se abrisse o peito de outro cavalheiro em duelo de pistolas, tinha a vida feita. Se vivêssemos no séc. XIX, poderíamos ver os banqueiros gordos passear as beldades nas avenidas. Actualmente, apesar do dinheiro ainda comprar companheiras, essas relações já se tornam raras e problemáticas. Antes, o amor pelo rico, pelo bruto, pelo gordo, pelo feio, era sincero. Não sei se seria melhor, mas decerto pouparia certos esforços a que os homens têm sido, ao longo do século, sujeitos para chegar à mulher que querem, provas de não-virilidade que estão para o machismo como Estaline estava para Hitler. Hoje em dia, no entanto, o homem, a beleza e a arte juntaram-se num só ponto no imaginário da mulher. O homem tornou-se reflexo da arte. Tudo o que as mulheres querem ver é o reflexo de quadros, a reposição de filmes e o eco de canções (românticas ou anti-românticas, note-se) em cada um de nós.

O homem deixou de ser o manipulador bruto (podia ter sido alguém) para ser o manipulado artístico. Hoje, o homem é arte. Obrigatoriamente. Elas não se inibem nem se juntam numa grande comunidade feminina (as feministas da «defesa da Mulher» deixaram de ser mulheres há algum tempo), cada uma, cada qual com a sua visão pessoal de arte e, consequentemente, de beleza. Felizmente, os gostos são variados. Talvez o gosto básico de quase todas as mulheres, aquele para o qual despontam na adolescência, é o «homem Turner», a paisagem brilhante, magnânime, fruto de anos de trabalho e de toques e retoquezinhos, impossível de passar despercebido às meninas. No fundo, todas admiram Turner, a não ser que se prefira a anti-arte. Na verdade, não há mais nada para além do que lá está. É por isso que muitas começam cedo a admirar, preferencialmente, o «homem van Gogh», o «génio» (a genialidade é facultativa) misterioso que se recusa a falar com pessoas, nem com mulheres. À base do mau génio, no entanto, consegue, não a que quer, mas a que os outros querem. Geralmente, quem não gosta muito dele são os «Warhols», os meninos irreverentes progressistas, cujo sovaco mal-cheiroso, ideias novas e cabelo revolto mostram um fundo intelectual não demonstrado, tímido (ou seja, inexistente). Mas claro que quem passa a conhecer de perto a maturidade de alguém mais velho, de um «Picasso» (promíscuo e insinuante) ou de um «Hopper» (elegante, inteligente e experiente), não tão cedo voltará ao convívio dos demais seres jovens e mortais. Felizmente para o resto de nós, há sempre espaço para apreciar um «Rothko» (atenção, não confundir com roto). É simples e inteligente e, embora passe ao esquecimento ou à indiferença em pouco tempo, tem o benefício de nunca chegar a irritar ninguém. O tédio é o custo.

No entanto, não é preciso ser artístico, ou ser arte, para ser alguém. O acaso também tem, aqui, uma influência subvalorizada. Os filmes já estão feitos, portanto depende de cada um estar no sítio certo à hora certa. Felizmente para os menos agraciados com a suprema beleza humanista, há sempre a esperança do momento cinemático (eu nem a esperança tenho). Chegar quando a donzela está em perigo ou está em baixo ajuda muito (confesso que tenho, também, uma merda de timing). Muita gente poderá confirmar a eficácia dessa hipótese, se necessário. O «momento Casablanca» é, sem dúvida, o mais famoso e o mais repetido. Ainda assim, como crianças, caem sempre na mesma fraude.

Não há conselhos a dar, nem ninguém que os dê (desconfiem dos burlões que os dão), os padrões artísticos já foram definidos há muito, e a cultura do «homem manda-chuva» morreu há muito. Ainda Luís XVI era um só, já o homem se apercebia que o mundo ia mudar. Não era a mulher que estava mal, era o homem que estava exagerado, que punha demasiado ênfase nas suas qualidades. Hoje em dia, não temos qualidades novas, somos apenas a sua repetição, a repetição do que já foi escrito, feito e realizado. Não escolhemos nada, a nossa única possibilidade de escolha vem do desnivelamento demográfico que nos põe em defeito e em menor número. Deixámos de precisar de provar alguma coisa, ou mesmo de poder fazê-lo. Temos apenas de ser a pessoa certa, no sítio certo, no momento certo. O resto é automático. Somos apenas o homem na tela. Pior, o homem na montra. O quer que sejamos, uma nova entidade estabeleceu-se: o homem não-homem.

[João Silva]

sábado, setembro 11, 2004

América


Guido Ballabio

[João Silva]
[Tiago Baltazar]
[Paulo Ferreira]
[Gonçalo Simões]

Compaixão

Poderá ele existir sentimento mais revoltante que a compaixão?
Afinal que representa a compaixão? Um sentimento de gostar aliado, em tudo, a um sentimento de pena. Haverá sentimento mais revoltante? Para Nietzsche, com certeza que dificilmente e por mim, terá razão. Afinal que nos traz a compaixão? É um sentimento de protecção para com algo inferior a nós, algo incapaz de atingir um estado próprio que precisa da nossa pena.
Para Nietzsche, o sentimento de compaixão advinha do Cristianismo, esta sendo como a grande lição deixada por Jesus. Mas, Deus, o Deus do antigo testamento, que em tantas outras religiões é ainda o único livro verdadeiro, não apresenta qualquer tipo de compaixão. O Deus, é um Deus vingativo e punitivo.
Será que Nietzsche teria razão? Será que a compaixão enfraquece o homem. Pois sim, enfraquece. Enfraquece, até nos reduzir a um nada, até à nossa própria insignificância. Reduz-nos, no sentido em que pensamos que poderíamos ser nós naquela qualquer situação, apesar de não sermos. E aí, nesse momento, entendemos que poderíamos ser nós, que somos insignificantes na roda da vida.

