terça-feira, agosto 31, 2004

O barco do aborto visto por outros

"Não sei se existem argumentos legais para impedir a entrada do barco do aborto em águas portuguesas, mas sei que a iniciativa é de um evidente mau gosto. Arranjar um batel para fornecer pílulas abortivas a mulheres no alto mar e chamar ao projecto Women on Waves, como se fosse um episódio ginecológico do Marés Vivas, só pode ser considerado uma abordagem paródica a um problema muito sério. Que boa parte do espectro político português tenha ficado excitadíssima com a visão do navio, diz muito sobre o país que temos. Independentemente das opiniões sobre o aborto, convinha evitar todas as simplificações, como se existisse uma solução evidente para o problema - porque não há. O barco do aborto é propaganda e demagogia. Apenas isso".

João Miguel Tavares, Diário de Notícias

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, agosto 30, 2004

O barco do aborto

Como até o indivíduo mais alheio ao panorama informativo nacional sabe, o barco do aborto (isto é um nome?) chegou a Portugal. Repito, chegou a Portugal. Mesmo tendo sido impedido de atracar em território português, o, tão polémico, barco já se instalou na mente de todos os portugueses e, por conseguinte, os objectivos dos membros desta ONG foram cumpridos na totalidade, já que os seus objectivos principais passavam mais pela libertação da mente humana para o progresso do que por outra coisa qualquer. No fundo, a proibição governamental foi, infelizmente, a melhor propaganda que o barco poderia ter.

[Paulo Ferreira]


domingo, agosto 29, 2004

Contra a cegueira

"(...) O comunismo abriu caminho a partir de 1920, à evolução dos países capitalistas liberais para um socialismo democrático. O comunismo representou historicamente um papel contra-revolucionário. Não foi por acaso que ele triunfou na Rússia e na China, nos dois impérios que tinham já o passado xenófobo e o mais totalitário, aqueles em que o Estado tinha sempre imposto o culto idólatra do monarca, o despotismo burocrático e o dirigismo cultural.. Se a Europa, especialmente, quiser voltar a progredir para a esquerda, tem primeiro de se desembaraçar da ideia de que o comunismo faz parte da esquerda."

Jean-François Revel, A Tentação Totalitária , 1975

[Paulo Ferreira]

sábado, agosto 28, 2004

Sean Connery (setenta e quatro anos de existência)



[Paulo Ferreira]

sexta-feira, agosto 27, 2004

Os chacais, confessos resistentes de 68! - Reminiscência IV

É de manhã. A modorra apodera-se do Homem em forma de abutre. O pensamento funde-se com a carne dilacerada por milhares de dentes insalubres. O sangue transfigurado leva-me a acreditar que sou o único sobrevivente da família dos cogitabundos. Tento falar. Não consigo. A escopeteria não autoriza. Limito-me a observar. Vejo cartazes a sobrevoarem a multidão faminta de vida. Admiro a puerilidade dos que urravam sem razão. Sento-me num degrau de uma escada a saborear a minha pequena derrota. A derrota da, tão pudibunda, coragem.
Regresso rapidamente a casa. Rasgos de imagens cruzam-se na minha mente. Só o medo é nítido. Só a cobardia é latente.

[Paulo Ferreira]

Patton (II)



Poder-se-ia afirmar que George S. Patton Jr. decidira, desde muito cedo, que o seu objectivo seria um pouco diferente do objectivo de outros da sua geração. Enquanto outros almejavam sucesso e sonhavam com a glória do heroísmo, Patton tinha como objectivo a própria glória. Queria ser um herói, como os seus antepassados. E foi essa a principal da premissa da sua entrada na Primeira Guerra Mundial, fazendo-se já acompanhar de um currículo e de uma influência e respeito invejáveis. Já tinha estado em campanhas no México sob o comando do lendário General John J. Pershing, notabilizando-se em algumas acções ofensivas contra o «exército» de Pancho Villa.

No entanto, foi mesmo em França, na Primeira Guerra, que a sua capacidade de liderança mas, sobretudo, estratégica, veio à tona. Como comandante de uma das primeiras divisões blindadas (a primeira realmente estruturada e «institucionalizada»), conseguiu convencer toda a gente do papel fulcral que uma destas divisões tem. As suas acções culminaram na militarmente famosa operação de Meuse-Argonne, onde foi ferido numa perna e pela qual foi distinguido com uma das primeiras medalhas da sua «colecção», que, no final da sua vida, já era realmente interminável.

Patton era um defensor acérrimo da utilização «livre» (organizada) de veículos pesados e artilharia no campo de batalha. Sobretudo tanques. George, ao contrário de muitos oficiais saídos da tradição da Primeira Guerra Mundial tinha, não a confiança, mas a certeza da importância dos tanques em batalhas terrestres, agora que se caminhava para o teatro de operações de combate moderno. Mas foi apenas em 1940, durante a ofensiva alemã na Europa, que a teoria militar (ou doutrina) de Patton teve um maior impacto no seio do alto comando militar americano e, mais importante, do Congresso, que permitiu uma «abertura» no orçamento e, assim, possibilitou que se formasse uma das maiores forças ofensivas da História, estando, no entanto, resignada à posição de espectadora.

Essa posição inverter-se-ia em finais de 1941, quando, depois do ataque do Japão em Pearl Harbor, os Estados Unidos da América entraram na guerra ao lado dos Aliados. Os espectadores, então, passariam a ser maioritariamente os alemães, que viram o poderio ofensivo americano deitar por terra as pretensões alemãs. Um dos primeiros palcos atribuídos às forças norte-americanas foi o Norte de África, onde a Alemanha de Hitler viria a conhecer um dos mais terríveis espectáculos militares de sempre. O seu encenador: o general George S. Patton.

«In landing operations, retreat is impossible, to surrender is as ignoble as it is foolish… above all else remember that we as attackers have the initiative, we know exactly what we are going to do, while the enemy is ignorant of our intentions and can only parry our blows. We must retain this tremendous advantage by always attacking rapidly, ruthlessly, viciously, and without rest.»
-Gen. George S. Patton

[João Silva]

quinta-feira, agosto 26, 2004

Devaneios - Reminiscência III

Mais uma noite em que fantasmas do passado perseguem-me com frases vazias e gestos imperfeitos. As suas vozes escorregam pelas paredes tépidas de um quarto melancólico e desiludido. A dor corre através de segredos jamais contados, de sentimentos platonizados, de pensamentos deixados a meio.
Lembranças fugazes de palavras mudas escritas em páginas cheias de desejo são tudo o que me resta de ti. Recordo-me tristemente do teu andar apressado, do teu sorriso cansado, de todo o desespero que sentia quando nos cruzávamos, de todas as coisas que desejei confessar-te...

[Paulo Ferreira]

No bar - Reminiscência II

Depois de ficar toda uma noite a observar os automóveis que passavam a milhas de distância, acordo dentro de um copo vazio. Observo os teus passos apressados. Definitivamente, vens ao meu encontro. Sentas-te à minha frente silenciosamente. Acendes um cigarro. Não pretendemos conversar por imaginarmos que o dia foi árduo para ambos. Trocamos olhares com a certeza de que não necessitamos de gastar as palavras com conversas fúteis. As pessoas que nos rodeiam abafam o nosso silêncio. Permanecemos sentados com os gestos mudos de sempre à espera que um de nós se levante energicamente na direcção do infinito. De repente, ergues um braço e, do mesmo modo que chegaste, desapareces por entre as ruas deste pequeno bairro sem deixares rasto do teu cheiro feminino. Tento seguir-te, mas tropeço num dos dipsomaníacos que te lançava olhares desde que chegaras.

[Paulo Ferreira]

O festejo do golo - Reminiscência I

Gosto de futebol. Porém, não consigo deixar de permanecer sossegado na minha cadeira quando o cube, pelo qual eu simpatizo, marca um golo. No máximo esboço um sorriso patético. Sempre foi assim.
Apesar disso, as pessoas que me rodeiam festejam os golos das mais diversas formas: pulando, gritando, cantando, pontapeando as mesas e as cadeiras, etc. Não há forma de pedir a alguém que me imite quando o clube dos seus afectos acerta com a bola no fundo das redes do clube adversário.
Contudo, houve um festejo que me ficou na memória, mais ainda do que o próprio golo, que já foi esquecido. Foi o festejo à peixinho. Quando vi, nem quis acreditar: um rapaz rechonchudo levanta-se, dá um pontapé numa cadeira e atira-se ferozmente para o chão de braços abertos. Coisa inédita. Que fervor! Que emoção!

[Paulo Ferreira]


quarta-feira, agosto 25, 2004

Ternura



Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.