Mas apesar de tudo, é estranho, ou talvez não, eu embutido no espírito do Cristianismo desde cedo em minha casa e até na escola (malditas horas passadas em Religião e Moral, verdadeiro tempo perdido), não consigo de deixar de sentir compaixão em certos momentos da minha vida, por alguns seres, humanos ou não, que me rodeiam. Mas ao mesmo tempo odeio a ideia de alguém sentir compaixão por mim. Será da religião? Agora sou perto do Ateu ou de um modo mais subtil Agnóstico. Mas será ou não a compaixão um sentimento inerente ao homem, tal como os 7 pecados mortais da tábua?
Sinto compaixão, sim. Compaixão pelos fracos e oprimidos, tal cavaleiro da Tábula Redonda do Reino de Arthur.
Teria Nietzsche compaixão por mim por isso?

[Tiago Baltazar]

sexta-feira, setembro 10, 2004

A última tarde

Naquela manhã, sentia-me bem. Caminhava pelas ruas deste velho bairro, como se fosse a primeira vez. Sentia-me bem por saber que tinha alguém à minha espera em casa. Decido entrar num café, não num qualquer, mas no café das minhas tardes de verão. O criado era simpático. Sentia-me bem por ali poder estar. Poderia desperdiçar várias horas da minha tarde naquele café, sentado descansadamente, a ler alguns capítulos do meu livro.
Com o passar das horas, fui ficando impaciente. Mesmo assim, sentia-me bem. Era a minha tarde. Ninguém ma poderia roubar. Porém, apesar de estar possuído por uma estranha felicidade, que quase não me deixava raciocinar, fui-me lembrando das outras tardes que se seguiriam àquela. Fiquei naquele café até ao aparecimento das primeiras estrelas no céu. Depois, parti. Afinal de contas, quem me esperava era a morte, e ela já esperava por mim há muito.

[Paulo Ferreira]

A vida como ela é...

Por um momento, pela tal delícia fulminante e vil, o homem mata e se mata. Assim aprendi que o homem começa a morrer na sua primeira experiência sexual.

Nelson Rodrigues - A Menina Sem Estrela: Memórias

[Tiago Baltazar]

Contra o infame multiculturalismo

Nos últimos tempos (nos últimos anos, digamos), muito ouvi falar de um «fenómeno» social que parece ter-se apoderado das mentes mais progressistas. Esse «fenómeno» é o infame multiculturalismo. Na verdade, tanto ouvi falar na irritante «devoção ao multiculturalismo» que passei a dedicar alguma repulsa, não só ao conceito, mas até à simples palavra. Ou tenha passado a sentir, talvez, uma simples oposição ideológica algo alterada por razões emocionais. No fundo, a diferença entre aqueles que acreditam no sucesso do multiculturalismo e aqueles que não o fazem está, não na origem, nem no possível fruto dessa disposição legal mas, salvo algumas generosas excepções, no próprio conceito de multiculturalismo. Há toda uma confusão semântica, sociológica e pessoal que induz ao simples erro de pensar o seguinte: que a «disposição multiculturalista» é a única que permite a existência dos outros, ou seja, que o multiculturalismo é a afirmação da tolerância cultural. Não é. Muito pelo contrário.

O multiculturalismo (novamente me pergunto: «o que é?») é, precisamente, a desmantelação abrupta do pluralismo anglo-americano, aquele que se pode considerar o expoente máximo do respeito pelas culturas mas, sobretudo, pela pluralidade de escolha. O multiculturalismo não é a «doutrina» da tolerância, mas sim a ausência da mesma. É fundada no garante comezinho «eu sou católico, tu és islamista, não se fala mais nisso para que não haja confusão entre nós, ok?». Resumindo a diferença, o multiculturalismo é a própria destruição da «harmonia» liberal que é intrínseca à cultura inglesa mas que é a base última dos Estados Unidos da América. É a destruição do pluralismo norte-americano que, sem dúvida, está à cabeça da tradição liberal da humanidade (poupem-me os pigarros antiamericanos). É o consumar da crença relativista na igualdade de todas as culturas. Será essa noção igualitária assim tão boa?

Esta nova «tradição multiculturalista» surgiu, talvez, na América dos anos 60, na forma de uma contra-cultura. Surge em oposição à tradição exclusiva da América (EUA) como ideia de civilização, ou seja, da América nascida e construída devido à confluência de muitas culturas diferentes, «importadas» de livre vontade. Hoje, parece ter-se perdido essa vontade, da parte de cada um, da parte cada imigrante, de debitar, oferecer as suas influências e tradições culturais originais à definição da cultura americana. Essa contribuição livre (e a palavra chave é livre) para o enriquecimento da civilização americana é a maior lacuna dos nossos tempos. Juntamente com a tradição da liberdade americana, essa contribuição cultural, feita de livre vontade, forma a singularidade dos Estados Unidos da América, que parecem ter passado, exceptuando as questões raciais que se importaram dos países europeus, à margem das grandes questões e guerras culturais que tiveram lugar na Europa, como a Grande Guerra. O grande argumento que prova a trivialidade, e mesmo o perigo (note-se a hostilidade entre «comunidades»), do multiculturalismo é, mesmo, a premissa da tradição do melting pot norte-americano: «qualquer um se pode tornar americano aprendendo hábitos e tradições», integrando-se, em vez de se juntar em comunidades que exercem influência. Ou seja, como diz Newton Gingrich no seu Renew America: esta [os EUA] é uma civilização fundada na responsabilidade individual e não na pertença a grupos, sejam eles étnicos, religiosos, económicos ou outros. O multiculturalismo é o primeiro passo para a «balcanização» da sociedade, que, por sua vez, é o derradeiro passo para o ódio entre pessoas que, por vezes, até têm uma vida igualmente «normal», à excepção da língua, da religião ou da cor da pele.

No fundo, não seria preciso dizer tanto sobre o «tão pouco», e tão demagógico, que é o «fenómeno» do multiculturalismo. Bastaria dizer que «quer existir» como substituição à histórica tradição de tolerância anglo-americana (coisa que, note-se, nunca existiu na maioria dos países, incluindo Portugal - a «simpatia à portuguesa», para com os turistas, não é substituto à altura), e não como afirmação da mesma. As culturas não devem ter o mesmo valor, ou equivalência moral, que as pessoas. As pessoas mais fracas devem ser protegidas, mesmo que integradas, mas as culturas devem ser respeitadas tal como são, e o maior respeito que se deve ter pela mesma é permiti-la sobreviver segundo os seus maiores atractivos e forças. As culturas que valem a pena sobreviverão e, mais importante, contribuirão para o enriquecimento de uma nação, ou de uma ideia de nação. «Protegê-la» é desrespeitá-la, marginalizá-la e, o mais grave, é desrespeitar as outras. É impossível conciliar duas culturas diferentes tornando-as igualmente importantes em tudo. O grande triunfo dos Estados Unidos da América é saber (na maior parte dos casos) diluir diferentes culturas no exemplar melting pot civilizacional americano. Sem essa disposição, formam-se os comunitarismos e, mais tarde, a xenofobia, o racismo, etc. O multiculturalismo veio tentar «destruir» as fundações da América como civilização.

Todos falam em tolerância, mas ninguém consegue definir correctamente o que é a tolerância. Como dizia Isaiah Berlin, «um dos grandes contras da tolerância na sociedade é não ser levado a sério». Por oposição às trivialidades do multiculturalismo, aceito esse risco. Os EUA são a prova viva de que funciona melhor.

[João Silva]

quinta-feira, setembro 09, 2004

Curta definição de amor

Não querer acordar do sonho.

[João Silva]

Os Meus Medos

Existem pessoas que se assustam com variadíssimas coisas, desde aranhas, a gafanhotos, a ratos, a cavalos (é verdade, eu conheço uma pessoa) e sei eu lá o quê. Fobias variadas que enchem o nosso imaginário e nos levam a sentir um medo irracional. Todos nós temos medo de algo, o que é natural, o não sentir é que nos leva ao perigo de sermos algum tipo de cyborg.
Ora, eu também tenho medo, mas é um medo diferente das outras pessoas. Eu tenho um medo mórbido à ignorância (tenho também um desgostar a animais com mais de quatro patas, mas isso é outra estória), a verdade é que a ignorância é para mim, a pior coisa que existe. Pois é desta, da ignorância, que tudo deriva. A maldade, a crueldade, é tudo fruto da ignorância. Sim, digo e reafirmo, todo o mal do mundo advém da ignorância humana.
Foi a ignorância que colocou o partido nazi no poder, foi a ignorância que iniciou as diversas guerras e conflitos que existiram no mundo. É devido à ignorância que continuam a morrer pessoas em todo o mundo. E continua a ser a ignorância que vai ditando inúmeros aspectos da nossa vida.
A ignorância do povo é o que existe de mais destrutivo para a própria sociedade. Uma pessoa pode ser cercada, levada e abatida da sua miséria, tal porco em dia de matança, mas o que fazer a um conjunto de pessoas que nunca desejou utilizar a massa encefálica?
Sim, eu temo a ignorância acima de todas as coisas (até das criaturas com mais de quatro patas). E, fora eu Cristo, fugiria desta como da cruz.

[Tiago Baltazar]

quarta-feira, setembro 08, 2004

A Mulher e a Paixão

Se existe coisa que me incomoda é estar a passear ou até mesmo no café e ouvir isto de um qualquer conhecido meu: “Olha aquela! É mesmo boa!”, visto está que se está a referir a uma qualquer rapariga. Por vezes ainda entro no jogo, só para me deprimir ainda mais, e pergunto: “Qual? A loira ou a morena?”, ao qual me respondem com alguma frequência: “É pá, não sei. Estava a olhar para o cu.”. Ok. Ponto final.

Está aqui demonstrado o homem tipo. Olha para o cu, para as mamas, mas nem se digna a olhar a pobre rapariga na cara. Descobrir a cor do cabelo, a cor dos seus olhos, o quão carnudo são os seus lábios.
Isto para mim é incrível! Eu olho o rabo, eu olho o peito, mas nunca sem antes olhar para a cara da pobre observada. Pois não será na face que está tudo?
Isto só me leva a crer que a maioria dos homens não compreende a magia inerente à mulher, à senhora. Afinal, preferem o sorriso do cu, ao sorriso da face. Para mim, é nesta última, a face, que se encontra toda a sexualidade, os contornos, as pequenas expressões, e afinal, só assim nos podemos apaixonar. Quem se apaixona pelo cu, não sente o que quer que seja, mas quem se apaixona pela face da donzela, tem todo um mundo por descobrir.
Quem nunca olhou bem fundo nos olhos de uma mulher, só olhar, olhar para além do nosso próprio reflexo, nunca viu uma mulher como esta deve ser vista. Como tudo na vida, aquilo que à partida nos é ocultado é aquilo que mais merece ser visto, e com uma mulher passa-se exactamente isso.

Para mim, não existe nada mais sensual que uma mulher com uma camisa longa até às coxas, podendo-se apenas vislumbrar os contornos da sua forma, e nesse momento, ela é toda mistério, nesse momento, podemos até conhecer a dita pessoa faz anos, tê-la visto nua uma centena de vezes, mas nesse momento ela é-nos totalmente desconhecida. Dona de uma beleza nunca vista.
É só dessa beleza que um homem, diga-se eu, se consegue apaixonar. Uma beleza que nós é totalmente desconhecida, inexplicável. Essa poderá ser a forma de se saber se nos encontramos apaixonados, o não saber explicar porque o estamos. O se dizer que se está apaixonado porque ela é gira ou boa, ou se quisermos ser mais explícitos, porque tem uma cara laroca, um cu bom ou um bom par de mamas, nada reflecte. Entenda-se, a própria explicação do porquê de se estar apaixonado contradiz automaticamente o estar apaixonado.
Obviamente que com o tempo que se vai passando com a pessoa, se vão descobrindo coisas das quais gostamos ou não nessa pessoa, mas não foi por essas particularidades que nos apaixonamos inicialmente. A paixão deriva do desconhecido, daquilo que não se explica, apenas daquilo que se sente.

[Tiago Baltazar]

Momento Esteves Cardoso II

"(...)São já (foram sempre) poucos os verdadeiros patriotas - aqueles que amam Portugal inteiro, passado e presente, Celorico e Lisboa, emigrante e cosmopolita, ao mesmo tempo que reconhecem, chateados, que Portugal está uma miséria há muito, muito tempo - pelo menos oitenta anos. Ser nacionalista não é, ao contrário do que diz a Esquerda estúpida, dizer que Portugal é que é bom. É dizer que, por muito mau que visivelmente seja, Portugal é que é nosso. Portugal é o que nos calhou. (...)"