Vinicius de Moraes, Nova Antologia Poética

*imagem: Albert Bierstadt, Mount Whitney, 1877

[João Silva]

Laurel & Hardy

Moore e Kerry

A «tropa» democrata, e os seus seguidores na Europa, andava entusiasmada com a «tralha» de Moore e o seu efeito na campanha e nos resultados das sondagens de Bush. Era o herói, de pacotilha (de pacote, tendo em conta o peso), de momento.
Agora apareceu um livro nos EUA, já esgotado nas melhores casas, sobre o passado militar de Kerry no Vietname, que podendo ser tendencioso, como se adivinha, nunca será tanto como o filme (?) de Moore, porque transpõe relatos directos de soldados que estiveram com o candidato democrata, e a onda de protestos é grande e «liberal». Agora já não agrada. É uma vergonha, distorcido, tendencioso, e coisas afins.

São os mesmos que cantavam maravilhas do filme contra Bush. Porque é que eles são sempre assim? Não têm nenhum respeito pelos adversários, e gritam de indignação quando os atingem com as mesmas armas. Curioso será ver-se qual dos dois casos afectou mais a imagem dos candidatos: se as tolices de Moore, ou os relatos inflamados dos veteranos que foram comandados por Kerry.


Luís Delgado, 24/08/04

[João Silva]

terça-feira, agosto 24, 2004

Despair

O blog do meu caro amigo Bruno Alves parecia estar a recuperar, a levantar-se do meio dos mortos. No entanto, esta semana, o impensável voltou a acontecer, com um agravo (uma coincidência surrealista): a morada foi ocupada. O Bruno continua sem blog, enquanto alguém se vai aproveitando disso, consciente ou inconscientemente. Espero que se resolva em breve, ou que seja apenas a nossa imaginação. Porque isto não pode estar a acontecer...

[João Silva]

Heróis...

O povo, indepententemente do país, gosta que os seus atletas ganhem as competições em que participam.Afinal de contas, qualquer vitória, por mais insignificante que seja, levanta a moral colectiva. Porém, quando esses atletas ganham, como foi o caso de Francis Obikwelu, o povo, e particularmente o povo português, excede-se nos festejos e, por conseguinte, ultrapassa certas barreiras que deveriam permanecer longínquas.
A conquista de uma medalha de prata por parte de Obikwelu, só pode ser um motivo de regozijo para todos nós. Contudo, essa medalha de prata, não dá autoridade alguma às pessoas (povo, imprensa, etc.) para se intrometerem na intimidade de Obikwelu. Mesmo que precisemos de sonhar com heróis para viver,não temos o direito de saber que Obikwelu já trabalhou nas obras e que foi adoptado quando corria pelo Belenenses. Fartos de exemplos tristes já nós estamos! para quê criar mais um?

[Paulo Ferreira]

Lamentável!

Há dias atrás, fiz uma breve referência ao Desesperada Esperança, blog do meu grande amigo Bruno Alves, pensando que o seu regresso estaria para breve. Porém, por motivos que desconheço, o seu blog foi apagado, pela segunda vez numa semana. Se o leitor desejar saber mais sobre o sucedido,leia este post.

[Paulo Ferreira]

Diamonds & Gold



[João Silva]

O jogo

No bar, os amantes enleiam-se em jogos de submissão e posse. O macho carrega a sobrancelha e ela finge-se distraidamente alheia. Ele vai-a conquistando em avanços cautelosos, enquanto a ninfa se distrai. No fim, ela presenteia o submisso com um beijo esquivo, e este, embriagado, não consegue evitar quebrar as defesas e esconder um ébrio sorriso idiota.

[João Silva]

segunda-feira, agosto 23, 2004

«Coquette» dos Prados

Coquette dos prados,
A rosa é uma flor
Que inspira e não sente
O encanto d´amor.

De púrpura a vestem
Os raios do Sol;
Suspiram por ela
Ais do rouxinol:

E as galas que traja
Não as agradece,
E o amor que acende
Não o reconhece.

Coquette dos prados
Rosa, linda flor,
Porquê, se o não sentes,
Inspiras amor?

Almeida Garrett

[Tiago Baltazar]

domingo, agosto 22, 2004

Terras do nunca

Fim de tarde. Um casal bronzeado entra num café, de lancheiras às costas. Três adolescentes rebeldes esperam dentro de um carro sobrecarregado. «Pela cara deles, vieram do Algarve!»,penso.

[Paulo Ferreira]

Desesperado

Desesperado deve andar o meu amigo Bruno Alves pelo regresso ao seu local de origem. Mas, pelos vistos,o regresso está para breve. Esperemos pelo Desesperada Esperança.

[Paulo Ferreira]

Crise Lamentável

Gostava tanto de mexer na vida,
De ser quem sou - mas de poder tocar-lhe…
E não há forma: cada vez perdida
Mais a destreza de saber pegar-lhe.

Viver em casa como toda a gente.
Não ter juízo nos meus livros – mas
Chegar ao fim do mês sempre com as
Despesas pagas religiosamente.

Não ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas –
À minha Torre ebúrnea abrir janelas,
Numa palavra, e não fazer mais cenas.

Ter força num dia pra quebrar as roscas
Desta engrenagem que empenando vai:
- Não mandar telegramas ao meu Pai,
- Não andar por Paris, como ando, às moscas.

Levantar-me e sair – não precisar
De hora e meia antes de vir prà rua.
- Pôr termo a isto de viver na lua,
- Perder a «frousse» das correntes de ar.

Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa dos amigos que frequento –
Não me embrenhar por histórias melindrosas
Que em fantasia apenas argumento.

Que tudo em mim é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete:
E sempre o Oiro em chumbo se derrete
Por meu azar ou minha Zoina suada…

Mário de Sá-Carneiro

[Tiago Baltazar]

sábado, agosto 21, 2004

Mercenary's Song (A.D. 1600)

I am no callow Christian,
No pus-paunched prelate, I,
I hope not for salvation,
Nor fear the day, I'll die

In wantonness of appetite,
In women, wine and war,
In fire and blood and rapine
In these my pleasures are.

I love the smell of horse dung,
The sight of corpse-strewn mud,
The sound of steel on armour
The feel of clotting blood.

The women I have ravished,
The infants I have slain,
The priests and nuns l've roasted,
They haunt me not again.

Priests talk of soul's salvation,
And shining lights afar,
But give me a harlot's laughter
And the battle flash of war.

Priests talk of soul's damnation
The white hot pits of hell;
I fear more wounds that fester
And gape and rot and smell

Then here's to blood and blasphemy!
And here's to whores and drink!
In life you know you're living
In death we only stink.


George Smith Patton, Jr. (1885-1945)

[João Silva]

O esventrado

José, um rapaz trabalhador mas pouco dotado de pensamento, vivia, como o próprio dizia, em função do grande amor da sua vida, Madalena. Pedreiro aplicado, com pretensões de subir na vida, José esfalfava-se a trabalhar. Contudo, quando surgia algum tempo livre, o pobre homem enfiava o capacete na capacete e corria velozmente para os braços da sua amada. Ela, por seu lado, esperava-o sempre, com a mesma altivez, própria de quem se sente um ser superior.
Mesmo sabendo que não merecia aquele tipo de tratamento por parte da namorada, José tentava compreendê-la, dando-lhe todo o tipo de atenções que, até, ele próprio nunca recebera de ninguém.
Com o passar dos dias e dos meses, José foi começando a perceber que algo estava mal na sua relação amorosa com Madalena. Mas, a sua vida rotineira continuava a mesma. Do trabalho à cama da amada, tudo era perfeito. Não havia motivo algum para que se preocupasse com o futuro. O casamento viria com o dinheiro e, a partir daí, a felicidade dos dois pombinhos eternizar-se-ia.
Porém, por ironia do destino, certa noite, ao sair do trabalho, vê a ninfeta que lhe preenchia todos os espaços da sua vida sair de mão dada com um homem, mais velho que o pai dele. E, desgraça das desgraças!, vê o que não queria ver, um beijo. As faces de Madalena conspurcadas com a saliva de um velho. Uma saia levantada numa esquina.
Na tarde seguinte, José não vai trabalhar. A imagem da noite anterior impedia-o de fazer fosse o que fosse. Todavia, passados uns dias, decide voltar para os braços da ninfeta e pedir-lhe perdão por tantos dias de ausência. E assim acaba a história de José, o eterno marido.

[Paulo Ferreira]

Patton (I)



George S. Patton Jr. (1885-1945) já nasceu no seio de uma família de militares. Sobretudo, de homens de tradição militar (tradição e disposição que, inadvertidamente ou não, se confundiam entre Exército e casa). Patton já nasceu com a aura, à partida, de futuro militar de carreira. Os seus antepassados assinalavam uma disposição quase genética para dedicar a vida ao país. Patton não seria excepção. Tudo indicava que seguiria a tradição.

Na verdade, o primeiro de três George Smith Patton (sendo o terceiro o general da II Guerra Mundial) foi um dos mais «famosos», digamos, impulsionadores da disposição familiar. Comandara, durante a Guerra Civil Americana, o 22º Regimento de Infantaria de Virginia, e morrera no calor (hipérbole obrigatória) a Batalha de Winchester em Setembro de 1864. A sua morte talvez tenha dado o grande ênfase a toda uma geração de militares. A morte em serviço dava um valor quase imortal a qualquer militar de carreira. Nunca a tensão suicida tivera influência num Patton. Simplesmente, morreriam combatendo.