-Miguel Esteves Cardoso, As minhas aventuras na República Portuguesa

[Paulo Ferreira]

Momento Esteves Cardoso

«Tanto a Direita Almoçadora como a Esquerda Gorda têm características comuns. A primeira não é de Direita da mesma maneira que a segunda não é de Esquerda. Ou seja: nem uma nem outra têm quaisquer convicções. A isto chamam, enquanto almoçam, não serem dogmáticos. Ou seja, estão-se nas tintas. A isto, chamam, enquanto pedem «um whisky em balão», serem pragmáticos.
A Direita Almoçadora é a Direita do Dinheiro, é a Direita dos Negócios, para quem Burke é capaz de ser marca de tractor. É a Direita que diz, com a Esquerda Gorda ao colo, «É preciso é viver bem». E vai a Esquerda Gordinha e responde «O prazer é revolucionário!».
A Direita Almoçadora é constituída por meninos e meninas muito irritantes que trabalham imenso e querem imenso reformar-se aos 35 anos. Têm imenso dinheiro e só não têm imensas ideias. Aqui entra a Esquerda Repimpa, num colchão de espuma, vinda das distantes tempestades do marxismo. A Esquerda Repimpa dá à costa, repimpa-se, instala-se e, durante o almoço, dá imensas ideias. O bancário da Direita Almoçadora joga perfeitamente com o imaginário da Esquerda Gorda.»


-Miguel Esteves Cardoso, Os Meus Problemas

[João Silva]

terça-feira, setembro 07, 2004

Wagner e as artes (cristã e grega)

Wagner alude ao que ele apelida de um dos maiores, senão o maior, «fracasso» da tradição Cristã, de permitir ao Homem fazer uso dos sentidos, de sentir na arte. Para o cristão, o Homem deveria estar desligado da realidade, do palpável, para criar arte.

Daí a necessidade de recorrer à Grécia e à Roma pagãs, cuja arte beneficiava do amor ao «belo» (na sua acepção física). O corpo é arte, simplesmente. Não há qualquer necessidade de interiorização. Wagner renega a «existência de fé» (apenas e sempre fé) em favor do que se poderia chamar um «orgulho humanista».

Wagner resume a visão grega:
«O homem grego, livre, colocando-se a si mesmo no ponto culminante da natureza, pôde criar a arte a partir da sua alegria de ser homem.»

E a visão cristã:
«O cristão, rejeitando-se a si mesmo e à natureza, só podia sacrificar ao seu deus sobre o altar da renúncia; não lhe podia apresentar a oferenda da sua criatividade, dos seus actos; acreditava, pelo contrário, que só poderia obter a graça divina abstendo-se da ousadia de qualquer produção pessoal.»

-Richard Wagner, A Arte e a Revolução

[João Silva]

A fuga

Por vezes, empenho-me tanto na memória que, passado um tempo, começo a pensar se tudo não existirá apenas na minha imaginação, e que tudo aquilo nunca aconteceu realmente.

[João Silva]

Uma Paris distante



[João Silva]

Delírio

A tua pose de musa de botequim arrasta-te para dentro de um livro de histórias encantadas, nas quais és dona e senhora do mundo animal.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, setembro 06, 2004

Patton (IV e último)



Depois da bem sucedida invasão da Sicília, o General Patton manteve-se ligado, passivamente, às acções conjuntas dos Aliados na contra-ofensiva que já se «rascunhava» no sul da Europa. No entanto, em Março de 1944, novamente pela mão de Dwight D. Eisenhower, foi encarregue do comando do Terceiro Exército na Grã-Bretanha, de forma a preparar as forças para um ano difícil e empenhado no noroeste europeu. O mesmo «Ike» viria, após o Dia-D, a reprimir Patton por novas declarações políticas públicas proferidas em Inglaterra. Mas a reprimenda não fora formal o suficiente para abalar a mútua confiança que ligava os dois militares e, sobretudo, para abalar a confiança que Patton tinha em si mesmo.

A 1 de Agosto de 1944, começou assim a sua campanha pela Europa. Desembarcando em França, as forças comandadas por Patton varreram o exército do Eixo da Europa Ocidental, gradualmente obrigando a Alemanha de Hitler a fechar-se sobre si mesma, refugiando-se nas fortalezas como num celeiro. A velocidade das suas operações e das suas acções ofensivas foram cruciais na recuperação do poder Aliado na Europa e na derrota, não só de bolsas de resistência inimigas, como do maior grosso das forças alemãs na Frente Ocidental. O próprio Patton chegou a afirmar, quanto à hesitação perante a ofensiva Aliada: «A good plan, violently executed now, is better than a perfect plan next week.»

Mas, talvez o seu feito mais famoso tenha sido a sua intervenção na batalha das Ardenas. A 16 de Dezembro de 1944, a Alemanha concentrou quase todas as suas forças terrestres (destaque para as enormes divisões de blindados Tiger e Panzer) e aéreas numa tentativa para esmagar as esperanças do exército norte-americano que se encontrava no Nordeste de França. Patton, apercebendo-se do sucedido, voltou da sua ofensiva numa área no sudeste e, num célere movimento conjunto, virou as suas forças contra os alemães, flanqueando-os a Sul, e ajudou a suster a contra-ofensiva inimiga. O General Omar Bradley classificou a acção militar de Patton como «um dos feitos de liderança mais espantosos da nossa campanha a Ocidente e da História militar».