George S. Patton Jr. cedo perceberia o seu dever de carreira, sem nunca ter duvidado, ele ou qualquer outro, da sua paixão pela batalha. O grande prazer da sua vida vinha, não da derrota do inimigo, mas da vitória sobre o mesmo. Passou um ano (1903-04) no Virginia Military Institute e seria, depois, nomeado para a Academia Militar dos Estados Unidos no primeiro semestre de 1904, e em Junho entraria em West Point. Em Virginia estudou Álgebra, Inglês, História, Desenho e Latim. A História foi, além da guerra, a sua paixão até ao fim dos seus dias. Essa erudição talvez tenha sido a real causa de uma das grandes curiosidades da sua vida: Patton acreditava que tinha sido um guerreiro em vidas passadas, e que tinha participado nas maiores batalhas da História. Os poemas que escrevia eram um reflexo da própria certeza.

«I want you to remember that no bastard ever won a war by dying for his country. He won it by making the other poor dumb bastard die for his...»
-Gen. George S. Patton

*Foto: LTC Patton in front of a French Renault tank (used by the U.S. Army), France, 1918

[João Silva]

sexta-feira, agosto 20, 2004

Curiosa selectividade

Pude ouvir há pouco um senhor chamado John Kerry. John Kerry é, para quem eventualmente desconheça a identidade do dito, um dos candidatos à Presidência dos EUA. O leitor gostaria de saber mais? Gostaria de saber o que defende John Kerry? Infelizmente não o posso ajudar. Ninguém sabe o que o senhor defende. Nem o próprio, desconfio. Independentemente dessas considerações: ouvi John Kerry a criticar Bush, por este não condenar o anúncio dos Veteranos que acusa Kerry de ter mentido quanto ao seu passado no Vietname. Não deixa de ser curioso. É que por esta ordem de ideias, eu gostaria de ouvir Kerry condenar o filme de Michael Moore, que acusa Bush de ter mentido. E se, como disse Kerry, a ausência de uma tomada de posição de Bush contra o tal anúncio é um indicador de complacência para com o conteúdo do dito, então o mesmo se aplica a uma ausência de tomada de posição de Kerry em relação a Moore e ao seu "documentário".

[Bruno Alves]

A Word for the Troubled Soul

When the day is long and the night, the night is yours alone,
when you're sure you've had enough of this life, well hang on.
Don't let yourself go, everybody cries and everybody hurts sometimes.

Sometimes everything is wrong. Now it's time to sing along.
When your day is night alone, (hold on, hold on)
if you feel like letting go, (hold on)
when you think you've had too much of this life, well hang on.

Everybody hurts. Take comfort in your friends.
Everybody hurts. Don't throw your hand. Oh, no. Don't throw your hand.
If you feel like you're alone, no, no, no, you are not alone

If you're on your own in this life, the days and nights are long,
when you think you've had too much of this life to hang on.

Well, everybody hurts sometimes,
everybody cries. And everybody hurts sometimes.
And everybody hurts sometimes. So, hold on, hold on.
Hold on, hold on. Hold on, hold on. Hold on, hold on.
(Everybody hurts. You are not alone.)

Everybody Hurts
by R.E.M.

[Tiago Baltazar]

quinta-feira, agosto 19, 2004

O bom esquerdista

Estamos na época balnear portuguesa. O que, em linguagem política e/ou jornalística, equivale à chamada «silly season». Cassetes áudio parecem ser os personagens principais dos folhetins diários que vão sendo presenteados pelo excelso Correio da Manhã aos encantadores jornais ditos mais sérios: do jornal Expresso (atenção, que o Expresso tem pretensão de ser «sério») ao jornal Público. Portanto, ficamos à mercê das notícias que acendem sentimentos mais básicos dentro de nós. Ficam-nos os escândalos nacionais, as histórias pessoais de políticos e os Estados Unidos da América (os EUA são sempre notícia, manchete garantida). Os EUA e, claro, George W. Bush e demais «inimigos». A campanha de John Kerry (na verdade, o mais correcto seria dizer «contra Bush», mas os patrocínios confundem) chegou a todos os lados. E, como tal, Portugal não seria excepção.

Assim, vemos os velhos amigos e velhos fantasmas desfilar na televisão e nos jornais numa marcha contra o obscuro Presidente dos Estados Unidos. Michael Moore, Dick Clarke, Pearl Jam, Dave Matthews, Bill Clinton, até «The Boss», juntam as vozes à América que parece clamar por um regresso à democracia. Em Portugal, também em tom de tragédia dostoievskiana, senhoras (agora) bem comportados expiam o seu passado odiando o «homem do topo»: Durão Barroso, Santana Lopes e, como manda a regra de todo o bom esquerdista, o Presidente dos Estados Unidos. A semente do ódio parece sempre enorme no sr. Sousa Tavares, sr. Louçã, sr. Boaventura (se é que sabe onde ficam os EUA) e outros habituais. E tudo lhes parece mais doce sendo esse homem odiado, actualmente, George W. Bush.

Quando a matéria de conversa falta, é sinal de bom-senso, para quem quer revelar uma preocupação dita «esquerdista», odiar «líderes» americanos, de realizadores importantes (Oliver Stone angelicalmente excluído) a jornalistas dificeís de se vergar perante a monstruosa campanha de Kerry. Digo «preocupação dita esquerdista» como sendo o conveniente amor pelo outro, pela relva, pela liberdade da juventude, pelo «poder jovem» e pela eterna «vida boa» aristotélica (já adulterada há 100 anos atrás), fora de preconceito obsessivo. Enfim, todo o bom esquerdista deve saber um poema, ou ter lido um livro, contra Bush. Compôr uma música contra o mesmo ou gritar um pouco em frente à embaixada deverá ser suficiente.

João Miguel Tavares (surpreenda-se, leitor) constatou isso mesmo no Diário de Notícias de terça-feira: A opinião pública europeia continua a demonstrar a sua aversão rasteira em relação aos Estados Unidos. Agora foi na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, onde parte do público vaiou a equipa americana ao entrar no estádio. É perfeitamente legítimo que a Europa odeie Bush e a América que ele representa, mas será que todos os atletas presentes são filiados no Partido Republicano? Aquela vaia, lançada numa Atenas que representa o berço da civilização ocidental, foi uma vergonha e uma ignomínia. É tristíssimo que num país que tanto sofreu nas guerras mundiais do século XX se receba com assobios os representantes de uma nação que ofereceu os seus filhos e o seu sangue para assegurar a liberdade e o modo de vida de que hoje todos usufruímos.

Assim, no futuro, onde houver guerra onde devam estar os Estados Unidos, o esquerdista dirá que não deviam. E onde não forem chamados, será sempre um imperativo para o jovem, teriam de estar presentes. Como um marido traído, o esquerdista adora odiar os EUA.

[João Silva]

De Jospin a Soares (nota)

Há anos atrás, em tempos em que eu próprio ainda não existia, as ideias tinham um papel fundamental na política e, até, nas vidas das pessoas. Estávamos, então, nos tempos do "poder jovem", nos tempos em que milhares e milhares de pessoas abdicavam das suas próprias vidas para incendiar carros, para fechar escolas ou, até, para se manifestarem contra os Estados Unidos. Nesses tempos, a racionalidade não abundava. Porém, a classe política transbordava de ideias concretas. Até o povo demonstrava vontade de aprender alguma coisa, nem que fosse os ensinamentos de Mao Tsé-Tung. Eram, de facto, tempos em que o ser humano daria a vida pelos seus ideais.
Com o passar dos tempos, com o aumento da segurança e com a melhoria geral das condições de vida, as ideias foram sendo, progressivamente, enfiadas na gaveta, e a classe política passou a dar mais importância à beleza das palavras e às poses.

Como ontem disse Maria Filomena Mónica, no seu artigo semanal:" Um dia destes, prevejo, ainda teremos de nos defrontar com a seguinte questão: gosto mais do Manuel Alegre ou do Cavaco Silva? Nesse momento, já nada restará para além da cor dos olhos (mais bonitos os de Alegre) e da forma do corpo (mais perfeito o de Cavaco Silva). Apenas através do tom da voz, do sentido de humor, do brilho no olhar (Marcelo Rebelo de Sousa ganhará sempre) escolheremos quem nos irá governar. Também а política chegou à era dos "reality shows". "

[Paulo Rodrigues]

Os dois amigos

Os dois amigos de sempre, pouco habituados às cretinices deste velho Portugal, decidem fazer as malas, e fazem-se à estrada. Desejam partir do país bafiento que os viu nascer, para sítios onde o sol nunca se põe e a felicidade é total.
Porém, ao chegarem aos confins do mundo, os dois jovens percebem que o paraíso que tinham idealizado, era inexistente; era um sonho de infância, alimentado pelas ilusões de um tal António Vieira.
Por terem descoberto o óbvio, os imberbes choram, com saudades da terra que não era império, mas que era a terra deles.

[Paulo Rodrigues]

quarta-feira, agosto 18, 2004

O óbvio ululante

Na Pública do passado domingo, os leitores foram presenteados com uma reportagem acerca dos ex-maoístas dos tempos do 25 de Abril, que hoje navegam noutras águas ideológicas, menos agitadas. Mas não é das aventuras de Durão e José Manuel Fernandes, e restante rapaziada ex-exaltada que vou falar. O aspecto que retive da dita reportagem pouco ou nada tinha a ver com esse passado. José Lamego, ao definir a sua identidade política nos dias de hoje, afirmou:

"Sou um socialista liberal. Estou convicto de que a liberdade individual das pessoas é o princípio para uma política de esquerda. O que é a esquerda? Defender a liberdade e um sistema meritocrático e distributivo. A direita? São os defensores do privilégio e da tradição?"

Prefiro ignorar as considerações de Lamego acerca da "direita", que o dito não hesita em amalgamar como se de uma entidade una se tratasse. Basta passear pelos vários blogues de "direita" para se perceber que, dentro da dita, há muita discordância, e até em questões fundamentais. O que realmente aqui interessa é a defesa, por parte de Lamego, desse tal sistema "meritocrático e distributivo". Como pretende erigir tal maravilha ultrapassa-me. Como pode um sistema meritocrático ser simultaneamente distributivo? Como pode ser o mérito o elemento central desse sistema, quando a distribuição de riqueza está subordinada a um qualquer critério de justiça, totalmente independente do tal mérito (pois se esse critério fosse o mérito, teria sido escusada a junção do adjectivo "distributivo" ao "meritocrático")? Como pode um sistema ser composto de duas partes contraditórias? Não pode. Lamego acredita no princípio da autonomia individual. Mas acha que o Estado deve dar mais autonomia a quem a tem menos. Até certo ponto (acho que um mínimo deve ser garantido, pelo Estado, a um indivíduo), terá a sua razão. Mas Lamego parece ignorar que para dar essa tal autonomia aos que menos a têm, precisa de interferir na autonomia de outros. Lamego poderá defender que isso se justifica. De uma forma muito mais limitada, até eu o digo. Mas o que Lamego não pode fazer, como parece pretender com frases como a citada, é conciliar o inconciliável. A rapaziada que aqui me alberga estará a estranhar eu vir para aqui dizer o óbvio. Pelos vistos, o óbvio precisa de ser dito. Há quem não o veja. Parece ser o caso de José Lamego.


[Bruno Alves]

Elvis has just entered the building

Caros leitores do Lusitano, esta não é a minha casa. Devido à tragédia (ainda por identificar) que se abateu sobre a dita (o meu desaparecido blog Desesperada Esperança), esta rapaziada amiga fez o favor de me albergar enquanto o problema não se resolve. Assim, nestes dias de indefinição, estarei por aqui praticando a extraordinária actividade que é o guest blogging. Espero que não seja necessário fazê-lo por muito tempo...

[Bruno Alves]

A fornalha

Todos os anos, muitos são os jovens estudantes que sonham com uma vaga no malfadado curso de Direito. Compreensivelmente, diga-se. Afinal de contas, o referido curso oferece boas perspectivas para o futuro e, para além dosso, aumenta o ego das muitas almas confusas, acabadas de chegar ao Ensino Superior.
Porém, os estudantes que desejam ingressar na Universidade, principalmente, em cursos tais como Direito, não podem pensar que lhes basta decorar três centenas de páginas por semestre. De facto, não são essas páginas que farão com que esses estudantes sejam pouco ignorantes; não são essas páginas que lhes permitirão falar, com segurança, de autores como Albert Camus, Italo Svevo, William Shakespeare, Franz Kafka, Fyodor Dostoyevsky, entre outros. Não. Para se falar de literatura, de arte ou, até, de música, é necessário ler, realmente, livros, ouvir música, ir a museus, etc.!
Apesar dos muitos milhares de imberbes que estão destribuídos pelas faculdades de Direito deste grandioso país, considerarem-se génios da política, da literatura e do cinema, a verdade é que poucos são os que sabem, realmente, algo sobre alguma coisa qualquer.

[Paulo Rodrigues]

terça-feira, agosto 17, 2004

Soneto XLVII

«Mas se o pai acordar!...» (Márcia dizia
A mim, que à meia-noite a trombicava)
«Hoje não...» (continua, mas deixava
Levantar o saiote, e não queria!)

Sempre em pé a dizer «Então, avia...»
Sesso à parede, a porra me aguentava:
Uma coisa notei, que me arreitava,
Era o calçado pé, que então rangia:

Vim-me, e assentado num degrau da escada,
Dando alimpa ao caralho, e mais à greta,
Nos preparámos para mais porrada:

Por variar, nas mãos meti-lhe a teta;
Tosse o pai, foge a filha... Oh vida errada!
Lá me ficou em meio uma punheta!

Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas
by Manuel Maria Barbosa du Bocage

[Tiago Baltazar]

segunda-feira, agosto 16, 2004

Insónia

A criatura abjecta, como um fauno, avançou para a ninfa indefesa, que se banhava virginalmente no riacho. Num impulso feérico, o predador arrancou-a ao inocente alheamento e atravessou a queda de água com a nova refeição, que rudemente passaria a troféu. A floresta curvara-se em respeito à barbárie. A catarata, solenemente, chorava a queda do altar.



Henry Fuseli, The Nightmare, 1781

[João Silva]

A natureza humana

"O progresso é uma parvoíce. Pelo menos enquanto continuarmos a ser os animais que somos."

Miguel Esteves Cardoso, Explicações de Português

[Paulo Rodrigues]

Elisabeth Shue



E Las Vegas tão longe...

[Paulo Rodrigues]

domingo, agosto 15, 2004

Verão familiar

Noite de Verão. As famílias juntam-se todas e rumam à Ericeira. Entre abraços e beijinhos, lá se avistam alguns adolescentes, cheios de brilhantina no cabelo e com pulseiras nos tornozelos. Tudo cheira a maresia, até os bigodes dos “yuppies” que por lá passam. As meninas, eternas conquistadoras, fazem lembrar as manas Olsen. Eu, sentindo-me terrivelmente alienado, faço um ar de escopeteiro e fujo para o sítio mas distante que encontro. Sento-me a observar o mar. Mas, apercebo-me de que o mar nada é ao pé do que se escreveu acerca dele (perdoe-se este pequeno plágio). Por conseguinte, decido olhar para a multidão distante. Reparo que ela caminha toda ao mesmo ritmo, ao mesmo passo. Não pensa. Respira. Vive ataroucada com as farturas numa mão e a carteira na outra. Porém, chego à conclusão que todas aquelas pessoas são felizes. Afinal de contas, não pensam. E, portanto, têm tudo o que é necessário para serem felizes.

[Paulo Rodrigues]

Texto escolhido

Variações em torno de um tema chatíssimo chamado Jane Powell



Ó jovem, loura, sorridente, cantante Jane Powell
Você pode ser muito bonitinha mas você é um bocado
pau!
Sua cara parece um sabonete num banheiro de ladrilho
E você canta mais agudo do que bond da Light na curva
do trilho.
Você tem todos os requisitos agrícolas exigidos de uma
maçã
Mas eu confesso que prefiro deixar a fruta para o Ricardo
Montalban
Como nesse musical da Metro, em tecnicolor que mais
parece um sandwich americano
E onde você e ele dançam à meia-luz um tanguinho até
bacana
Você me desculpe , Jane Powell, eu estou sendo
deselegante com uma senhoria
Mas eu lhe confesso com sinceridade que a sua cara muito
me irrita
Porque sua cara não é uma cara, é uma pastilha de
vitamina
E você é, de um modo geral, uma chatíssima menina
Você dá cada agudo que se eu fosse director da Central do
Brasil
Punha você para puxar uma composição ferrocarril
Mas como você prefere ser atriz é o caso de dizer
paciência
Embora eu faça essa ponderação com uma certa
impaciência
Eu se fosse sua mãe, coisa que graças a Deus não acontece
Mesmo porque não sou fisiologicamente conformado para
tal
Eu, depois de cada fita sua, punha você numa colônia
correcional
Que é para você não andar aos berros por aí com essa sua
fachada de maçaneta
Ou então punha você na lavoura, manejando a picareta
Ou qualquer outro implemento bem pesado que lhe
deixasse tão cansada
Que quando você abrisse a boca não saísse voz nem nada
Você é uma menininha esdrúxula e ligeiramente morônica
Mas a coisa com que eu não vou mesmo é com a sua cara
Supersónica
Você lembra alimento enlatado, abobrinha verde, André
Kostelanetz
E eu lhe garanto que você não é a mulher que foi tirada
do meu costelanetz
Você deve ter saído mesmo é da costela do Mario Lanza
ou adjacências
Porque do contrário você não viveria marretando assim as
nossas consciências
Eu e Fred Astaire lhe votamos o mais profundo desdém
Porque você, Jane Powell, é o PHYN. Amén.