No final da guerra, o General adquiriu as quatro estrelas. Sentia-se, então, um homem realizado, com um pé na Lua. Ficou, ainda, encarregue de governar a Bavária ocupada. Enquanto exercia essas funções, continuou a exprimir-se da forma irreverente e indomável que sempre o caracterizou. Obstinado, mas indomável. Opôs-se a obsessiva desnazificação que estava em curso em todas as áreas da sociedade na Alemanha ocupada. Essa indiscrição valeu-lhe a destituição desse cargo e de comandante do Terceiro Exército em Outubro de 1945. Foi-lhe atribuído o comando de uma simbólica força militar encarregue de estudos militares operacionais. A 9 de Dezembro de 1945, sofreu um acidente de viação, do qual lhe resultaram feridas graves das quais nunca recuperaria. Não teve, sequer, tempo de o fazer: no dia 21 de Dezembro do mesmo ano, 12 dias depois do acidente, falecia no Hospital de Heidelberg, na Alemanha. Foi enterrado juntamente com os homens que caíram na batalha do Bulge, no cemitério de Hamm, no Luxemburgo.

Poder-se-ia dizer que Patton tinha problemas em encontrar homens que lhe conseguissem fazer frente como militares. Todos o sabiam. No entanto, entre outras personalidades, amigas (Eisenhower, Montgomery, Bradley) e inimigas (Rommel), Patton tinha um inimigo que sempre o venceu. Esse inimigo era ele mesmo. A sua arrogância, o seu excesso de confiança, o seu estatuto de prima donna. Um general inultrapassável, mas também uma pessoa por vezes insuportável, dizia quem o conhecia. Os seus subalternos dividiam-se entre amor e ódio por si. No entanto, uma coisa parecia ser comum a todos: a admiração pelo líder que fora Patton. A consciência do risco e a capacidade de arriscar e assumir responsabilidades eram as suas maiores forças. Mas nunca soube, de certa forma, estar calado. A sua personalidade profana insultava o politicamente correcto que, normalemente, impera no Exército.

George Smith Patton Jr. nasceu a 11 de Novembro de 1885, em San Gabriel, na California. Morreu a 21 de Dezembro de 1945 em Heidelberg, na Alemanha. Ficou conhecido por desenhar os seus uniformes, por ter à cintura pistolas com coronhas de marfim, por ter uma personalidade tempestuosa e, não menos importante, por ter sido um dos maiores comandantes da história da América. Teve em si mesmo o seu pior inimigo.

«An incessant change of means to attain unalterable ends is always going on; we must take care not to let these sundry means undue eminence in the perspective of our minds; for, since the beginning, there has been an unending cycle of them, and for each its advocates have claimed adoption as the sole solution of successful war.»
-Gen. George s. Patton

[João Silva]

A imortalidade nas artes

"A força de vontade que engendra a arte e o pensamento desinteressado, a resposta empenhada que, só ela, é capaz de transmitir a arte e o pensamento a outros seres humanos, ao futuro, enraízam-se numa aposta na transcendência. O escritor visa que as palavras do poema, as linhas da argumentação, as personagens do drama, sobrevivam à sua própria morte, participem do mistério de uma presença e de um presente autónomos."

George Steiner, No Castelo do Barba Azul

[Paulo Ferreira]

domingo, setembro 05, 2004

O Génio “Louco” Solitário

É curioso. Desde pequeno que oiço que a linha entre o génio e o louco é muito ténue.
Encontro-me agora só, em frente ao computador, e penso nestas palavras. Porque será o génio “louco”?
Se procurarmos ao longo da história isto demonstra-se aparentemente como verdade. Kant era “maluco”, um génio, mas totalmente “louco”. Newton, Nietzsche, Einstein, Descartes, Van Gogh, Hobbes, Salvador Dali, Napoleão, Da Vinci, e muitíssimos outros, todos eles eram, em diferentes graus, “loucos”.
Não pretendo fazer aqui um diagnóstico psicológico a todas estas e outras personalidades, o que eu aqui defino como “louco” reflecte-se apenas, e só, em desvios do comportamento dito como “normal”, ou melhor, de norma. No fundo todos temos uma ponta de neuróticos, mas os ditos génios, na generalidade, apresentavam-na como muito mais assumida que os outros não tão geniais.

Ora, a que se deverá isso? Já aqui explicitei que racionalmente, o ser humano está condenado à solidão. E os génios, aqueles que racionalmente, se colocam acima de todos os outros apresentam igualmente uma solidão mais acentuada e daí uma “loucura” mais acentuada.
Apresenta-se-me assim que, um génio no verdadeiro acerto da palavra, é por norma mais neurótico que os restantes por se encontrar mais solitário que todos os outros na sua vida. Por não conseguir encontrar um semelhante na sua própria genialidade, ele é forçado a refugiar-se em si próprio.

Pois bem, mas houve génios à parte de Kant e Newton que encontraram as suas caras metades. Que se casaram e viveram felizes, tanto quanto possível. Será?
Não consigo esquecer algo que um meu professor, uma pessoa genial, uma vez disse numa aula de História da Psicologia, ou História das Ideias, como ele preferiria. Quando confrontado com uma pergunta sobre as relações estabelecidas entre as pessoas ele responde tão simplesmente isto: Para mim, as pessoas casam-se para não se sentirem tão sós. A verdade é que o rir de um filme é diferente quando se está só do que quando se está acompanhado.
Obviamente que eu não acredito nas caras metades, isso é uma treta. Mas, sendo verdade que as pessoas se casam para afastar a solidão, talvez muitas das pessoas geniais que existiram tentaram apenas colmatar um vazio existente neles, e à sua volta. Até que ponto conseguiam através do matrimónio eliminar a solidão? A meu ver, muito reduzidamente o faziam. Há relatos de que estes génios passavam grandes partes dos seus dias sós, a pensar, a trabalhar, a existirem no seu meio. Dedicando uma pequena parte do seu tempo com os seus companheiros.
A verdade é que muito provavelmente eles considerariam a companhia dos outros como uma perda de tempo, incapazes de comunicar com eles na total extensão da suas capacidades. A verdade seria, que os outros os não compreendiam. Eles estavam sós, como todos os outros. Mas, talvez, um pouco mais que os outros, presos na sua genialidade, eram “loucos” solitários.

Assim, e em suma, poderemos entender que os grandes génios que existiram, aqueles que, por um meio ou outro, se elevaram acima dos restantes homens, deviam a sua “loucura”, ou seja, comportamento fora do normal, à sua extrema solidão enquanto indivíduos sem par. Talvez.