Vinicius de Moraes, Cinema

[Paulo Rodrigues]

A Glimpse on Happiness...

Just a perfect day
Drink sangria in the park
And then later, when it gets dark, we'll go home
Just a perfect day
Feed animals in the zoo
Then later a movie too, and then home

Oh it's such a perfect day
I'm glad I spent it with you
Oh such a perfect day
You just keep me hanging on
You just keep me hanging on

Just a perfect day
Problems all left alone
Weekenders on our own
It's such fun

Just a perfect day
You make me forget myself
I thought I was someone else
Someone good

Oh it's such a perfect day
I'm glad I spent it with you
Oh such a perfect day
You just keep me hanging on
You just keep me hanging on

You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow

Perfect Day
by Lou Reed

[Tiago Baltazar]

sábado, agosto 14, 2004

Life in a 10" cannon

À medida que gasto os dias num rodopio desiludido sobre mim mesmo, revejo um pouco o passado. Após a aceitação do anátema existencial, vem o infantil sonho de paz de espírito. Num desavergonhado sorriso solitário, relembro o melhor filme de sempre. Melhor do que eu, Travis Bickle aceitava a Humanidade tal como ela é...



[João Silva]

John «I Stand For Nothing» Kerry

Um dia, quando as paixões suscitadas pelas eleições americanas sossegarem, os historiadores e os analistas da política externa dos Estados Unidos não deixarão de reparar numa notável passagem do discurso de aceitação da nomeação de Jonh Kerry: "Como Presidente - declarou Kerry - trarei de volta esta nação à sua honrosa tradição: os Estados Unidos nunca irão para a guerra por vontade própria, só iremos para a guerra quando formos obrigados a isso. Esse será a posicionamento da nossa nação." Esta declaração recebeu os mais calorosos aplausos dos congressistas democratas.

Por certo que, face a esta declaração, os historiadores diplomáticos devem ter pensado em suicidar-se por compreenderem que, afinal, não entendem nada do que são as tradições do país. E, provavelmente, até alguma opinião pública estrangeira entusiasmada com a possível vitória de Kerry em Novembro terá reflectido sobre o grau de politicamente correcto e de inocência exibido pelo candidato. De facto, quem para além de um político americano, perguntar-se-ão, poderia garantir que os Estados Unidos nunca foram para a guerra a não ser forçados a tal?

(...)

Se realmente Kerry se revelou naquela frase, num momento de real sinceridade, então é altura de todos olharem honestamente para onde ele conduziria o país, caso fosse eleito. A "doutrina da necessidade" de Kerry, se entendida com seriedade, representaria um pacifismo e um isolacionismo como os Estados Unidos não conhecem desde a década de 30 do século XX. Excluiria todas as guerras travadas por motivos humanitários, todas as intervenções destinadas a prevenir genocídios, a defender democracias ou, como teria sido o caso do primeira guerra do Golfo, a repor a lei internacional contra os seus agressores. Porque todas essas guerras seriam "guerras de escolha".

Para alguém que disse que pretende estabelecer melhores relações com o resto do mundo, a doutrina Kerry resultaria numa política externa baseada em avaliações mesquinhas e egoístas dos interesses americanos bem para além do alegado "unilateralismo" da Administração Bush. Talvez fosse por isso altura de alguns europeus pensarem se querem que a política externa hiperambiciosa de Bush seja substituída por um recuo isolacionista. Depois de ouvirem o discurso de Kerry, talvez devessem começar a preocupar-se.

Robert Kagan, in Público / Washington Post, 14/08/04

[João Silva]

Amortalhado na bagagem

Francisco Louçã, líder do Bloco de Esquerda, revela, na edição de hoje da “Grande Reportagem”, o grande prazer que sente em viajar. Acho muito bem. Afinal de contas, todos nós gostamos de viajar. Porém, o interesse de Francisco Louçã torna-se muito peculiar, a partir do momento em que o próprio refere: “Aos 16 anos, já em 1971, fui a França, para sentir o que ficara do Maio de 68; em Paris, com um pequeno grupo de amigos, quis acompanhar aquele movimento contra a guerra do Vietname, e toda a luta cultural da época.” Mais à frente, Louçã revela a sua facilidade em fazer amigos: “(...) em 1978, aos 22 anos, fui ao Brasil, e conheci o Lula, tinha ele acabado de sair da prisão(...).
Bem, a verdade é que Louçã poderia apresentar-se como o herói de muitas gerações vindouras. Admirado pelas suas atitudes, pelas suas viagens, pelo seu estilo prepotente, e por muitas outras coisas, Louçã representa para muitos imberbes o que Kurt Cobain representou para mim, na infância. Isto é, representa a rebeldia ignorante, que se está nas tintas para qualquer tipo de inteligência. Representa o poder jovem, o poder herdeiro de 68. Enfim, representa o lado negro da juventude.

[Paulo Rodrigues]

sexta-feira, agosto 13, 2004

Ler?

Há manhãs em que apetece estar num café, sentado. De preferência, a ler um livro. Hoje tive uma dessas vontades súbitas . Por isso, saí de casa com um livro na algibeira, pronto para ler ao som do tilintar de moedas no balcão. Quando, finalmente, chego a um estabelecimento, no qual nunca tinha entrado, mas que me parecia deveras asseado, coloco um livro e um caderno em cima de uma mesa livre. Depois de sentado, e de ter comido, talvez, um pastel de nata, começo a pegar sossegadamente no livro. Simultaneamente, reparo no olhar desconfiado do empregado de mesa. Porém, depois de começar a ler, já o empregado tinha sido esquecido. De repente, sinto um toque no ombro. Ao virar-me, vejo que é o empregado desconfiado. Ele diz-me qualquer coisa, mas não o percebo. Peço-lhe para repetir. E ele, tartamudeando, diz: “O senhor não pode ler aqui...”. Eu lanço-lhe um olhar incrédulo. E ele continua: ”É verdade, nesta casa não se pode ler. Não viu aquele papel que coloquei na porta de entrada? Lá diz que é proibido ler nesta casa!”. Envergonhado, levanto-me e, com um sorriso forçado, peço-lhe desculpa.

[Paulo Rodrigues]

Conversas

“(...) Finalmente, reconheço uma mulher de Montana, amiga da irmã da minha mulher, com quem sempre achei que era muito fácil conversar, principalmente porque ela é capaz de falar sobre qualquer coisa que lhe venha à cabeça, desde Shakespeare ao pudim de Natal. Acha tudo “fascinante” e “maravilhoso”. Mudo de direcção e vou ao seu encontro, esperando conseguir meter conversa com ela antes que mais alguém o faça, e, tal como esperava, em menos de um minuto ela está a fazer-me perguntas sobre armas – não é o meu assunto preferido, mas é melhor do que bater no Bush ou enaltecer os Tiger Woods, que parecem ser os temas principais na sala. (...)”

Sam Shepard, O Grande Sonho do Paraíso

[Paulo Rodrigues]

Reflexo

Olho, no espelho redondo de esmalte, o meu reflexo a diluir-se a uma velocidade acusadora. Subitamente todas as luzes iluminam as minhas costas e as faces desconhecidas que pairam em redor parecem trazer-me à memória o tempo perdido e o tempo que me falta perder. Em todas essas faces, um odioso olhar suplicante, em muito parecido com o que me fita do copo.


Edward Hopper, New York Movie, 1939

[João Silva]

quinta-feira, agosto 12, 2004

NY Dusk



Mario De Biasi, 42nd Street NYC, 1955

[João Silva]

Excerto escolhido

"Quem gosta de futebol sabe que o goleiro é o personagem trágico por excelência. O mais solitário dos jogadores, o que se veste diferentemente de todos os outros, o único que pode agarrar a bola -a do jogo, é bom deixar claro- com as mãos, o que transita mais rápido da glória à desgraça e, às vezes, de volta à glória. Em geral acaba, como seus pares, virando técnico, comentarista da Grobo ou dono de posto de gasolina na Pompéia, mas essa circunstância não lhe altera o destino singular. Tenho certeza de que toda a obra de Camus se deve ao fato de ele ter sido goleiro, sobretudo aquela história de ser um Sísifo feliz rolando a pedra, indo buscar infinitamente a bola no fundo da rede. É impossível ser centroavante e existencialista. Serginho Chulapa entre o ser e o nada na pequena área: não dá. A resposta será um chute de bico."

Ruy Goiaba, in puragoiaba

[Paulo Rodrigues]

quarta-feira, agosto 11, 2004

Amália

Entre conversas e desabafos, bebemos copos cheios de desejo. Eu e os dipsomaníacos que me rodeiam. O teu rosto, por seu lado, permanece impávido, sereno, distante da minha imagem imbecil. Procuro o teu olhar, em vão. Olhas-me com esse teu ar desprezível. Repugno-te, claro. No entanto, é isso que me fascina. Ser um idiota perante a tua presença.


Alfred Stieglitz
Icy Night
1893

[Paulo Rodrigues]

A Glimpse on Despair...

All this talk of getting old
It's getting me down my love
Like a cat in a bag, waiting to drown
This time I'm comin' down

And I hope you're thinking of me
As you lay down on your side
Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

But I know I'm on a losing streak
'Cause I passed down my old street
And if you wanna show, then just let me know
And I'll sing in your ear again

Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

'Cause baby, ooh, if heaven calls, I'm coming, too
Just like you said, you leave my life, I'm better off dead

All this talk of getting old
It's getting me down my love
Like a cat in a bag, waiting to drown
This time I'm comin' down

Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

'Cause baby, ooh, if heaven calls, I'm coming, too
Just like you said, you leave my life, I'm better off dead

But if you wanna show, just let me know
And I'll sing in your ear again

Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

Yeah, I know I'll see your face again
Yeah, I know I'll see your face again
Yeah, I know I'll see your face again
Yeah, I know I'll see your face again

I'm never going down, I'm never coming down
No more, no more, no more, no more, no more
I'm never coming down, I'm never going down
No more, no more, no more, no more, no more.

The Drugs Don´t Work
by The Verve

[Tiago Baltazar]

terça-feira, agosto 10, 2004

As batalhas de Bonaparte



O Tiago é, mais que um simpatizante de Napoleão, um seu admirador. Do general e do imperador. É aí que reside uma diferença essencial na personalidade e, consequentemente, na vida de Napoleão Bonaparte: este era um general brilhante, quase inigualável (sendo, talvez, apenas possível equipará-lo a anteriores estrategas militares do tempo de Alexandre), mas um político, um «diplomata» falhado, um impaciente crónico. É, apenas, o general Bonaparte que eu admiro.

Faz-se, no post já referido, uma alusão às 50 batalhas ganhas em 60 por Bonaparte em oposição às «5» de Wellington (número impossível). Mas o objectivo está bem exposto. No entanto, não se pode encarar os factos como uma grande vantagem, um grande triunfo «estatístico» da carreira e da história do general francês. Pois o ponto recai, se assim se pode dizer, na razão de ser das tais batalhas. Wellington não será mau líder por ter travado poucas batalhas (comparativamente a Bonaparte), mas sim um líder inteligente, alguém que sempre soube «escolher» as batalhas. As batalhas que podia ganhar, mas também as batalhas que valiam a pena ganhar e, mais importante, travar. Não quero, com isto, parecer, um grande admirador do inglês. Mas sim realçar a diferença entre os dois.

Bonaparte ganhou tantas batalhas, pois foi ele que as escolheu travar, liderar e para insistir num qualquer objectivo que, não poucas vezes, levou para a morte dezenas e dezenas de milhar de soldados franceses, apenas para «desbastar» os recursos do inimigo. Napoleão era um óptimo general, mas um político medíocre. Travou batalhas em demasia pois era um megalómano. Era um imperador cesarista (literalmente, pois era um admirador confesso e despudorado dos caprichos do imperador romano César). Se pudesse descrever Bonaparte, general e imperador, em duas palavras, diria que sempre foi: ambicioso e impaciente. Juntas, criaram o líder esfaimado em que, rapidamente, se tornou o jovem e brilhante general de artilharia saído do colégio militar.

Em suma, Bonaparte ganhou muitas batalhas porque também obrigou o próprio exército a travar muitas, para sua glória pessoal. A maioria delas sem nenhum objectivo senão o de alargar a «sua França». Bismarck, décadas depois, percebeu o suicídio que seria partir em aventuras imperiais fora dos recursos germânicos. Percebeu que demorava tempo para alargar e (de preferência) consolidar, de forma mais ou menos pacífica, um império. O exemplo do Império Britânico talvez seja o melhor exemplo, mesmo que não seja exemplarmente perfeito (não os há, felizmente). Bonaparte ganhou 50 batalhas em 60 porque tinha problemas com a pequenez. Em pequeno, achou que a Córsega era pequena demais para ele. Chegado a França, achou o mesmo do país. O general tornou-se imperador, foi o seu erro. Felizmente, falhou. Felizmente para a Europa.

[João Silva]

Poema

Entrei na segunda parte
quando o teu jogo
estava quase a acabar.
Mas eu não era homem
para resolver um jogo,
não era nem tinha arma
secreta, apenas uns gritos
de raiva já afónicos.
De cada vez que havia cama
levantava-me da cama
como se me levantasse
de uma operação.
Umas vezes operava-te
eu, outras vezes operavas-me
tu. Esperávamos uns dias
até caírem os pontos
e lá voltávamos ao teatro
das operações. Foi pior
quando se soltou da tua boca
a palavra amor. Pensaste
que ao entrar eu resolvia
o jogo, mas só fiz figura
de corpo presente, assim não
valia a pena ter-me equipado.

Helder Moura Pereira, A tua cara não me é estranha

[Paulo Rodrigues]

Pequenas diferenças

Segundo uma notícia avançada pelo "Público", "Um grupo de militantes do PS vai apresentar uma moção que apela à assunção clara do objectivo de alcançar a maioria absoluta, e que defende que, caso a maioria não se concretize, o PS deverá fazer alianças à esquerda. A moção intitula-se "Uma esquerda com raízes e com futuro", entre os subscritores há apoiantes dos três candidatos à liderança, e será formalmente apresentada nos próximos dias."
Ora, a hipótese de uma aliança do PS com o PCP ou com o BE parece irreal, já que esses partidos, apesar de se terem camuflado no sistema democrático, não nutrem qualquer tipo de afectos para com a Democracia. Pelo contrário, esses partidos são inspirados em ideologias totalitárias e assassinas.

[Paulo Rodrigues]

segunda-feira, agosto 09, 2004

A Glimpse on Love...

If I can reach the stars,
Pull one down for you,
Shine it on my heart
So you could see the truth:

That this love I have inside
Is everything it seems.
But for now I find
It's only in my dreams.

And I can change the world,
I will be the sunlight in your universe.
You would think my love was really something good,
Baby if I could change the world.

And if I could be king,
Even for a day,
I'd take you as my queen;
I'd have it no other way.

And our love would rule
This kingdom we had made.
Till then I'd be a fool,
Wishing for the day...

That I can change the world,
I would be the sunlight in your universe.
You would think my love was really something good,
Baby if I could change the world.
Baby if I could change the world.

I could change the world,
I would be the sunlight in your universe.
You would think my love was really something good,
Baby if I could change the world.
Baby if I could change the world.
Baby if I could change the world.

Change The World
by Tommy Sims, Gordon Kenney and Wayne Kirkpatrick

[Tiago Baltazar]

Writing to reach you

Encostado a um balcão de um bar qualquer, ouço as conversas dos amigos. Tento participar, em vão, dirigindo algumas bacoquices a todos os que me rodeiam. Porém, tudo o que consigo fazer é pensar na silhueta de menina, que me deixaste como recordação. Oh!Que saudades dos tempos em que Leonard Cohen me lembrava de ti!

Edward Weston
Nude
1936

[Paulo Rodrigues]

domingo, agosto 08, 2004

Pão & Rosas

Neste momento, há poucas pessoas que consigam ser tão ridículas quanto Ana Sá Lopes. Basta ler este artigo para se perceber o que quero dizer.

[Paulo Rodrigues]

Napoleão, Wellington e o Embelezamento da História

Em todas as estórias que se contam, existe sempre a tendência de incutir um certo cariz de embelezamento literário. E, de forma ocasional, estas estórias, quando escritas, podem tornar-se a própria história.
Deste modo, corre-se um risco. O risco, de aparecer alguém que, após um estudo real sobre os acontecimentos, venha dizer que afinal a coisa não foi exactamente assim.
Em Napoleon, de Paul Johnson, existe, por parte do autor, uma tentativa de desmistificação da história de um dos maiores lideres que o mundo já conheceu: Napoleão; do qual o João, neste espaço, fez o favor de transcrever um pequeno excerto.
Obviamente que toda a história tem os seus embelezamentos e que, tendo em conta que se fala de um Imperador a história tende a ser contada de uma forma mais requintada, tal como acontece com qualquer Rei, Príncipe, Duque (leia-se Wellington) e outros tantos.
Resta saber em que pileca Wellington cavalgou durante as 5 ou 6 batalhas que realizou (todas ganhas é certo), ao invés das cerca de 60 batalhas realizadas por Napoleão, das quais chegou a ganhar cerca de 50.
Quando, na análise histórica, temos que ser lúcidos e compreender que aquilo que nos contam poderá não ter sido exactamente como nos querem vender, mas, temos também que ser capazes de compreender que o facto de a acção ou acto poder ter sido algo embelezada literariamente, não retira a grandiosidade da mesma.
O como aconteceu poderá sempre ser discutível, mas o que aconteceu, normalmente é bastante factual e portanto indubitável.
[Tiago Baltazar]

O ciúme em dia de citação

"(...) Não me entreguei a Volpini para ser tua? - E Emílio baixou a cabeça, convencido."