[Tiago Baltazar]

Requiem por uma amiga

«Não deveríamos mesmo assim ter chamado carpideiras? Mulheres que choram por dinheiro e a quem se pode pagar para que toda a noite chorem, quando se faz silêncio. Voltem os costumes antigos! Não temos costumes bastantes. Tudo passa e se esvai em palavras. Por isso tens de vir, morta, e aqui, comigo, repor os prantos. Ouves o meu lamento?
Gostaria de lançar a minha voz como um pano sobre os restos da tua morte, e lançá-la até se fazer em farrapos, e tudo o que digo deveria andar andrajoso nesta voz e tiritar de frio; se lamentar bastasse. Porém agora acuso: não aquele que te arrancou a ti (não consigo descobri-lo, é como todos os outros) mas a todos nele acuso: o homem.»


Rainer Maria Rilke, As Elegias de Duíno

[João Silva]

O magnífico jornalismo do boteco de esquina

O senhor Pedro Ribeiro parece ter chegado para ficar ao jornal Público. No entanto, do ponto de vista do meu quadrante menos radical, talvez preferisse ver o exaltado jornalista numa área em que pudesse exprimir, de forma elegíaca, os seus sentimentos mais profundos. Enraizado no seu íntimo está o natural ódio à «cor» Republicana na Casa Branca e a um George W. Bush tornado «saco de pancada». Não o censuraria, se não fossem os seus artigos nauseantes que teimam em surgir no jornal mais «sério» (ou moderadamente inteligente) de Portugal. Estranhamente, é sempre o enviado «especial» do seu jornal para os eventos onde escolheria estar em último lugar, tal como enviar Revel em missão «seriamente informativa» para a Venezuela. Desta vez, não faltou a cobertura da Convenção Republicana. Aproveitou, então, para espalhar umas gotas do seu humor irreverente quando quis definir algumas «figuras» do Partido Republicano. Quando acabei de ler, não sei se haveria de rir ou sentir uma profunda angústia por ter dedicado tempo ao senhor Ribeiro:

George Pataki - (...) só o decoro o impediu de se declarar abertamente candidato a 2008.

(...)

John McCain - (...) A idade está contra McCain (terá 72 anos em 2008) e de qualquer forma ele diz que concorrer outra vez (foi candidato em 2000) não lhe interessa: "Só se fosse para imperador."

Arnold Schwarzenegger - O "governator" é dos poucos produtos de Hollywood que os republicanos apreciam. Se a Constituição (que veda a Presidência a cidadãos nascidos fora dos EUA) for alterada entretanto, não é descabido pensar em "Conan, o californiano" na corrida à Casa Branca.

(...)

Jeb Bush - com o seu estado varrido por furacões, o governador da Florida não foi a Nova Iorque. A ideia de uma sucessão dinástica tem os seus adeptos - mas quantos Bush é que a América quer meter na Casa Branca?

Colin Powell - (...) Mas Powell também não pôs os pés na convenção republicana - sinal de alienação perante o radicalismo de algumas posições da Administração Bush?

(...)


[João Silva]

Flor de melancolia


[Paulo Ferreira]

sábado, setembro 04, 2004

A Solidão como Certeza

Qual a única certeza que temos? A humanidade, desde que tomou as rédeas do seu destino que procura as verdades do mundo, as certezas. Estas segundo Popper, nunca poderão ser atingidas. Segundo este, a pouco e pouco aproximarmo-nos-emos da verdade, mas nunca a atingiremos. Em certo modo concordo. A verdade última é impossível de ser atingida, quer pela filosofia, quer pela matemática. Mas podemos aceder às nossas verdades, às conclusões que retiramos do mundo, da experiência, e nessas teremos que nos basear para conduzir a nossa vida.

Descartes, através do método introspectivo procurou atingir a verdade última. Abstraiu-se de tudo o que o rodeava e cingiu-se a focar-se em si mesmo. A verdade a que ele chegou fora a do cogito ergo sum, penso logo existo, mas Descartes, encontrou uma outra verdade que nunca chegou a enumerar. Ele, ao se abstrair de tudo o que lhe era externo, ao duvidar de tudo, encontrou-se a ele próprio nele mesmo, e essa é uma das grandes verdades da vida. Estamos sós. De tudo o que existe, a única certeza que podemos ter é a de que nós existimos, independentemente de tudo o resto, aliás, o resto pode até não existir. Mas nós, enquanto seres solitários existimos.
Assim, enquanto pensamos sabemos que existimos e podemos ter a certeza disso, por corolário podemos verificar que enquanto indivíduos nunca nos poderemos juntar a qualquer outro. Neste ponto não duvido do mundo material, mas o que tento expor é que nós vivemos enclausurados dentro de nós mesmos, sem nunca nos conseguirmos ligar a ninguém de forma verdadeira. A companhia que usufruirmos dos nossos amigos, companheiros, conjugues, é apenas uma ilusão, uma derradeira forma de nos sentirmos menos sós. No entanto, é apenas isso, uma ilusão.
Não nego que não necessitemos dessa ilusão, nem proponho que seremos melhores enquanto eremitas, nada disso. O ser humano é um ser social por natureza, social por irracionalidade, porque racionalmente estaremos sempre sós. E tal como não posso duvidar que existo enquanto penso, também não posso duvidar que eu sou um ser solitário enquanto penso.

[Tiago Baltazar]

sexta-feira, setembro 03, 2004

Patton (III)



O Norte de África, no Outono de 1942, era um cenário de guerra fatalista para as incautas e impreparadas forças Aliadas, em especial as britânicas e norte-americanas. Erwin Rommel, o mais temido oficial e general do III Reich, dispunha as suas escassas divisões blindadas pelos locais de batalhas escolhidos sempre por ele. Rommel obtinha uma superioridade táctica muito antes de se iniciarem quaisquer confrontos. Todos (ou quase todos) os ambiciosos oficiais Aliados sentiam um misto de admiração e ódio pelo general alemão, o que, curiosamente, lhe parecia dar uma aura mística, que exarcebava as suas qualidades. Depois do desaire do desfiladeiro de Kasserine em Fevereiro de 1943, do qual as forças americanas, numa completa dessincronização e desentendimento, saíram claramente derrotadas, Eisenhower atendeu aos pedidos de alguns generais estacionados em África e nomeou um homem de confiança que, além de manter uma longa amizade com Dwight D. Eisenhower, era uma referência para qualquer oficial Aliado. George S. Patton chegou, assim, a África com uma missão salvífica. Para derrotar o melhor general de divisões blindadas alemão, era preciso o seu equivalente ao serviço dos EUA. Era-o, certamente.