Italo Svevo, Senilidade

[Paulo Rodrigues]

A tiresome mule...

(...) Italy was the natural battleground for him [Napoleon]. He spent the early months of 1800 reorganizing the army, then personally led a great set-piece prelude to his campaign by taking an army of 50,000, himself at its head, through the Great Saint Bernard Pass at a time of year (the third week of May) when conditions were still icy and the snow deep. This produced the finest of all Napoleonic images, captured by David, of the Man on Horseback urging on his troops amid the snow. In fact he ascended the Alps on a tiresome mule, which he cursed and belaboured as it slithered on the ice, but he did get his men safely across, though they lost much of their heavy equipment in the passage. He gloated: «We have fallen on the Austrians like a thunderbolt!»

Paul Johnson, in Napoleon

[João Silva]

A muckraker with a camera


Jacob Riis
Bandit's Roost,
59 1/2 Mulberry Street
c. 1888

[Paulo Rodrigues]

Princípios Gerais

"Os afectos mudam a razão,
e as regras de uma verdadeira política
são as únicas coisas que jamais mudam."

Napoleão Bonaparte - Como fazer a Guerra

[Tiago Baltazar]

sábado, agosto 07, 2004

O pensante

A cidade num fim-de-semana é, provavelmente, a coisa mais degradante que existe no mundo civilizado. Em especial, a cidade portuguesa. Não se pensa, apenas se vive, e se imagina desempregado ou com emprego, conforme a situação (oposta) do pensante. Nas esplanadas pequenos generais observam o campo de batalha, estirados em cadeiras, enquanto o calor aperta, e as mãos suam. No meio da serena confusão, uma voz se eleva. A do clássico «pensador de café». Acercando-se das vontades, monopoliza as conversas sob o seu jugo tirano. Sendo português, critica os seus. Aplaude o passado. Evoca velhos ditados populares. Relembra Ramones e The Clash. É um jovem num corpo de velho, estragado. Todos percebem, ao ouvi-lo, que a sua queda se deu algures nos anos 80 e, no entanto, não conseguem esconder um misto de pena e empatia pelo exemplar irreverente. Porque ele diz o que sabe, mesmo não sabendo o que diz. Na sua trágica epopeia, desfalece com um piscar de olhos e uma profecia: A ciência tão exacta e não sabem nada. Agora era bem feita que se descobrisse que o Hitler estava vivo. Era bem feita. Era uma chapada na História. O povo saiu sonhador.

[João Silva]

Leitura

Não sei se Mouzinho não se tivesse suicidado e estivesse no 5 de Outubro teríamos ainda hoje a Monarquia Constitucional, ou se fosse outra a ordem de batalha nas guarnições da Metrópole, continuaríamos no chamado Estado Novo, com o Dr. Marcelo Caetano em S. Bento e o Dr. Mário Soares de parente pobre, leader dum partido fantasma, nas reuniões da II Internacional, em vez de pobre primeiro-ministro dum país quase falido.

Jaime Nogueira Pinto, in Fascismo em Rede

[Paulo Rodrigues]

Her


Audrey Hepburn (1929-1993)
Philippe Halsman
Gelatin silver print, 1954

[Paulo Rodrigues]

Rasputine

A última vez que te vi
andavas a ler a vida de Rasputine,

a última vez que te vi
atribuías muita coisa ao hipnotismo e ao desejo
de morrer,

a última vez que te vi
falavas sabendo que as palavras não chegavam
até mim, aves migratórias sem verão,

a última vez que te vi
tinhas os olhos no chão mesmo quando os levantavas,

a última vez que te vi
deste a entender que a maturidade antecede vinte
e quatro horas a desilusão,

a última vez que te vi
deixaste comida no prato,

a última vez que te vi
não chegavas a ter pena de Nicolau e Alexandra,

a última vez que te vi
pensavas que era muito mau gostarmos
das mesmas canções,

a última vez que te vi
dizias que as fotografias
nas gavetas estavam agora mais tristes
do que quando foram tiradas,

a última vez que te vi
já não pensava em crueldades e polaroids
mas em viajar tão natural e precariamente como os outros
na pequeníssima dimensão da eternidade,

a última vez que te vi
foi a última vez.

Pedro Mexia, Avalanche

[Paulo Rodrigues]

sexta-feira, agosto 06, 2004

World Press Photo no CCB

Hoje dirigi-me ao Centro Cultural de Belém. Já pretendia ir lá à algum tempo ver a exposição da World Press Photo, mas hoje, munido de excelente companhia, foi dia.
O que lá observei espantou-me e arrepiou-me, um pouco ao mesmo tempo. Dizem que uma imagem vale mil palavras e, neste caso, é a pura das verdades. Todo o espaço preenchido de palavras não demonstraria minimamente todo o esplendor, a tristeza e o sofrimento daquilo que vi. E como tal seria infrutífero tentar descreve-lo extensivamente aqui. Só observando é possivel ver. O olho de vidro da câmera revela um mundo muitas vezes escondido para o comum dos mortais que ignora a verdadeira realidade (aquela que não se vê no dia a dia) e que naqueles instantes fotográficos fica bem patente.
A exposição possibilita sorrisos, curiosidades e até choro para as almas mais susceptíveis (não, não vi ninguém chorar, mas ouve momentos em que senti uma vaga necessidade de o fazer).
No fim, sai-se da exposição com uma sensação de um mundo oculto agora descoberto. A beleza fotográfica revela o horror do real. Um real que ignorámos ou que muitas vezes fazemos simplesmente por ignorar.
Recomenda-se a visita...

[Tiago Baltazar]

Everyone's Josephine



As artérias insuflam...

[João Silva]

Oakeshott revisitado

Descobri uma página (aparentemente, «oficial») com ensaios de Michael Oakeshott e muito mais sobre o filósofo. Na verdade, é todo um «mundo» acerca de Oakeshott. Está aqui.

[João Silva]

Parece impossível...

A SIC faz um esforço tremendo para não ser o «tablóide» que a TVI ambiciona ser. A SIC tenta, mas não consegue evitar. Florestas ardem, diz-se ser, em manchete, um «cenário dantesco». Prédios sofrem derrocadas, diz-se que «Lisboa está a cair». Os repórteres servem de teleponto aos populares em pânico («Parece impossível, não é?»). E, claro, não pode faltar o dicurso anti-Bush. É central numa estação que ambiciona grandeza.

Como tal, a estação achou importante realçar a notícia matinal: Novo "Bushismo" - Presidente norte-americano profere gaffe perante o Pentágono. E, pouco a pouco, destronam a velha e conhecida TVI no ataque sensacionalista. Bush poderia até ser dos presidentes mais trapalhões da História, mas isso não faz notícia. Pelo menos, num país civilizado.

[João Silva]

Música de passeata



Ao que parece, a campanha contra George W.Bush também se virou drasticamente para o mundo da música. Pearl Jam, Bruce Springsteen, Dave Matthews Band, R.E.M., Death Cab for Cutie, Bright Eyes, Jurassic 5, My Morning Jacket, Ben Harper, Kenny "Babyface" Edmonds, John Mellencamp, Jackson Browne, James Taylor e Bonnie Raitt, juntar-se-ão, em Outubro, num tour que terá por nome: MoveOn's political action committee and America Coming Together (ACT) .

Por mais nobres que sejam os sentimentos dessas bandas, o acontecimento não deixará de ser triste, deprimente. Artistas como Bruce Springsteen ou Eddie Vedder, podem até ter qualidade naquilo que fazem. Porém, não há coisa mais triste que ver um artista a pensar. Aliás, não há coisa mais triste que ver um artista pensar que pensa.

[Paulo Rodrigues]

quinta-feira, agosto 05, 2004

Dos escombros para a manchete



As notícias corriam depressa naquele dia. Parece que o prédio ruíra mesmo. As pessoas não queriam acreditar. O sofrimento era enorme. As lágrimas, os gritos e os suores invadiam o ar. Nunca ninguém imaginara tal coisa. Porém , do meio dos escombros, sai um jornalista de sorrisos fraternos a desabafar para o mundo: "Parece impossível!". E a unanimidade vociferou:"Parece impossível!".

[Paulo Rodrigues]

quarta-feira, agosto 04, 2004

Obsessões

Nos últimos dias, a causa das minhas invejas tem sido um pequeno livro. Trata-se de Napoleon, de Paul Johnson. Em situações normais, bastar-me-ia encomendá-lo e esperar pela sua chegada a casa. Infelizmente, as coisas não são assim. É que, de cada vez que vejo o João (que também escreve aqui), também vejo Napoleão estampado no livro do famoso Historiador. De cada vez que o vejo a desfolhar o livro que ainda não tenho, sinto-me humilhado. E, de cada vez que me sinto humilhado, vejo no João um Tayllerand renascido.