Patton havia recuperado a vantagem Aliada em Marrocos logo em finais de 1942, quando comandou as forças norte-americanas que chegavam ao Norte de África, mas seria depois de Kasserine que sentiria o peso do seu dever de derrotar as forças organizadas por Rommel na Tunísia. Conseguiu fazê-lo com uma estratégia de emboscada, num esforço conjunto e «sincronizado» entre tanques, artilharia pesada, morteiros e infantaria. A organização das tácticas de Patton suplantaram a estratégia de força e pressing psicológico de Erwin Rommel. Patton, com a vitória sobre Rommel no Norte de África era, então, um homem exaltado, cujo estatuto de prima donna (assim o admitia) apenas era «abalado» pelas exigências do irritante (Patton também admitia isto) Montgomery, que insistia na primazia das forças britânicas no sucesso no Norte de África. Começava aí o permanente atrito entre os dois oficiais aliados. Patton nunca viria a gostar dele. Nem na invasão da Sicília essa «relação» foi esquecida.

Patton comandou e esteve encarregado das preparações do 7º Exército dos Estados Unidos para a invasão da Sicília, que levou a cabo a 10 de Julho, num operação conjunta entre americanos e britânicos (o 8º Exército Britânico, liderado por Montgomery). 38 dias depois, a Sicília era libertada. No entanto, ficaram marcados dois episódios que viriam a determinar muitas decisões futuras e a explicar outras tantas do General Patton. O primeiro, referente à teimosia de Patton em chegar primeiro à capital da Sicília, como libertador, ao contrário da decisão do Alto Comando Aliado de permitir essa função (ou «estatuto», na óptica dos dois Generais) a Montgomery. após completar o primeiro assalto, Patton recusou defender o flanco de Montgomery e, em vez disso, avançou mais rapidamente mais a Oeste da ilha e, chegando primeiro a Messina, mostrou o seu carácter a Montgomery e a Eisenhower. Esse carácter ficou ainda mais demarcado com o «segundo episódio», no qual Patton, depois da vitória na Sicília, visitou um hospital militar e, encontrando lá um soldado a ser tratado, num estado de choque provocado pela guerra, o esbofeteou acusando-o de extrema cobardia e de faltar às suas responsabilidades, enquanto americano e enquanto soldado, para com os outros combatentes. Fora duramente reprimido pelo Alto Comando Aliado e, em especial, pelo Congresso e por «Ike» Eisenhower. Eisenhower «obrigou-o a fazer um pedido público de desculpas para todo o exército que se encontrava sob as suas ordens. Esse pedido de desculpa seria outra importante viragem na sua vida.

«An Army is a team; lives, sleeps, eats, fights as a team. This individual heroic stuff is a lot of crap.»
-Gen. George S. Patton

[João Silva]

Um Desgosto de Amor

Vivo com um desgosto de amor, paixão, obsessão (como tão eloquentemente o diz Sir Anthony Hopkins em Meet Joe Black).
Como pode ser que um sentimento tão belo, o de estar enamorado, apaixonado, se demonstra ao mesmo tempo tão feio, tão tortuoso? Sei que amei e fui amado, foi bom, mas só agora olhando para trás, depois de tudo terminado, percebo a verdadeira magia de tudo o que aconteceu, tudo o que tive, tudo o que dei. E agora, que amo sem retribuição jazo estendido no chão com a alma em permanente suplica, em permanente choro.

Acusam-me de ser um romântico, que vivo numa época em tudo romântica. É verdade, os livros que mais admiro retratam essa época, e apesar de conhecer a verdadeira natureza do homem, do homem Hobbesiano, do homem Darwinista, eu continuo a acreditar na ilusão romântica, na ilusão do belo.
Foi Somerset Maugham quem tropeçou numa das maiores verdades sociais e relacionais. Talvez ainda muito ignorado, é uma pena, pois é um escritor que vale a pena ler – posso até admitir que é o meu preferido. Maugham, parafraseando, diz pura e simplesmente isto: em todas as relações existe aquele que ama e aquele que se deixa ser amado.
Eu amei e fui amado. O que prefiro? O meu cérebro diz-me que é muito melhor deixar ser-se amado, a ligação com o outro é menor e se correr mal correu, acabou, pronto. Mas o coração, ai o coração – maldita veia romântica – o coração quer amar, quer também ser amado, é óptimo ser amado, mas o coração precisa de amar, senão perde a vontade de bater.

Como digo, vivo com um desgosto de amor e paixão, de um coração que ama. Que me passa pela cabeça nestes momentos? Bom, gostava que rebentasse ai uma guerra. Sim, uma guerra. Qual a causa, pouco me interessa. Quero ir para um país do outro lado do mundo, matar aqueles que me são indiferentes, não por qualquer causa politica, mas porque são desconhecidos. Sim quero matar e acima de tudo morrer, morrer como um herói, com uma medalha póstuma colocada sobre o meu caixão, com aquela que me renegou chorando junto ao meu corpo frio e só tendo uma coisa para lhe dizer, tais palavras seriam cravadas na minha laje: Matou. Matou por Amor.
Maldita veia Romântica!...

[Tiago Baltazar]

Aimee Mann - Uma Sereia em Terra

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There is nothing that competes with habit
And I know it's neither deep nor tragic
It's simply that you have to have it

So you can make a killing
Oh you can make a killing
Oh you can make a killing

I wish I was both young and stupid
Then I too could have the fun that you did
Till it was time to pony up what you bid

So you could make a killing
Oh you could make a killing
Oh you could make a killing

I could follow you and search the rubble
Or stay right here and save myself some trouble
Or try to keep myself from seeing double

Or I could make a killing
Or I could make a killing
Oh I could make a killing
Yeah I could make a killing
I could make a killing

You could make a killing
by Aimee Mann

[Tiago Baltazar]

quinta-feira, setembro 02, 2004

O Inferno na Terra



"Conhecemos o vazio neutro dos céus e o seu terror. Mas talvez a perda do Inferno tenha sido mais devastadora ainda. Talvez a transformação do Inferno em pura metáfora tenha deixado uma lacuna formidável nas coordenadas do reconhecimento espacial e psicológico do espírito do Ocidente. A ausência dos condenados familiares escavou um vórtice que o Estado totalitário contemporâneo terá vindo preencher. Não termos nem Paraíso nem Inferno é ficarmos intoleravelmente despojados e sós num mundo sem espessura. Dos dois reinos perdidos, verificou-se que era o Inferno o mais fácil de recriar. (As suas descrições tinham desde sempre sido mais precisas).
Na nossa barbárie actual encontra-se em actividade uma teologia extinta, um corpo de referência transcendente cuja morte lenta, incompleta, deu lugar a formas e sucedâneos paroxísticos. O epílogo da crença, a transformação da fé religiosa em convenção oca, parece ser um processo mais perigoso do que os philosophes tinham previsto. As formas de degradação são tóxicas. Em busca do Inferno, aprendemos a construí-lo e a fazê-lo existir na Terra. A poucos quilómetros da Veimar de Goethe - ou nas ilhas da Grécia. Não há outra capacidade humana portadora de maior ameaça. E porque a possuímos e a usamos sobre nós próprios, vivemos hoje uma pós-cultura. Tendo colocado o Inferno à face da terra, abandonámos a ordem suprema e as simetrias fundamentais da civilização ocidental."


Gerorge Steiner, No Castelo do Barba Azul

[Paulo Ferreira]

A barbárie e o tédio

George Steiner, no primeiro ensaio do livro No Castelo do Barba Azul descreve "um grande tédio" que se instalou na Europa Ocidental, desde o fim da era napoleónica até ao início da Primeira Grande Guerra, que provocou uma espécie de revolta interior dentro dos europeus da época. "Os movimentos que se repetem ou a inacção, se se prolongarem no tempo necessário, segregam um veneno no sangue, um torpor ácido.". É desta forma que Steiner descreve esse tédio.

Este grande período de paz (1815-1915), apenas interrompido por curtas guerras como a guerra da Crimeia, modelou a sociedade ocidental. E é nesse período que se seguiu a Napoleão que se devem procurar as origens desse grande tédio que originou a Primeira Guerra Mundial. Afinal de contas, o povo europeu estava habituado à acção e à mobilidade provocadas pela Revolução Francesa de 1789 e pelas guerras napoleónicas.Depois desse espaço de tempo, no qual a ideia de progresso tinha-se tornado quase uma possibilidade concreta, seguiram-se tempos de paz, reacção e imobilidade, que fizeram com que a loucura e a morte fossem preferíveis a uma pacata forma de viver burguesa.
Assim sendo, o colapso de esperanças revolucionárias, a partir de 1815, deixou atrás de si um amontoado de "energias turbulentas e sem escape".

"(...)Se nos detivermos para observar as fontes do saber que temos a seu respeito, verificaremos que não raro são puramente literárias ou artísticas, que o nosso século XIX interior é uma criação de Dickens ou Renoir. Se dermos ouvidos ao historiador, especialmente ao historiador radical, rapidamente nos compenetraremos de que o «jardim imaginário» é, sob certos aspectos decisivos, uma simples ficção. É-nos dado a entender que a crosta de requinte civilizacional cobria profundas fossas de exploração social; que a ética sexual burguesa mascarava uma imensa área de hipócrisia turbulenta; que os critérios de formação cultrural exigente diziam respeito a muito poucos; que o ódio entre as gerações e as classes era visceral, ainda que muitas vezes silencioso; que a segurança do faubourg e do parque estava directamente ligada à ameaça, reconhecida mas contida, dos casebres e tugúrios. Quem quer que queira abrir os olhos poderá descobrir o que era um dia de trabalho numa fábrica vitoriana ou como a mortalidade infantil atingia grandes números das regiões mineiras do Norte de França durante as décadas de 70 e 80 do século passado."

George Steiner, No Castelo do Barba Azul

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, setembro 01, 2004

Às portas do Inferno



1 de Setembro de 1939, a Alemanha invade, maquiavelicamente, a Polónia, após ter garantido às potências ocidentais que não o faria. Embalado pelo apoio soviético, Hitler achava-se, agora, imparável. Seria o regresso à opressão militar na Polónia e o início de 6 anos de uma devastadora guerra na Europa. A Segunda Guerra Mundial havia chegado, sem qualquer outra solução. O derradeiro passo para o genocídio da raça judaica estava agora dado.

[João Silva]

Comédia à portuguesa

O «barco da discórdia» chegou. Da discórdia? Será essa a palavra correcta? Como se pode discordar de algo que é proibido por lei? Em Inglaterra, antes de lá aterrar, não se sabe bem de onde, uma geração diferente, era um país que muito nos teria a ensinar sobre este aspecto: a lei. Mais do que a lei, sobre a conduta moral. Em Inglaterra nunca se precisou de leis escritas para determinar o que é certo e é errado, o justo e o injusto.

No presente caso em Portugal, não se trata de debater se se devia ou não legalizar o aborto no país, embora esta seja uma altura que propicia muitas explosões emocionais para além da reflexão política. A questão realmente importante e que, graças à imposição do voto popular e da opinião pública, se transformou em mais um debate partidário (uma disputa clássica no espectro esquerda-direita), é a necessidade de compreender, não o perigo que os tripulantes representam para a moral portuguesa, mas a relação entre a «função» do dito barco e a lei em Portugal. Se um barco habitualmente relacionado com tráfico de droga viesse atracar em portos portugueses, certamente que os apoiantes da legalização não iriam receber em apoteose os tripulantes.

Os ingleses sempre respeitaram um código de leis virtuais que desde cedo interiorizaram, os portugueses nem as próprias leis, que votaram, respeitam. É um questão de tradição civilizacional.

[João Silva]