[Paulo Rodrigues]

Eterna correria

No café, vou digerindo a solidão. A tarde falece. Em meu redor, os progénitos dos jovens casais entregam-se às pequenas brincadeiras. O Mundo parece-lhes enorme nos pequenos espaços entre as mesas. O pai contrai a face perante os pedidos do filho, que lhe pede um capricho inaudível. A bola surge inesperadamente debaixo das cadeiras seguida pelas correrias dos irrequietos. Olho-os. Olho o pai. Sorrio para o meu café, e compreendo tudo. Somos o que fomos. Nada muda em nós depois da infância. Continuamos os mesmos miúdos inseguros, apenas corremos mais depressa atrás da bola.

[João Silva]

Blank page

É uma tarde como tantas outras. O calor arrasta-te pelas ruas do teu bairro. A transpiração rasga-te os sentidos. Mas tu sorris. Afinal de contas, está um dia lindo. As montras, as pessoas, os animais, tudo te parece mirificamente belo. Lembras-te que o teu filme preferido passa na televisão. O calor não te deixa pensar, mas é o teu filme. Não o podes perder. Hoje não. Eu, por meu lado, perdi essa tarde, e muitas outras, sentado nesta velha cadeira à tua espera. Mas, tu nunca chegaste. Depois dessa tarde, virão outras em que não haverá filme, em que desejarás a minha companhia, em que verás em mim um amante para os teus desabafos. Mas, nessas tardes, aviso-te, não me procures. A casa estará vazia.

[Paulo Rodrigues]

The jealous lover



Marc Chagall, Paris Through the Window, 1913

terça-feira, agosto 03, 2004

Cafés e chuteiras

No café, almeja-se o grémio. O café e o cigarro vão deteriorando as mentes à medida que o tempo passa. Fala-se de Kafka, Miller, Cohen, Dylan, Rachmaninov. O cigarro arde, as vontades também. Pouco a pouco, Kafka transforma-se no novo jogador do Sporting. Miller no jogador que falta. A conversa perde o eixo e vagueia triste pelas páginas desportivas dos jornais. A política desilude e o futebol, num oportunismo desmesurado, vai enchendo os pequenos vazios das conversas em fase descendente. Nos escombros do debate inteligente, vem a nostalgia da infância da bola de futebol. Essa é a sina do Homem português: morre o político, ressurge o filósofo em chuteiras.

[João Silva]

City Sickness



[Paulo Rodrigues]

História urbana

Acabaram com o rapaz nas escadas do metro.
Adagas subtis, aceradas, suaves em registo de irónica
piedade, pietà sem regaço
esvaindo-se, na escadaria,
pupilas dilatadas pelo chão os livros e o blusão.
Acabaram com o rapaz nas escadas do metro.
Tinha 16 anos, a rapariga, e apanhou a linha verde.

Pedro Mexia, Eliot e Outras Observações

[João Silva]

Mundo Estranho

Vivemos num mundo estranho. É algo de inquietante, quando vemos todas as certezas, todo o que antes nos sustinha, cair por terra.
Eu mantenho-me quieto em frente ao computador a pensar nas minhas certezas e num acto de profunda tristeza vejo que não tenho nenhumas. Como as ganhei, assim mesmo as perdi, sem saber muito bem como.
E sem certezas mantenho-me quieto, em frente ao computador enquanto escrevo. Porque escrevo eu? No fundo não o sei, talvez, como já alguém outrora disse, pelo simples acto mecânico da coisa. Penso e escrevo.

[Tiago Baltazar]

segunda-feira, agosto 02, 2004

Attention, Company!


William Michael Harnett (1848–1892)

[Paulo Ferreira]

Ébrio

A incerteza da certeza. Observando-a, tremo. Sei que sim, sei que vou baqueando à sua frente. Enquanto zomba da minha figura. Do meu destino insuportável. Mas para ela não há soluções, apenas hesitações.

[João Silva]

domingo, agosto 01, 2004

O comunista romeno



Nicolae Ceaucescu nasce a 26 de Janeiro de 1918 numa pequena aldeia romena chamada Scornicesti , e é aí que Ceaucescu, rodeado pela miséria, gasta parte da sua infância. Contudo, em 1928 o futuro ditador parte para Bucareste, onde começa a trabalhar como sapateiro. É nessa altura que Ceaucescu conhece o Comunismo, muito por culpa do seu patrão que lhe desperta os sentimentos para os ideais comunistas. Durante os catorze anos seguintes, muitas são as vezes em que Ceaucescu é preso. É num desses anos que se sucederam à sua chegada a Bucareste que Ceaucescu se casa com Elena, uma mulher "maligna" (apesar de iletrada).
Em 1944, e depois de uma feroz luta antifascista, o Partido Comunista Romeno chega ao poder, com a ajuda do Exército Vermelho. Todavia, a ascensão fulgurante de Nicolae Ceaucescu só se inicia a partir da morte de Dej (1965). Com efeito, em 1965, Ceaucescu torna-se secretário-geral do Comité central e chefe político do Exército e, em 1968, torna-se Presidente da Roménia.

Apesar de comunista, Ceaucescu não hesita em condenar as políticas soviéticas (condena, por exemplo, os ataques soviéticos à Checoslováquia), o que lhe vale uma visita do presidente norte-americano, Richard Nixon, ao seu país e, também, aplausos por parte da Europa Ocidental.
Contudo, inspirado em Mao Tsé-Tung, Ceaucescu constrói uma Roménia virada para si próprio. Projecta uma mini-revolução cultural (por exemplo, proíbe o seu povo de ouvir música ocidental, entre outras coisas.) e explora a sua própria imagem através da propaganda e da repressão (o grande instrumento repressivo era a Securitat, que tinha mais de setecentos mil informadores), que, consequentemente, lhe granjeiam alguns milhões de admiradores.
O povo cedo percebeu que o comunismo de Ceaucescu era igual a todos os outros comunismos, ou seja, tirano. Mas, em vão. Os operários chegavam a trabalhar vinte e quatro horas por dia, sem receber ordenado, e o principal responsável por tanta pobreza e miséria foi, mais uma vez, uma das muitas criações do Comunismo, Nicolae Ceaucescu.

[Paulo Ferreira]

A angústia de Vincent



Há algo de trágico transmitido, por van Gogh, aos seus quadros. A cor adquire uma importância inominável na forma de expressão do holandês: a arte. Cada velha árvore, cada seara, cada ponte, cada personagem, ultrapassa as sensações do artista e torna-se objecto de uma expressão brutal da angústia de van Gogh. É uma realidade transposta, para a tela, não «através» dos olhos, mas do «coração», do irado sentimento, da perturbada e desconfiada mente de Vincent.

O céu torna-se avermelhado ou negro, em vez de uma académica representação de um entardecer. Os corvos invadem o campo de visão do observador como se fora a própria Humanidade numa acção de contínua fustigação (expressão do destino de solidão). O céu, negro, de noite, parece preparar-se para tragar o luar e os reduzidos focos de luz em Noite Estrelada.

Enfim, toda a obra de van Gogh, em especial a dos anos de Arles, é uma premonição consciente da tragédia que seria a sua vida. No dia em que decidiu pintar a cadeira de Gauguin na ausência deste, tudo passou a fazer sentido: van Gogh estava só, sofria, e aguentá-lo-ia (o sentimento de solidão) até à sua morte. Assim foi. Morreu sozinho, absorvido pelo turvo céu dos seus quadros.

(imagem: Auto-retrato com orelha ligada, 1889)

[João Silva]

Vianna da Motta

Mais uma edição deste prestigiado concurso de piano passou, sem que fosse atribuído 1º Prémio. Não posso deixar de referir que, no meu entender, a classificação final foi uma verdadeira decepção, o que demonstra bem a parcialidade (uma espécie de conluio...) característica deste tipo de competições.
Tendo em conta a qualidade de cada finalista, era de esperar algo de maior coerência quanto às deliberações finais do Júri. É que, francamente!...
Dos seis finalistas desta competição, a meu ver, os grandes destaques recaem sobre Ketevan Sepashvili (colossal), Maria Massytcheva (que graciosidade!) e sobre o jovem Tristan Pfaff. Quanto a este último, uma palavra: prodigioso! Para além de aliar um espantoso virtuosismo a uma expressividade ímpar, é também admirável a sua elegância em palco, a sua entrega e o seu encanto. Mais admirável ainda, é a sua idade: 19 anos! Um verdadeiro diamante em bruto... Pois então, eis que o Júri decidiu humilhá-lo completamente, decidindo atribuir-lhe uma vergonhosa 7ª posição, criada especialmente para não o deixar "de fora" da classificação final, e colocando-o atrás de Bei Lin Han (6ª classificada), que musicalmente, deixa muito a desejar...
Aqui está então a prova que nestas competições, o que interessa não é a qualidade, mas sim outro tipo de factores, digamos, externos. Escandaloso!
Ainda uma última palavra de apreço para as concorrentes que ascenderam ao pódio, Eleonora Kharpoukova (2º prémio) e Olga Monakh (3º prémio), pelas boas prestações realizadas em todas as provas, desde as eliminatórias até às finais. Bravo!

[Gonçalo Simões]